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20/10/2003 - 17h03

Leia a íntegra do discurso de Lula no lançamento do Programa Bolsa-Família

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da Folha Online

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou hoje a unificação dos programas sociais do governo, que foram condensados no cartão Bolsa-Família. A meta do governo é atender 11,4 milhões de famílias em 2006. O investimento previsto para 2004 chega a R$ 5,3 bilhões, porém os recursos ainda não estão garantidos.

Ao anunciar o Bolsa-Família, Lula afirmou que erradicar a fome é prioridade do governo e da nação. "Essa é uma prioridade não do meu governo, é uma prioridade da nação brasileira. Afinal de contas, ninguém pode se conformar com a desnutrição de milhões e milhões de crianças por esse país afora", disse o presidente.

Leia a íntegra do pronunciamento de Lula:

"Eu quero aproveitar para fazer duas citações fora do meu discurso. Primeiro, quero dizer ao companheiro Eduardo Suplicy, que desde 1991 vem funcionando neste país como se fosse o verdadeiro paladino, o Dom Quixote, percorrendo o país, tentando convencer a sociedade brasileira, a classe política e os empresários sobre a questão da renda mínima. Este ainda não é o projeto Renda Mínima, mas é um bom embrião de uma coisa que poderemos aperfeiçoar muito no Brasil.

Isso demonstra, Eduardo, que a persistência é a alma de tudo que a gente faz. Ou seja, persistir e nunca desistir é um lema que precisa tomar conta das nossas ações diárias.

Quero também lembrar aqui o governador Marconi Perillo, que, faça-se justiça, além de ser o governador do estado que mais tem política de renda, foi o companheiro que, na primeira reunião que tivemos de governadores, sugeriu a idéia da unificação das políticas de assistência social neste país.

E também a nossa companheira Marta Suplicy, porque, de todas as cidades brasileiras, é a que tem a maior quantidade e o maior salário pago até agora no Renda Mínima.

Obviamente que têm outros prefeitos com outras políticas e eu queria agradecer a todos. Primeiro, fizemos uma reunião com todos os governadores de estado. Nós sabemos que muitos estados ainda não têm política de renda, mas os estados que têm, todos, se prontificaram a trabalhar no sentido de contribuir para a unificação.

Em alguns estados, como o estado do Mato Grosso do Sul, é possível com a unificação atender todas as pessoas; eu não sei se no Goiás atende todas as pessoas; não sei se no Acre atende; se no Pará atende. Mas o dado concreto é que houve uma disposição extraordinária dos governadores que têm esse tipo de política, de participar dessa unificação e agora, a Secretaria Executiva vai trabalhar para consolidar isso. Também os prefeitos.

Eu não tive a oportunidade de participar de uma reunião com todos os prefeitos, mas a Casa Civil participou de uma reunião com quase todos os prefeitos e houve também uma disposição imensa dos prefeitos em participarem desse processo.

Eu acho que aos poucos nós vamos descobrindo que da nossa ação, do nosso desprendimento, da nossa vontade política, é que a gente pode fazer as coisas impossíveis irem acontecendo no nosso país, em um tempo menor do que aquele tempo que nós precisamos.

Eu quero dizer ao presidente do Banco Mundial, que nós, até dezembro, chegaremos a 3,6 milhões de famílias e se Deus quiser e todos ajudarem, inclusive os meus amigos do Banco Mundial, poderemos chegar aos 11 milhões no final de 2006.

Eu falo 'final de 2006', porque é o dia do mandato, dia 31 de dezembro termina o mandato, então eu não posso fazer promessa para um tempo além do meu mandato, eu tenho que tentar fazê-lo até o dia 31 de dezembro de 2006.

De forma que eu quero agradecer a todos que trabalharam. Não foi um trabalho fácil. O trabalho de cadastramento neste país é um trabalho que leva tempo, é muito difícil, mas eu acho que tivemos a colaboração de todos, inclusive dos ministros que têm programas e das ministras que resolveram dedicar o pessoal que trabalha no ministério para contribuir e fortalecer essa unificação.

