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18/07/2004
-
07h56
da enviada especial da Folha de S.Paulo ao sul do Pará
O fluxo contínuo de trabalhadores rurais à procura de emprego nas áreas de expansão agrícola alimenta uma rede de hotéis baratos --os hotéis "peoneiros"--, onde os "gatos" encontram parte da mão-de-obra que procuram. Os trabalhadores chegam sem dinheiro. Como o "gato" antecipa o dinheiro da conta do hotel, eles já vão para a fazenda devendo.
Começa aí a relação de dependência entre o peão e o "gato". Mesmo os que não são aliciados em hotéis e vivem com as famílias começam devendo, pois é de praxe o "gato" adiantar algum dinheiro para deixarem em casa.
O Ministério Público Federal tem processado os "gatos" e os donos dos hotéis como co-responsáveis pelo crime de trabalho escravo. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ajuizou, de março de 2003 a março deste ano, 25 ações contra 116 pessoas: 50 são proprietários rurais, e os outros, "gatos" e donos de hotéis.
Os relatórios de quatro anos de fiscalização do Ministério do Trabalho analisados pela reportagem mostram que o "escravo" contemporâneo se divide em três categorias: o peão-de-trecho (trabalhadores errantes, sem endereço fixo nem vínculo com as famílias); o homem do campo que migrou para a periferia das cidades, mas ainda sobrevive da atividade rural; e o que continua no campo, em pequenas propriedades familiares, e faz trabalhos eventuais para complementar a renda.
O peão de trecho é o mais vulnerável e o mais dependente do "gato". A secretária de Inspeção do Ministério do Trabalho, Ruth Vilela, compara a relação entre eles à síndrome de Estocolmo, que explica a gratidão de seqüestrados para com os seqüestradores.
O Ministério do Trabalho retirou 41 trabalhadores de uma fazenda em São Félix do Araguaia (MT), no ano passado, que haviam sido aliciados pelo "gato" Edivaldo Brandão Araújo em uma pensão em Espigão do Leste (MT). Os peões dividiram o dinheiro das rescisões trabalhistas com o "gato", que chorou emocionado diante dos fiscais.
Em três municípios do Sul do Pará --Curionópolis, Xinguara e Redenção--, a Folha encontrou homens em hotéis "peoneiros" esperando serem contratados, já com dívidas acumuladas. Um dos hotéis é arrendado pelo ex-peão de trecho e ex-garimpeiro Raimundo de Souza, em Curionópolis. A diária do Hotel Brasil tem diária de R$ 10, com refeições.
Adão Rosa de Souza, 45, de São Borja (RS), não vê os quatro filhos desde que se separou da mulher, há três anos. "Meu endereço é o hotel, o banco da rodoviária ou o mato", resume ele, que estava no Hotel do Riba, em Redenção.
Ele trabalha para José Mauro de Souza, 44, mineiro de Itambacuri, que desempenha uma outra função no esquema. Se apresenta como "chefe de time", mas o Ministério do Trabalho o define como ""gatinho", porque também alicia mão-de-obra. Souza é um desgarrado e, há 14 anos, não vê a filha, que vive em Vitória (ES).
Ele exibe as mãos calejadas para mostrar que trabalha ao lado dos companheiros --seu grupo varia de 20 a 40 homens--, mas, só ele negocia as empreitadas.
Souza diz que ninguém tem carteira assinada no grupo e que só possui, de próprio, uma bicicleta e um celular pré-pago. Conhecedor do drama dos trabalhadores rurais avulsos, por experiência, diz que "o futuro do peão de trecho é nenhum" e que muitos, quando morrem, não têm sequer um plástico que lhes sirva de mortalha.
A reportagem se deparou com trabalhadores que fugiram de fazendas, a pé, porque o salário não correspondia ao prometido.
Mariano Carvalho, 57, analfabeto, e os filhos Francisco Carvalho, 26, e José Luiz Carvalho, 20, fugiram há dois meses de uma fazenda em Eldorado do Carajás (PA) e foram abrigados pela CPT de Marabá.
