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21/12/2003 - 03h51

Para namorada de Daniel, há "conspiração"

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JULIA DUAILIBI
da Folha de S.Paulo

A socióloga Ivone Santana, 40, namorada de Celso Daniel quando ele foi morto em 2002, classifica como "teoria da conspiração" a tese do Ministério Público de que o assassinato do prefeito foi encomendado por pessoas próximas a ele, como o empresário Sérgio Gomes da Silva, preso sob acusação de ser o mandante do crime.

"Não vejo indícios de que o Celso estava recebendo ameaças ou tendo preocupação com sua segurança. Andávamos o tempo inteiro juntos", declarou em entrevista à Folha, em seu apartamento em Santo André, na sexta-feira.

A defesa de Ivone vai além da esfera criminal. Ela diz, de forma contundente, achar pouco provável a existência de corrupção na Prefeitura de Santo André durante a segunda gestão de Daniel (2001-2002). "Acho difícil, pela nossa relação e pelo grau de circulação que eu tinha na prefeitura."

Para a Promotoria, Gomes da Silva participou de um esquema de cobrança de propina de empresários de transporte. Parte do dinheiro financiaria campanhas do PT. A morte de Daniel teria relação com desvios na prefeitura.

O alvo de Ivone é a família do prefeito, que não descarta a hipótese de o crime ter tido motivação política: "Os irmãos do Celso o procuravam pouco, a não ser para pedir coisas como suspensão de multas. Eles ignoraram todos esses anos a vida do Celso".

O economista Bruno Daniel, irmão mais novo, o teria apresentado a Gomes da Silva, segundo Ivone, no final dos anos 80. O empresário trabalhava com educação.

"O Bruno, que era o irmão intelectual, foi rejeitado [não trabalhou no governo]. E o cara que eles indicaram, que era um professorzinho, um segurança, aproximou-se do Celso. Se é para fazer especulação, podemos especular nesse sentido", disse Ivone, que hoje leciona ética no setor público em instituições da cidade.

A socióloga, que conhecia Daniel desde 1977, disse ainda que ele era pai de sua filha Liora, 18. A menina é oficialmente filha de Michel Mindrisz, secretário municipal de Saúde. Em agosto de 2002, Ivone entrou na Justiça com um pedido de reconhecimento de paternidade. Afirmou ter anexado no processo resultado de exame de DNA feito com um fio de cabelo do prefeito, que teria conhecimento da paternidade, encontrado em uma de suas bolsas.

"As pessoas vão ter de falar o que sabem", disse. "Acho que há um silêncio muito grande em relação a isso", completou.

Folha - Como a sra. viu a denúncia da Promotoria contra Sérgio Gomes da Silva, acusado de mandar assassinar Celso Daniel?

Ivone - Do que eu vi, não há prova de nada. Vejo, pela imprensa, um cenário de conspiração que pessoas distantes do Celso fizeram. Não vejo os que eram próximos, em que ele confiou todo o tempo de gestão, serem ouvidos. Essas pessoas têm o que dizer. O lado que a imprensa dá tem bandido, tem adversário político. Eu não fui ouvida pelos promotores.

Folha - A sra. ainda acha que foi crime comum?

Ivone - Nunca disse que foi crime comum. Um crime, por si só, não pode ser comum. Acontece o seguinte: não vejo indícios de que o Celso estava recebendo ameaças ou tendo preocupação com sua segurança. Andávamos o tempo inteiro juntos. Confiava plenamente no Sérgio, no Klinger [Souza, vereador do PT e ex-secretário de Serviços Municipais, acusado de participar com Gomes da Silva de um suposto esquema de cobrança de propina na prefeitura].

Folha - A família defende as investigações do Ministério Público.

Ivone - Convivi com o Celso seis anos e a única vez em que algum irmão esteve em sua casa foi quando ele fez uma cirurgia no joelho, e eu chamei o João Francisco [irmão que denunciou suposto esquema de corrupção]. Então não sabem da vida pessoal, muito menos da política. O Bruno [irmão mais novo] encontrava o Celso e não o cumprimentava.

Folha - Mas o fato de eles não serem próximos tira a legitimidade de quererem apuração?

Ivone - Eles têm todo o direito de reclamar. Mas essas ilações... Ninguém conversava com o Celso porque eu sempre estava junto. Como alguém pode falar que tem uma coisa de propina? Isso quem alimentou foi o Ministério Público. Eu, que convivia com o Celso e com os secretários, nunca vi isso.

Folha - Celso Daniel tinha uma relação próxima com Klinger?

Ivone - As pessoas que estavam no secretariado eram amigas dele. E também tinham pessoas menos próximas. Isso não significa que ele saía para jantar com o Klinger. Não saía com ninguém, aliás.

Folha - E com Gomes da Silva no dia do sequestro?

Ivone - A gente ia jantar com o Sérgio. Às seis e pouquinho, o Celso me ligou. Eu disse que não estava em casa. Ele passou no meu trabalho. Falei que estava pensando em não ir porque a gente iria passar o dia seguinte em São Paulo, trabalhando no programa de governo de José Genoino [então pré-candidato ao governo do Estado]. Estava pensando em levar o Gabriel [filho de 7 anos] ao Rubayat, um lugar que a gente frequentava. Mas era frio demais, cadeira desconfortável. Falei que não iria. O Sérgio, que estava junto, insistiu que eu fosse.

