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21/12/2003 - 04h21

Esquema agiu na fraude dos precatórios

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RUBENS VALENTE
MARIO CESAR CARVALHO

da Folha de S.Paulo

Seis dos nove presos pela Operação Anaconda tiveram algum tipo de conexão com o chamado escândalo dos precatórios --emissão irregular de títulos da dívida da Prefeitura de São Paulo que resultou no desvio para outras finalidades de R$ 1,2 bilhão.

O agente federal César Herman Rodriguez foi, em 1997, o advogado dos principais acusados de manipular os papéis da dívida paulistana, segundo documentos apreendidos pela Polícia Federal aos quais a Folha teve acesso.

Nos depoimentos tomados pela PF para abastecer a CPI dos Títulos Públicos, ele foi o advogado de Enrico Picciotto e Francisco Carlos Calandrini, sócios da corretora Split, e de Sérgio Chiamarelli Jr., gerente da empresa.

Em abril deste ano, o agente Rodriguez continuava a advogar para Chiamarelli Jr., como mostram gravações feitas pela PF. Ele fora exonerado da PF em 1992, sob acusação de ter contrabandeado um fuzil AR-15, mas voltara em setembro de 1999 após vencer um processo administrativo. O estatuto da PF proíbe que seus funcionários exerçam outras funções.

Em outra conversa gravada, o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos revela segredos da Justiça e fornece indícios de que orienta a atuação de Rodriguez como advogado. Em 23 de abril deste ano, o juiz diz o que achava da defesa dos acusados no escândalo dos precatórios: "O [material] do Batochio, dei uma olhada muito por cima e achei que está uma merda. (...) Só encheu linguiça fazendo citação".

Rodriguez aproveita a crítica e pede ao juiz para que veja uma defesa sua e a compare com a suposta prolixidade de Batochio: "Só queria que você desse uma olhada para ver qual é a diferença: dá para falar sobre o assunto [de modo] curto e conciso". O juiz diz que vai olhar.

José Roberto Batochio era advogado de Picciotto e protocolara a defesa dele no dia 11 de abril às 15h47. Em 7 de maio, 13 dias depois de ter dito que a defesa de Batochio "está uma merda", Rocha Mattos absolveu Picciotto e mais seis funcionários da Split da acusação de sonegação fiscal, gestão fraudulenta e operação com títulos sem o devido lastro.

Em 16 de setembro do ano passado, em outra conversa gravada pela PF, o delegado José Augusto Bellini fala sobre uma reunião e anuncia: "O Batochio vai lá".

Por causa dessas conversas, a PF crê que a sentença foi negociada. Batochio, ex-deputado federal e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, diz que nunca reuniu-se com esse grupo (leia texto abaixo). "Se eu soubesse que havia compra de sentença, não me daria ao trabalho de fazer uma defesa de 167 páginas. Essa acusação não faz sentido", afirma.

Morando na casa do juiz

O trabalho de Rodriguez como advogado era acompanhar os depoimentos dos integrantes da Split nas delegacias de combate ao crime organizado e de crimes fazendários.

Um contrato de locação revela que o escritório de Rodriguez na época da CPI, na rua Peixoto Gomide, pertencia a Abrahão Emílio Cunha, sogro do juiz. Em sua declaração do Imposto de Renda de 1992, o juiz dá aquele endereço como o de sua residência.

Não é a única intersecção da Operação Anaconda com os precatórios. Quem investigou toda a parte paulistana da emissão dos títulos da dívida e tomou os depoimentos dos donos da Split foi o delegado federal Eldo Saraiva Garcia. Segundo a PF, o delegado é o Qüem-Qüem que aparece no livro-caixa do grupo recebendo US$ 85 mil. Garcia nega a acusação e o apelido.

Rocha Mattos, Rodriguez e Chiamarelli estão presos desde o dia 30 de outubro, sob acusação de integrar uma quadrilha com ramificação na Justiça Federal.

Outro indício de que Rocha Mattos negociou a absolvição de Chiamarelli Jr., segundo o Ministério Público Federal, foi captado numa conversa entre o juiz e o delegado Bellini gravada pela PF:

Bellini - O Serginho [Chiamarelli Jr.] tá mandando um beijo.

