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16/05/2004 - 08h37

Expulso em 80, padre ainda aguarda anistia

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VIRGILIO ABRANCHES
da Folha de S.Paulo

Expulso do Brasil em 1980, durante a ditadura militar --sob a mesma lei que foi utilizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar banir o jornalista Larry Rohter--, o padre Vito Miracapillo, 59, hoje vive na cidade de Canosa, no sul da Itália, à espera da anistia para poder voltar definitivamente ao país. E, segundo ele, uma das pessoas que está acompanhando o caso e tentando ajudá-lo é justamente um assessor especial e amigo pessoal do presidente Lula: Frei Betto.

"Eu, logo que soube da vitória do Lula, liguei para Frei Betto para dizer que o caso ainda estava suspenso, que ainda havia a sentença do Supremo [Tribunal Federal]. (...) Ele disse que iria acompanhar", disse Miracapillo à Folha, por telefone.

A reportagem tentou falar com Frei Betto para saber se ele realmente estava acompanhando o caso. A assessoria de imprensa do assessor de Lula afirmou que ele é amigo do padre italiano, mas não soube confirmar se ele acompanha o processo de anistia. A assessoria ficou de checar a informação com Frei Betto, mas não deu resposta ao pedido.

Miracapillo, que vivia no Brasil desde 1975, foi expulso do país porque, em setembro de 1980, se recusou a celebrar uma missa comemorativa pela Independência do Brasil, em Ribeirão (PE) --onde era pároco--, alegando que não acreditava que o povo brasileiro fosse independente. O padre foi denunciado pelo deputado Severino Cavalcanti (PDS-PE) ao ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. Em 15 de outubro, o então presidente, o general João Baptista Figueiredo, assinou a expulsão, usando como fundamento legal o recém-aprovado Estatuto do Estrangeiro (a lei nº 6.815), a mesma base legal para expulsar Rohter.

O jornalista americano, correspondente do jornal "The New York Times", teve seu visto de permanência no país cancelado após ter publicado reportagem dizendo que Lula comete excessos no consumo de álcool, o que seria "preocupação nacional".

Miracapillo foi cuidadoso ao comentar o fato de o presidente Lula ter tomado, nesta semana, uma medida semelhante à que foi usada na ditadura para puni-lo. O padre afirmou não ter "muitas informações" sobre o caso, mas disse acreditar que a medida não se justifica. "O problema é ver o que está em jogo. Mas não creio que justifique uma medida de expulsão.
Há outras coisas que podem ser feitas para, eventualmente, punir sem chegar a uma expulsão", declarou o padre.

"Eu li uma notícia num jornal aqui da Itália dizendo que o Lula tinha expulsado um jornalista dos EUA. Não sei quais são os instrumentos jurídicos para tomar uma medida nesses casos, mas acho que uma expulsão é sempre um problema", completou.

Desde que foi banido, Miracapillo só pôde voltar em 1993, ainda apenas como turista, quando o presidente Itamar Franco revogou o decreto de expulsão. Após a decisão de Itamar, o padre disse que já veio ao país cerca de dez vezes. "Eu ainda estou ligado ao povo da paróquia, da diocese, e ainda há todos os amigos, que, quando vinham para a Itália, passavam pela minha casa para me dar solidariedade." No entanto, ele ainda não pode permanecer no país porque aguarda a anistia a ser concedida pelo Supremo.

"Triste"

Miracapillo relembrou ainda o momento da expulsão e classificou o episódio como "triste". Relatou que foi levado pela polícia de Recife ao Rio de Janeiro, onde ficou numa área subterrânea do aeroporto. Depois, foi levado a Brasília, de onde partiu para a Itália. "Comigo ocorreram coisas que não eram justas, porque eu só fazia era defender os direitos do povo. E me expulsaram por isso. (...) É claro que a expulsão sempre compromete a história e a vida de uma pessoa."

No entanto, o padre ainda consegue enxergar pontos positivos no episódio. "O diálogo que se levantou em nível nacional foi algo positivo, que amenizou o drama da expulsão, no sentido que os camponeses receberam o direito à terra pela qual estavam lutando e as coisas mudaram no relacionamento entre o povo e o poder."

Ao analisar o fato 24 anos depois, o padre afirma que serviu para mostrar, naquela época, que ainda não existia um movimento consistente para a reabertura democrática, como pregava Figueiredo. "Foi um caso que mostrou o relacionamento entre o Executivo e o Judiciário e para testar também tudo aquilo que a ditadura dizia sobre a abertura democrática que o país estava vivendo. E demonstrou que havia ainda muito a se fazer pela abertura."
 

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