Folha - Nunca chamou a sua atenção o fato de Gomes da Silva ter passado de segurança do prefeito a empresário em menos de dez anos?

Ivone - Até hoje não sei o volume disso que as pessoas dizem: um milionário. Nunca vi nada disso. Para mim, é difícil mensurar.

Folha - E as denúncias de corrupção da família Gabrilli, dona de empresa de transporte na cidade?

Ivone - O João Francisco e os Gabrillis eram amigos a vida inteira. Os irmãos do Celso o procuravam pouco, a não ser para pedir coisas como suspensão de multas. Eles ignoraram todos esses anos a vida do Celso. Confiei na conclusão do inquérito das polícias civil e federal. Por que não se manifestam agora? Por que estão sumidos? Acho que isso é uma coisa política, a polícia não defender o inquérito que fez. Uma vergonha.

Folha - Celso Daniel foi filmado saindo do restaurante com uma calça bege. Foi encontrado morto de jeans. No laudo do IML, os buracos de tiros na perna são incompatíveis com os da calça.

Ivone - Eu não sei. A primeira coisa que penso é que ele pode ter levado os tiros sem estar com a calça. Eu era a única pessoa que entrava na casa do Celso. A única. No dia seguinte ao sequestro, eu estive lá para olhar a secretária eletrônica. Tínhamos uma faxineira que jamais poderia ter tirado uma calça de lá porque todas estavam lá. Ele só usava calça bege e jeans. Até me lembro da calça. Fui no IML verificar. Ela tinha um tamanho diferente. Compramos uma Levi's, que tinha um padrão americano e servia para ele.

Folha - A sra. o viu de jeans quando ele passou no seu trabalho?

Ivone - Quando nós nos despedimos, para mim, ele estava de azul. Mas ele também poderia estar... Você entende que eu não quero dar resposta mais fácil ou mais simples. A calça que me mostraram [no IML] era dele.

Folha - Mas não pode afirmar se era jeans a que ele vestia?

Ivone - Para mim, era a calça jeans. Só posso acreditar que era a mesma calça. [Pausa] Era a jeans.

Folha - A sra. foi à casa dele quando soube do sequestro?

Ivone - Queria ver a secretária eletrônica. Não conseguia pegar os recados. O Klinger me deu carona. Infelizmente pedi para ele me dar carona. E hoje tem essa coisa [questionamentos sobre a ida de Klinger ao local].

Folha - Ele subiu?

Ivone - Klinger subiu e ficou na porta. Eu passei pelo quarto, pela lavanderia. Olhei a casa toda.

Folha - A sra. retirou alguma coisa do apartamento?

Ivone - Não retirei nada. Já está provado pela Polícia Federal.

Folha - E uma fita da secretária eletrônica?

Ivone - Eu a entreguei para o DHPP [Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa].

Folha - A sra. a ouviu?

Ivone - Quando cheguei ao apartamento, voltei até onde havia recados. Eram meus, sinais. Não tinha nada.

Folha - Em escutas telefônicas feitas pela PF, um advogado que trabalhou para o PT pergunta se a sra. havia guardado a fita.

Ivone - Não lembro. Pediram que eu desse a fita [à polícia], e eu entreguei.

Folha - Nas escutas, a sra. diz aguardar "orientação do José Dirceu", então presidente do PT. Que tipo de orientação era essa?

Ivone - Nunca recebi telefonema de ninguém do PT. O único contato foi com o [Luiz Eduardo] Greenhalgh [deputado do PT que acompanhou as investigações]. Estava muito insegura, nervosa. Não iria sozinha [aos depoimentos], não iria dirigir para lá [polícia]. Era suporte de levar e trazer.

Folha - E orientação para depor?

Ivone - Tinha um milhão de coisas [entrevistas] que era para ir com alguém do PT. Pedi que alguém, não sei se da prefeitura ou do escritório, visse o que era isso, quem é que iria do PT. Não havia nada disso de blindagem.

Folha - Um amigo faz comentário sobre a "linha da dor de uma viúva" que a sra. teria feito em entrevista à Folha após a morte de Daniel.

Ivone - Não sei se isso foi dito. Eu não precisava fazer linha de viúva. Mas atribuo isso a quando era namorada do Celso. Mas, pelo nosso jeito, muitas pessoas não viam assim. Podem perceber que só eu fiquei do lado do caixão. O Celso morto, e as pessoas confabulando na sala vip [do velório], tomando suquinho, comendo bolachinha.

Folha - Como é a sua relação com Gomes da Silva e Klinger hoje?

Ivone - Do Sérgio, tenho a mesma distância de sempre. Nosso ponto de contato era o Celso. Encontro na padaria com a mulher, trombo com o filho. Com o Klinger falo muito mais. É meu amigo.

Folha - O PT ou Gomes da Silva deu alguma ajuda para a sra.? Ajuda financeira, por exemplo?

Ivone - Sabe quem deu ajuda? O professor Jaime Guedes da Unia [centro universitário na cidade]. Convidou-me para dar aula.

Folha - Foi a única ajuda?

Ivone - Era a única ajuda que queria, trabalho.

Folha - Para o senador Eduardo Suplicy [PT-SP], o caso está se aproximando da verdade.

Ivone - Os meios de comunicação atribuem uma áurea ao Suplicy. Ele fala sobre qualquer assunto com notório saber. Já embarcou em muitas coisas que não eram nada daquilo. Não sei por que se presta a um papel assim.
 

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