Eu acho que agora, nós entramos no eixo certo e não estamos tirando nenhum programa existente. Pelo contrário, quem estava recebendo o plano velho, vai continuar recebendo o plano velho, quem estava recebendo o vale gás, por exemplo, vai continuar recebendo, até que a gente possa atingir todas as pessoas. Cada um vai continuar recebendo o seu. Uma parte --que são essas 3,6 milhões de famílias-- vai receber já unificado, mas nós esperamos com o tempo unificar todo mundo e quanto mais rápido crescer a economia brasileira, quanto mais dinheiro a gente tiver, mais a gente vai aplicar porque esta é uma prioridade não do meu governo, é uma prioridade da nação brasileira. Afinal de contas, ninguém pode se conformar com a desnutrição de milhões e milhões de crianças por este país afora.

Milhões de pessoas, muitos milhões de pessoas no nosso país sobrevivem em condições desumanas e até passam fome. Temos o compromisso, assumido desde o primeiro dia de governo, de acabar com essa situação.

Nós, que estamos entre os que têm cidadania, sabemos que se o Brasil incluir socialmente essa grande parte da população secularmente excluída, o nosso país vai melhorar e, não tenho dúvida, melhorar muito. É preciso construir uma ponte entre esses dois mundos. E o nome dessa ponte chama-se oportunidade. Toda a Nação vai se beneficiar com isso. Essas pessoas que sobrevivem abaixo da linha de pobreza quase 50 milhões têm direito a uma vida digna. Têm que receber algum apoio imediato que lhes permita resistir hoje, acreditando no dia de amanhã. Essas pessoas não estão isoladas no mundo. Em sua maioria, vivem em família, sob um mesmo teto. Convivem juntos pai, mãe e filhos; às vezes, alguns irmãos, uns de maior idade, outros de menor; em outros casos, avós e netos; em muitas situações, mães, sem a ajuda de ninguém, carregando o peso da chefia da família.
A configuração familiar é variada por esse Brasil afora mas em geral conserva sempre um potencial de solidariedade. Talvez porque a manutenção da unidade do grupo seja uma questão de sobrevivência.

Quando assumimos o governo, encontramos alguns programas de transferência de renda em andamento. Procuramos aproveitá-los da melhor maneira possível, corrigindo e aperfeiçoando o que era necessário.

Consideramos fundamental mudar a qualidade do combate à fome e à miséria no nosso país e, por isso, criamos o Fome Zero.

A solidariedade e a mobilização da sociedade brasileira em torno desse objetivo têm sido extraordinárias. Estamos, juntos, dando o peixe e, ao mesmo tempo, ensinando a pescar.

O Fome Zero já está funcionando em 1.227 municípios, beneficiando 1 milhão e 70 mil famílias, cerca de 5 milhões de pessoas.

O Cartão Alimentação benefício emergencial às famílias que passam fome entra agora na unificação dos programas de transferência de renda.

O programa Fome Zero prioridade do nosso governo vai muito além do Cartão Alimentação e prosseguirá com o seu conjunto de medidas emergenciais e estruturais de combate à fome e às causas da fome.

Porque, para nós, o grande desafio é e sempre foi fazer da própria inclusão social um fator de desenvolvimento do Brasil.

Meus amigos e minhas amigas,

Estamos dando hoje, aqui, um passo extraordinário em nossa caminhada.

O Bolsa-Família é uma grande evolução dos programas sociais no Brasil.

Nós fizemos convergir vários programas de apoio individual Bolsa-Escola, Vale Gás, Bolsa-Alimentação e o Cartão Alimentação para um só programa que se dirige a todo o núcleo familiar. O próprio nome deixa claro o objetivo do Programa: dar proteção integral a toda a família e não apenas a alguns de seus membros.

