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21/03/2004 - 07h40

Ex-petista vê Dirceu cúmplice de Waldomiro

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ELIANE MENDONÇA
da Folha de S.Paulo, em São José dos Campos

A cúpula do PT se deixou domesticar pelo poder e, por isso, adotou a prática de tentar abafar escândalos. A conclusão é do economista Paulo de Tarso Venceslau, 60, que diz ter sentido na pele os efeitos dessa prática em 1997, ano em que acusou prefeituras do partido de beneficiar com contratos a empresa de consultoria Cpem (Consultoria para Empresas e Municípios).

A empresa é ligada ao advogado Roberto Teixeira, compadre de Luiz Inácio Lula da Silva --é padrinho do filho mais novo do presidente. Por conta das denúncias que fez, foi expulso do partido, ao qual foi ligado desde a sua fundação. "No PT é assim: quem esperneia é expulso", declarou.

A militância rendeu ainda episódios como o seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick em 1969, em troca de 15 presos políticos, entre eles o ministro José Dirceu (Casa Civil), que à época era seu amigo. Venceslau era militante da ALN (Aliança Libertadora Nacional). Um mês após o seqüestro do embaixador americano, o economista foi preso e torturado. Segundo ele, por conta de sua paixão pela revolução cubana.

De acordo com o economista, Waldomiro Diniz, ex-assessor de Dirceu que deixou o governo, a pedido, após a divulgação de uma gravação de 2002 na qual ele pedia propina e dinheiro para campanha a um empresário de loterias, era conhecido dentro do PT como o "operador" do ministro.
Ele recebeu a reportagem na sede de um jornal de circulação semanal localizado em Taubaté (130 km de São Paulo), do qual é sócio-proprietário. Seguem os principais trechos da entrevista.

Folha - Pelo que o senhor conhece de José Dirceu, de quem diz ter sido amigo por 32 anos, foi sincero o discurso que ele fez, em forma de desabafo, na última quarta-feira, dizendo ter vivido os piores 32 dias de sua vida?
Paulo de Tarso Venceslau
- Pode ter sido sincero quando disse que foram os piores dias da sua vida, mas não quando ele afirmou que não perdoava sua incompetência de não ter percebido o que acontecia bem debaixo do seu nariz.

Folha - O senhor acha que houve conivência com Waldomiro?
Venceslau
- É inadmissível achar que o Dirceu, com o acesso que tem a todos os órgãos de informação --Polícia Federal, Exército, Marinha e Aeronáutica-- não soubesse quem era Waldomiro. Com certeza, o ex-assessor tinha a cumplicidade dele e espero que a Justiça apure todos os fatos e no final não chegue à conclusão de que o culpado é o mordomo.

Folha - Em sua época de militância, o senhor já tinha ouvido falar de Waldomiro Diniz?
Venceslau
- Sim, claro. Ele é um antigo conhecido. Eu o conheço desde quando ele freqüentava o diretório do MDB [Movimento Democrático Brasileiro, atual PMDB]. Na época, ele era um funcionário Caixa Econômica Federal, eu acho. E, dentro do meio político, era conhecido apenas como um "operador" de José Dirceu.

Folha - O que é um operador?
Venceslau
- São chamadas assim as pessoas que buscam recursos para viabilizar campanhas, basicamente. O que posso lhe garantir é que os dois se conhecem há muito tempo, Com certeza, desde os anos 90. Afinal, ninguém coloca alguém que não conhece, do dia para a noite, em seu gabinete.

Folha - Na época do caso Cpem, José Dirceu era presidente do partido. O senhor chegou a levar para ele as denúncias?
Venceslau
- Sim, antes e depois de ele ser presidente do partido. Isso porque eu descobri toda a falcatrua em 93, e a história só veio à tona em 97. Quer dizer, fiquei quatro anos no partido na esperança de que o PT tivesse autonomia suficiente para punir os corruptos e se mostrar digno daquilo que pregava. Mas aí percebi que o PT, na verdade, era o Lula.

Folha - O senhor se recorda do que José Dirceu lhe disse à época?
Venceslau
- Tem uma frase da qual nunca vou me esquecer. Ele disse: "Lula é um verdadeiro atraso para o partido". Ele [Dirceu] sabia de tudo, estava informado de cada detalhe, mas, mesmo assim, selou um acordo com Lula que fez com que chegassem onde estão hoje. Mas é evidente a hipocrisia e o cinismo marcados na relação dos dois [Dirceu e Lula].

Folha - Na época do escândalo Cpem houve alguma pressão de petistas para que o senhor silenciasse? Houve algum oferecimento de vantagens em troca de silêncio?
Venceslau
- Sim, mas de uma forma velada. Eu mesmo ouvi várias vezes do atual senador Aloizio Mercadante, na época, a pergunta: "O que é que você quer. Diga o que você quer com isso?" Como se eu tivesse feito tudo o que fiz em troca de alguma vantagem.

Folha - Em uma entrevista de 96, o senhor chegou a dizer que Dirceu "acobertou as falcatruas". Acredita que isso possa estar acontecendo mais uma vez?
Venceslau
- Sem dúvida nenhuma. Aliás, no caso Cpem, eu servi de exemplo para mostrar aos demais militantes o que acontecia com quem ia contra as idéias do comando do partido. Se eles já abafaram um escândalo, por que não fariam de novo? A política para eles [Dirceu e Lula] está acima de qualquer coisa.

Folha - O que o senhor sabe a respeito de Rogério Buratti? Temos a informação de que ele assessorou Dirceu e foi caixa de campanha do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT). O senhor sabia disso?
Venceslau
- Conheci Buratti na época em que ele freqüentava a executiva do partido, em São Paulo. Para mim, esse caso envolvendo o Buratti não causou surpresa.

Folha - Como é a relação de empresas ligadas a petistas com prefeituras do partido? Existe uma prática de contratações?
Venceslau
- Não sei se é uma prática. Mas é algo facilmente identificado, como produtoras de vídeo e empresas de consultoria.

Folha - Na opinião do senhor, José Dirceu deveria ser afastado ou afastar-se da Casa Civil durante as investigações do caso Diniz?
Venceslau
- É o mínimo que ele deveria fazer, a exemplo do que fez Eduardo Jorge, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso [1995-2002].

Folha - São típicas do PT as negociações feitas entre o governo e os partidos da base aliada para enterrar a CPI dos Bingos e a do Diniz?
Paulo
- Não do PT. É típico do poder. E as pessoas que hoje estão em Brasília estão domesticadas pelo poder. O que vejo hoje é um grupo de pessoas que já foi bem intencionado, mas que mudou completamente o comportamento. O poder corrompe as pessoas, ao ponto de elas chegarem a perder os valores éticos e morais.

Folha - Depois de todo o episódio, qual a avaliação que o senhor faz hoje? Valeu a pena?
Paulo
- Valeu, por um único motivo. Eu vou morrer podendo olhar para o meu filho sem ter vergonha de nada. O que já não acontece com o Zé [José Dirceu]. Por exemplo, o recente episódio com o Zeca Dirceu [filho do ministro], que conheci desde pequenininho, que mostra como ele acabou sendo induzido a se beneficiar pelo tráfico de influência. Pois, se ele não fosse o filho do chefe da Casa Civil, ele não teria a abertura que teve para fazer o que fez. Isso é muito triste.
 

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