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O fluxo contínuo de trabalhadores rurais à procura de emprego nas áreas de expansão agrícola alimenta uma rede de hotéis baratos --os hotéis "peoneiros"--, onde os "gatos" encontram parte da mão-de-obra que procuram. Os trabalhadores chegam sem dinheiro. Como o "gato" antecipa o dinheiro da conta do hotel, eles já vão para a fazenda devendo.
Começa aí a relação de dependência entre o peão e o "gato". Mesmo os que não são aliciados em hotéis e vivem com as famílias começam devendo, pois é de praxe o "gato" adiantar algum dinheiro para deixarem em casa.
O Ministério Público Federal tem processado os "gatos" e os donos dos hotéis como co-responsáveis pelo crime de trabalho escravo. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ajuizou, de março de 2003 a março deste ano, 25 ações contra 116 pessoas: 50 são proprietários rurais, e os outros, "gatos" e donos de hotéis.
Os relatórios de quatro anos de fiscalização do Ministério do Trabalho analisados pela reportagem mostram que o "escravo" contemporâneo se divide em três categorias: o peão-de-trecho (trabalhadores errantes, sem endereço fixo nem vínculo com as famílias); o homem do campo que migrou para a periferia das cidades, mas ainda sobrevive da atividade rural; e o que continua no campo, em pequenas propriedades familiares, e faz trabalhos eventuais para complementar a renda.
O peão de trecho é o mais vulnerável e o mais dependente do "gato". A secretária de Inspeção do Ministério do Trabalho, Ruth Vilela, compara a relação entre eles à síndrome de Estocolmo, que explica a gratidão de seqüestrados para com os seqüestradores.
O Ministério do Trabalho retirou 41 trabalhadores de uma fazenda em São Félix do Araguaia (MT), no ano passado, que haviam sido aliciados pelo "gato" Edivaldo Brandão Araújo em uma pensão em Espigão do Leste (MT). Os peões dividiram o dinheiro das rescisões trabalhistas com o "gato", que chorou emocionado diante dos fiscais.
Em três municípios do Sul do Pará --Curionópolis, Xinguara e Redenção--, a Folha encontrou homens em hotéis "peoneiros" esperando serem contratados, já com dívidas acumuladas. Um dos hotéis é arrendado pelo ex-peão de trecho e ex-garimpeiro Raimundo de Souza, em Curionópolis. A diária do Hotel Brasil tem diária de R$ 10, com refeições.
Adão Rosa de Souza, 45, de São Borja (RS), não vê os quatro filhos desde que se separou da mulher, há três anos. "Meu endereço é o hotel, o banco da rodoviária ou o mato", resume ele, que estava no Hotel do Riba, em Redenção.
Ele trabalha para José Mauro de Souza, 44, mineiro de Itambacuri, que desempenha uma outra função no esquema. Se apresenta como "chefe de time", mas o Ministério do Trabalho o define como ""gatinho", porque também alicia mão-de-obra. Souza é um desgarrado e, há 14 anos, não vê a filha, que vive em Vitória (ES).
Ele exibe as mãos calejadas para mostrar que trabalha ao lado dos companheiros --seu grupo varia de 20 a 40 homens--, mas, só ele negocia as empreitadas.
Souza diz que ninguém tem carteira assinada no grupo e que só possui, de próprio, uma bicicleta e um celular pré-pago. Conhecedor do drama dos trabalhadores rurais avulsos, por experiência, diz que "o futuro do peão de trecho é nenhum" e que muitos, quando morrem, não têm sequer um plástico que lhes sirva de mortalha.
A reportagem se deparou com trabalhadores que fugiram de fazendas, a pé, porque o salário não correspondia ao prometido.
Mariano Carvalho, 57, analfabeto, e os filhos Francisco Carvalho, 26, e José Luiz Carvalho, 20, fugiram há dois meses de uma fazenda em Eldorado do Carajás (PA) e foram abrigados pela CPT de Marabá.
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