Até dezembro, mais de 3 milhões e meio de famílias já estarão incluídas no programa unificado. Decidimos integrar esforços para garantir que as famílias beneficiadas e serão mais de 11 milhões, quase 50 milhões de pessoas, no final do meu governo possam caminhar para uma vida digna e independente.

O governo vai mais do que dobrar o volume de recursos destinados, hoje, a todos os programas de transferência de renda existentes, devido ao aumento do número de famílias beneficiadas e do próprio valor que cada família passará a receber.

Até o ano passado, esse montante foi de R$ 2,6 bilhões para todos os programas. Este ano, já são R$ 4,3 bilhões, um aumento de 65%. E, em 2004, serão R$ 5,3 bilhões.

Estamos construindo uma política nacional de transferência de renda com a participação de Estados e Municípios. Eles também poderão aportar recursos e programas para que as famílias se emancipem, sem risco de regredir à situação anterior.

O cartão Bolsa-Família tem a cara dessa nova integração federativa. As marcas dos governos federal, estadual e municipal poderão estar estampadas lado a lado em nossas ações conjuntas.

As famílias beneficiadas vão poder utilizá-lo também como um cartão de débito, pagando compras, passando a fazer parte do mundo dos que têm acesso aos bancos.

Vocês devem imaginar o esforço que foi feito para compatibilizar tantos fatores, revendo e tornando mais confiáveis os cadastros, garantindo que todo mundo que já recebe algum benefício continue a recebê-lo direitinho sem nenhuma interrupção.

O resultado é um programa muito mais justo, racional e eficiente, tanto para os beneficiados, quanto para o Estado e o país.

Mas o mais importante de tudo é que o Bolsa-Família transfere renda mas estabelece obrigações coletivas para que a família com seu próprio esforço crie condições para sair da situação em que vive. O Bolsa-Família aumenta os benefícios, mas aumenta também o compromisso e a responsabilidade das famílias atendidas com o seu próprio futuro.

Faço questão de sublinhar algumas obrigações das famílias que vão receber o Bolsa-Família. Para continuar no programa, cada família terá que manter em dia a vacinação dos seus filhos. Vou repetir: para continuar no programa, cada família terá que manter em dia a vacinação dos seus filhos. Terá de comprovar a presença das crianças na escola. Isso é fundamental, porque cada pai, cada mãe, por mais pobre que seja, tem que ter a responsabilidade de garantir que seu filho freqüente a escola. Terá de comparecer periodicamente aos postos de saúde. Isso é uma obrigação, para que as pessoas possam efetivamente se cuidar. Terá de participar de atividades de orientação alimentar e nutricional. E terá ainda de tomar parte, quando for o caso, em cursos de alfabetização, profissionalizantes e outros.

E por que estamos fazendo isso? Estamos fazendo isso porque queremos que as pessoas aprendam a pescar, pesquem seus peixes e possam comer, sem precisar, a vida inteira, depender do Governo. É por isso que queremos que as pessoas se cuidem, vão para a escola e, ao mesmo tempo, os adultos possam fazer cursos profissionalizantes e se alfabetizarem.

Isso é fundamental. Todo mundo embora tenha direito quer retribuir de alguma forma os benefícios que recebe. E ninguém deve subestimar a capacidade de realização das pessoas mais humildes do Brasil.

Nunca me esqueço dos versos que Luiz Gonzaga já cantava quando eu era ainda menino lá no Nordeste , expressando um sentido forte de cidadania. Dizia a música de Luiz Gonzaga: '...uma esmola, para um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão...'

Todo mundo sente orgulho de fazer por merecer.

E nós sabemos que as obrigações estabelecidas pelo Bolsa-Família, na verdade, são direitos de cidadania. Alimentação sadia. Educação básica. Saúde preventiva.

A garantia desses direitos aumenta também a responsabilidade do Estado. As redes públicas vão ser muito mais solicitadas e terão que ser cada vez mais fortalecidas e ampliadas.

