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02/09/2003 - 10h00

Mídia do PR vende R$ 6,4 mi de "reportagens"

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FERNANDO RODRIGUES
da Folha de S.Paulo, em Brasília

O governo do Estado do Paraná gastou R$ 6,418 milhões em 2002 com a compra de "reportagens" em 76 veículos de comunicação (68 jornais, 6 revistas e 2 colunas). O governador do Estado na época era Jaime Lerner (PFL). As operações são legais e estão registradas, embora a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) proíba essa prática em seu código de ética.

A Folha teve acesso a 187 notas fiscais que atestam as negociações. As informações foram tabuladas e checadas. O processo de apuração levou sete meses. Todos os envolvidos foram procurados, sendo que 67 foram localizados. Desses, um negou a venda de "reportagens", apesar de ter sido confrontado com documentos.

O Paraná é o sexto Estado mais rico do país, segundo o IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2002, gastou R$ 86,129 milhões com publicidade e propaganda --desse total, 7,43% (R$ 6,418 milhões) foram para "reportagens".

A existência de "matérias pagas", como se diz no jargão jornalístico, é uma prática disseminada no Brasil, sobretudo em publicações de pequeno e médio portes. O país não tem uma mídia regional forte nem com independência financeira. Parte dos jornais e das revistas aceita dinheiro para divulgar como "reportagem" informação de interesse de políticos ou empresas. Não havia registro até hoje, porém, de tantas "matérias pagas" comprovadas com notas fiscais como nesse caso do Paraná. Empilhada, a documentação tem quase meio metro de altura --as 187 notas fiscais, as planilhas de inserção dos textos, os processos de faturamento e as milhares de páginas com cópias dos textos.

O código de ética da ANJ condena a prática de venda de reportagens. A regra manda "diferenciar, de forma identificável pelos leitores, material editorial e material publicitário". A Folha é filiada à ANJ e cumpre essa determinação.

Todos os 120 veículos associados da ANJ devem seguir a regra. No Paraná, 13 jornais são filiados à ANJ. Quatro venderam reportagens em 2002 sem identificar para os leitores que se tratava de uma operação comercial. São eles: "Diário dos Campos" (Ponta Grossa), "Diário Popular" (Curitiba), "O Estado do Paraná" (Curitiba) e "Tribuna do Norte" (Apucarana). Ouvidos pela Folha, representantes dessas quatro publicações confirmaram as operação de venda de reportagens.

Apenas um veículo de circulação nacional está incluído na documentação das "matérias pagas" do Paraná: a revista "IstoÉ Gente", da Editora Três. Em duas edições veiculou reportagens sobre atrações turísticas paranaenses para as quais há notas fiscais cobrando R$ 500 mil pela "inserção". Desse valor, R$ 100 mil foram pagos de comissão à agência de publicidade que estava licitada para fazer o negócio, a Loducca.

A direção da "IstoÉ Gente" nega que tenham sido operações de venda de "reportagens". Seriam, diz a revista, casos de reimpressões de textos em forma de encarte para serem distribuídos pelo cliente (o governo Lerner).

Licitações legais

A operação de venda de "reportagens" é clara nos documentos. À exceção da "IstoÉ Gente", os proprietários e editores dos veículos ouvidos pela Folha confirmam os negócios. "Eu faço através de nota fiscal", diz Newton Della Bona, dono da revista "Panorama".

Cada processo de venda de "reportagens" contém três itens principais: 1) a nota fiscal do meio de comunicação que vendeu o espaço para a publicação do texto do governo estadual; 2) fotocópias do que foi divulgado no veículo; e 3) a nota fiscal da agência de publicidade que intermediou o negócio. Tudo está carimbado e conferido pelos então responsáveis no governo paranaense.

O material a que a Folha teve acesso está arquivado em dois lugares: no Tribunal de Contas do Estado do Paraná e na Procuradoria Geral do Estado do Paraná.

Todos os casos de "reportagens" pagas foram intermediados por três agências de publicidade: Loducca, Opus Múltipla e Master.

Ao fazer a intermediação, as agências exerciam um direito adquirido por meio de licitação pública. O governo paranaense fez uma concorrência para divulgação de "ações de governo" junto com publicidade. Aí estão embutidas as "matérias pagas". A comissão das agências foi de 20%, uma praxe no mercado publicitário. Do total de R$ 6,418 milhões gastos pelo governo, R$ 1,283 milhão foi para o cofre dos publicitários contratados --cujo trabalho foi apenas emitir as notas fiscais. Os textos eram produzidos pelos veículos ou pelo governo.

Tom laudatório

Há um tom laudatório a favor de Jaime Lerner nas "reportagens" vendidas. O então governador é dado como responsável por várias boas ações na mídia local.

"Lerner construiu 534 pontes em sete anos", publicou o "Jornal do Oeste", de Toledo, em 10 de março de 2002. Valor pago por essa e mais 22 "notícias", inclusive "Lerner recebe medalha de honra da Ucrânia": R$ 30 mil.

"Programas educacionais do governo reduzem em 21% o analfabetismo entre jovens", divulgou o jornal "A Notícia", em 14 de março de 2002, por R$ 1.600.

Como as reportagens falavam do governador paranaense, muitas vezes seus aliados também aparecem beneficiados pelas "matérias pagas". Por exemplo, em 18 de março do ano passado, o "Jornal Regional", de Loanda, publicou no alto de uma página: "Lerner e FHC inauguram pontes e pregam a união pela governabilidade". A nota fiscal descreve o valor do serviço "com chamada na capa" em cores: R$ 3.200.

Fani Lerner, mulher de Jaime Lerner, também teve sua imagem divulgada à custa de "matérias pagas". Em 24 de abril do ano passado, ela apareceu em foto ilustrando metade da primeira página do "Diário da Manhã", de Ponta Grossa. Na página 13, a "reportagem": "Fani Lerner é a mulher do ano". Por esse e outros textos, o jornal recebeu R$ 24 mil.

Apesar de venderem as "reportagens", alguns jornais têm slogans para autopromoção defendendo a ética jornalística. O "Jornal Caiçara", de União da Vitória, estampa na sua primeira página: "Professa a Verdade - Insinua o Belo - Advoga o Bem". Cobrou R$ 1.000 para publicar que o "Paraná gerou em fevereiro [de 2002] 5.511 empregos formais".

O "Impacto", de Santo Antônio do Sudoeste, apregoa em sua nota fiscal: "O jornalismo que valoriza a sua imagem". Na fatura, registra R$ 1.600 em troca de "divulgações de ações de governo".
 

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