Rocha Mattos - Manda um abraço pra ele, pergunta se ele gostou da decisão. (...) Ele gostou da decisão?

Bellini - Sim, por isso mesmo, tá te mandando um beijo. (...)

Rocha Mattos - Tá bom, outro aí pra ele.

A decisão do juiz foi proferida em 7 de maio deste ano e o diálogo do beijo ocorreu, segundo a polícia, cinco dias depois.

Intimidade
Rodriguez, além de diversas conversas telefônicas com Mattos gravadas pela PF, tem vínculos documentados com o magistrado que julgou seus ex-clientes. Ele declarou ter feito um empréstimo de R$ 48 mil para Rocha Mattos.

O agente federal ocupou o imóvel do sogro do juiz como escritório de advocacia e também alugou duas linhas telefônicas da ex-mulher, Norma Regina Emílio Cunha, e da irmã do magistrado, Vera Cecília. Mas o relacionamento de Rodriguez e do magistrado é ainda anterior aos depoimentos na CPI. Em 1995, Rocha Mattos serviu de testemunha para uma declaração de Rodriguez pela qual cedeu um fuzil AR-15 para o procurador da República aposentado João Antônio Desidério.

Um processo na Justiça revela que Rodriguez frequentava a intimidade da família Rocha Mattos. Ele foi arrolado como testemunha de Norma durante o processo de divórcio do casal. Ela queria comprovar que mantinha um relacionamento conjugal com o juiz.

Entre os presos pela Anaconda, outras pessoas se relacionaram ao escândalo dos precatórios. O advogado Affonso Passarelli Filho, ex-sócio do agente Rodriguez, defendeu o empresário Sérgio Chiamarelli Jr., em processos na Justiça Federal.

O advogado Carlos Alberto da Costa Silva, também preso, atuou na defesa, durante a CPI, do bancário João Maury Harger Filho, ex-gerente do Beron (Banco do Estado de Rondônia), pelo qual teria passado parte do dinheiro obtido pelas corretoras na compra e venda dos precatórios.

Costa Silva é procurador da "off-shore" Cadiwell, no Uruguai, proprietária do apartamento na rua Maranhão, em Higienópolis, onde o juiz Rocha Mattos vivia antes de ser preso.

Outro lado

O delegado Eldo Saraiva Garcia disse que nunca teve o apelido de Qüem-Quëm, atribuído a ele pela PF. Garcia também defendeu a investigação sobre os precatórios. A seguir, trechos da entrevista.

Folha - Gostaríamos de falar a respeito da Operação Anaconda.

Eldo Saraiva Garcia - Não posso, só a assessoria de imprensa pode.

Folha - Mas o sr. foi proibido?

Garcia - É orientação minha.

Folha - Orientação sua?

Garcia - Isso. Porque a Folha me atribuiu apelido que nunca tive.

Folha - Há um relatório da própria Operação Anaconda.

Garcia - Não sei, não sei. Eu sei da Folha. [Sobre] esses documentos secretos, eu não tenho acesso.

Folha - O sr. trabalhou na CPI dos Títulos Públicos...

Garcia - Trabalhei. Fui o encarregado aqui em São Paulo.

Folha - Na época, o advogado de vários diretores da Split era César Herman. O sr. se recorda desses contatos com ele?

Garcia - Não, não, não.

Folha - O sr. o conheceu nessa época?

Garcia - Eu não posso comentar nada sobre a operação. Com relação à CPI dos Títulos Públicos, fui o encarregado aqui em São Paulo e fiz muito bem, por sinal. Com relação a esses fatos, é um desserviço da Folha ao grande serviço que eu fiz. Se o sr. se preocupar em ler o relatório da CPI, que é em torno de 800 folhas, grande parte do serviço é meu. Serviço meu.

Folha - Na época o sr. foi convidado a participar da CPI?

Garcia - Fui, é lógico.

Folha - Quem o convidou?

Garcia - Eu prefiro até não declinar. São pessoas de comando hoje etc etc. As pessoas que vinham a São Paulo eram o senador Romeu Tuma, o senador [Vilson] Kleinubing e Eduardo Suplicy.

Folha - E o sr. não se recorda de que o Herman era advogado da Split, do Picciotto, Chiamarelli etc?

Garcia - Com toda a sinceridade, não me recordo.

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