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18/07/2004 - 07h16

Saga de piauiense nômade inclui três resgates em 20 anos

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da enviada especial da Folha de S.Paulo ao sul do Pará

O piauiense Trajano Leal Alves, 44, foi resgatado três vezes pelo Ministério do Trabalho, nos últimos 20 anos, como vítima de exploração de mão-de-obra escrava no meio rural. Localizado pela Folha em Redenção, no sul do Pará, Tatu, como é conhecido, narrou sua saga de nômade à procura de emprego.

Sua história é uma versão ampliada dos problemas vividos por migrantes analfabetos que, como ele, saem do Maranhão e do Piauí (principais fornecedores da mão-de-obra análoga à escrava) em busca de ocupação em outros Estados e acabam caindo num círculo vicioso do qual não conseguem se libertar.

Tatu tem seis filhos --que vivem espalhados por Tocantins e Maranhão-- e deixou sua terra natal, Uruçui, quando ainda era criança. Começou a trabalhar na lavoura aos 11 anos, na companhia do pai, em Goiás.

Aos 18 anos, virou "peão-de-trecho" --trabalhador nômade que faz serviços temporários em fazendas, sem carteira assinada nem endereço fixo. Ficou nessa condição por quatro anos, quando resolveu tentar a sorte como garimpeiro. Chegou a Serra Pelada, no auge da produção do garimpo, em 1982, e conseguiu meio quilo de ouro.

Gastou o dinheiro na compra de dois carros. Como não sabia dirigir, arrebentou o primeiro em duas semanas e trocou o segundo por uma casa, em Goiás, que acabou vendida.

Voltou à vida de peão-de-trecho e, em 1985, foi resgatado pela primeira vez pela fiscalização do Ministério do Trabalho. Ele prestava serviço na Fazenda Santa Cruz, no Pará. Foi colocado num ônibus e mandado de volta para Goiás.

Com o dinheiro da indenização trabalhista --de cujo valor ele já não lembra--, comprou roupa e comida e logo voltou à situação de peão-de-trecho.

Tatu foi resgatado, pela segunda vez, em janeiro do ano passado, na fazenda Guarapará, em Cumaru do Norte (Sul do Pará), onde prestava serviços, desde novembro de 2002, contratado pelo "gato" Edmilson Dantas.

O Ministério do Trabalho enviou a fiscalização a Guarapará por causa de denúncias de que haveria trabalhadores mortos. A suspeita não se confirmou, mas o Grupo Especial de Fiscalização Móvel autuou o local por manter 130 trabalhadores em situação análoga à de escravos. Tatu faturou R$ 2.222 e, três meses depois, voltou à rotina nas fazendas.

O terceiro resgate foi em agosto do ano passado, quando roçava pasto na fazenda Rio Bonito, na divisa de Mato Grosso com o Pará, contratado por Edmilson Dantas. Outros 91 homens foram retirados da fazenda.

A reportagem encontrou Tatu na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Redenção, onde fora receber a terceira parcela dos direitos trabalhistas.

Segundo o sindicato, ele trabalhou 11 semanas antes de ser resgatado e havia recebido R$ 250 do empreiteiro como adiantamento. Somado o seguro-desemprego, teve direito a mais R$ 2.235.

Perguntado sobre o que iria fazer dali por diante, respondeu que voltaria para o mesmo tipo de trabalho quando o dinheiro acabasse. "Não tenho mais nada, além desses braços para trabalhar."

Histórias como a de Tatu são freqüentes. O relatório da fiscalização feita na fazenda Agrovas, em São Félix do Araguaia (MT), no ano passado, chama a atenção para esse fato. "Mesmo depois de libertados, os trabalhadores voltam ao círculo vicioso. Gastam o dinheiro com bebidas, têm os documentos furtados durante as bebedeiras e as noitadas em bordel e voltam para a cadeia da servidão", diz o relatório.

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