Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
14/09/2003 - 06h16

Operador revela como Arcanjo lavou dinheiro

Publicidade

JOSIAS DE SOUZA
diretor da Folha de S.Paulo, em Brasília

O contador da quadrilha de João Arcanjo Ribeiro quebrou o silêncio. Chama-se Luiz Alberto Dondo Gonçalves. Está preso em Cuiabá. Em depoimento à Justiça Federal, na quinta, contou como funciona o esquema de lavagem de dinheiro de uma das maiores organizações criminosas do país.

O dinheiro sujo foi lavado em investimentos nos EUA e em operações de crédito no Uruguai. Os recursos transitaram por duas instituições financeiras: BankBoston e Deutsche Bank. Não se sabe, por ora, se houve conivência da direção uruguaia dos dois bancos.

A base de ação de João Arcanjo Ribeiro é o Estado de Mato Grosso. O bandido erigiu um império empresarial. Batizou-o com as iniciais de seu nome: Grupo JAR. Auditoria da Receita constatou que a quadrilha movimentou cerca de R$ 1 bilhão entre 1997 e 2001. Arcanjo controla uma rede de firmas de factoring, uma construtora, um shopping center, propriedades rurais, casas de jogos, uma firma em Montevidéu (Uruguai) e um hotel na Flórida (EUA).

O depoimento do contador Dondo Gonçalves tonifica conclusões extraídas de documentos obtidos em operações policiais de busca e apreensão. A última delas foi realizada em Montevidéu, no dia 11 de abril. Os documentos chegaram ao Brasil há 15 dias. De acordo com o depoimento do contador e com os documentos, a lavagem de dinheiro foi assim:

1) a quadrilha de Arcanjo Ribeiro enviou dinheiro sujo para o Uruguai. Saía do caixa paralelo de uma das empresas do grupo, a Confiança Factoring, de Cuiabá. O envio teria sido feito por meio de duas empresas. Foram identificadas no depoimento de Dondo Golçalves como Incomep, de Cuiabá, e Finambras, de S. Paulo;

2) em Montevidéu, o dinheiro era depositado em contas bancárias de uma firma uruguaia da quadrilha, a Aveyron. Fica na rua San Jose, nº 807. Tem como diretores Arcanjo, a mulher dele, Silvia, e Dondo Gonçalves;

3) inicialmente, a Aveyron operava com o BankBoston situado à rua Zaballa, nº 1.248, Montevidéu. A conta "era movimentada exclusivamente por Arcanjo Ribeiro";

4) segundo Dondo Gonçalves, "o dinheiro remetido para o Uruguai retornava para o Brasil na forma de empréstimos". Nos registros do BC brasileiro, as operações encontram-se assentadas como empréstimos do BankBoston uruguaio à Confiança Factoring;

5) em suas operações de busca e apreensão, a Polícia Federal apreendeu vários contratos de empréstimo do BankBoston para a Confiança. Os papéis informam que as operações foram celebradas "por conta, ordem e risco do comitente", ou seja, a Aveyron;

6) feito os empréstimos, o BankBoston do Uruguai cedeu à Aveyron os "créditos" que supostamente teria a receber da Confiança. A cessão dos créditos não consta dos registros do BC;

7) assim, o que era um empréstimo do Boston tornou-se um repasse financeiro da uruguaia Aveyron, de Arcanjo Ribeiro, para a brasileira Confiança Factoring, também de Arcanjo Ribeiro;

7) na prática, Arcanjo "emprestou" dinheiro para si mesmo, em operações cujo objetivo era repatriar, de forma legal e limpa, os recursos sujos que haviam emigrado de modo irregular;

8) disse o contador Dondo Gonçalves em seu depoimento: "O BankBoston oficialmente emprestava o dinheiro que, contudo, pertencia à Aveyron". O banco cobrava pelas operações uma "comissão de administração de 4%";

8) em dado momento, o gerente da agência uruguaia do BankBoston, identificado por Dondo Gonçalves como Eduardo Labella, mudou-se para uma sucursal do Deutsche Bank em Montevidéu. A conta da Aveyron e os "créditos" que detinha na Confiança migraram para o mesmo banco;

9) segundo Dondo Gonçalves foram repatriados do Uruguai para o Brasil cerca de U$ 30 milhões. Com base em números do BC, o Ministério Público estima uma quantia maior: US$ 40 milhões.

10) de acordo com Dondo Gonçalves, além dos recursos aportados à contabilidade da Confiança Factoring, o dinheiro vindo de Montevidéu irrigou as contas de outras empresas de Arcanjo no Brasil. O contador da quadrilha mencionou a Elma Eletricidade e a Unidas Investimentos;

11) em 98, Arcanjo Ribeiro decidiu construir um hotel em Orlando, na Flórida (EUA). Parte do dinheiro para a obra (US$ 14,8 milhões) saiu da conta da Aveyron no Deutsche. A verba foi remetida do Uruguai "para agência de Nova York do mesmo banco";

10) Dondo Gonçalves contou também que Arcanjo realizou operações financeiras em outros bancos americanos. Mencionou o Saint Trust Central Florida e Ocean Bank de Miami.

O Ministério Público pretende ouvir todos os bancos e corretoras que fizeram negócios com as empresas de Arcanjo Ribeiro.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página