Com o tempo, o benefício recebido e o exercício desses compromissos vão fortalecer o grupo familiar, aumentando a sua autonomia e criando condições para que as famílias obtenham a própria renda ou se integrem ao mercado de trabalho.

À medida em que consigam isso, essas famílias contarão também com o conjunto de programas já adotados pelo Governo para beneficiar os setores populares: Microcrédito, apoio à agricultura familiar, conta bancária simplificada, facilidade para formação de cooperativas entre muitas outras iniciativas.

A ponte que estamos construindo hoje aproxima solidariamente os extremos da nossa sociedade e dá uma nova oportunidade histórica ao nosso país.

Milhões de famílias brasileiras, até hoje excluídas dos direitos mínimos de cidadania, estão sendo protegidas para que possam olhar para si mesmas e descobrir suas próprias forças de emancipação. Para que possam olhar para os seus filhos e enxergar um futuro melhor. Para que possam pensar e sentir o Brasil como um país do qual fazem parte. Um país de todos brasileiros e brasileiras.

Eu quero terminar dizendo aos meus amigos que estão participando deste evento, quero repetir o que venho martelando nesses últimos dez meses: a responsabilidade de vencer a miséria neste país, de garantir que as pessoas tomem café, almocem e jantem, de garantir que as pessoas possam fazer o ensino fundamental e depois prosseguir nos seus estudos, de garantir que todas as pessoas tenham acesso a um bom sistema de saúde não é apenas responsabilidade do Governo. O governo tem que jogar a sua parte.

Mas, nesses nove meses, estou aprendendo que, possivelmente, em poucos momentos da história do nosso Brasil, a sociedade brasileira esteve tão ávida a participar de programas sociais neste país.

Até agora, não houve um único pedido que tenhamos feito a qualquer segmento da sociedade que não tenhamos sido atendidos. Até agora, não teve um único momento em que convidássemos setores da sociedade para participar, direta ou indiretamente, de vários programas, que a sociedade não tenha participado.

Muitas vezes, acho que, possivelmente, a sociedade ainda está participando com apenas 10% do que ela pode participar, porque, muitas vezes, o poder público estadual, o municipal e o federal não têm, do ponto de vista cultural no país, o hábito de fazer com que as pessoas se sintam motivadas a participar.

Portanto, quero terminar dizendo a vocês que, se depender da minha vontade pessoal, se depender da minha disposição, se depender do meu esforço físico, se depender, mais ainda, da vontade de conversar com as pessoas, a sociedade brasileira vai participar como nunca participou, para que a gente possa combater este mal que é, na minha opinião, o mal maior de toda a sociedade brasileira, ou seja, crianças, mulheres e homens que não conseguem consumir as calorias e as proteínas necessárias para ter uma boa qualidade de vida.

E nós, aqui no Brasil, temos que ter a certeza de que, se fizermos isso aqui e conseguirmos o sucesso que imagino que possamos ter, não tenho dúvida nenhuma de que nós poderemos contribuir para que outros países do mundo possam acabar com a fome em seus países.

E, mais ainda: para que outros países, aqueles que não passam fome, aqueles que são desenvolvidos e aqueles que são ricos possam dar a sua contribuição para que a gente possa ter um fundo, com muito recurso, na ONU, coordenado pelo próprio PNUD, para que possamos, em países mais pobres do que o Brasil, ajudar a combater esse mal, que ainda é mais grave do que no território nacional.

Não tenho dúvida nenhuma de que estamos caminhando para confirmar duas coisas que eu disse na ONU. Primeiro, o nome da paz chama-se justiça social. E essa luta que vamos fazer pela justiça social, quero terminar dizendo: a luta contra a fome, a guerra contra a fome, essa, sim, é uma guerra que vale a pena todos nós participarmos, porque ela não prevê matar ninguém. Pelo contrário, prevê recuperar milhões e milhões de vidas que estão sucumbindo pela miséria.
Muito obrigado. E boa sorte a todos nós."

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