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07/11/2004 - 09h10

Derrota de Marta é alerta a Lula, diz Falcão

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RENATA LO PRETE
FERNANDO DE BARROS E SILVA

da Folha de S. Paulo

O secretário de Governo de Marta Suplicy, Rui Falcão, 60, vê no governador Geraldo Alckmin a encarnação de um novo conservadorismo, um "centrão de punhos de renda", como ele diz, que seria responsável por uma visão asséptica e gerencial da política.

O PT, diz Falcão, precisa se opor mais claramente a esse projeto e assumir que democracia supõe conflitos. "É impossível promover transformações num país como o Brasil sem ferir interesses", diz o candidato a vice da candidatura petista derrotada por José Serra no último domingo.

Segundo Falcão, o revés em São Paulo deve servir como alerta ao governo Lula em 2006. Embora evite responsabilizar o governo federal pelo resultado eleitoral, Falcão vê o empobrecimento das classes médias como um termômetro social preocupante.

Ele discorda que a campanha de Marta tenha menosprezado esses setores e diz que a prefeita termina o mandato como liderança consolidada do partido, podendo, inclusive, se apresentar para a sucessão de Alckmin em 2006.

Folha - O preconceito a que tem sido atribuída a derrota de Marta Suplicy não estaria ofuscando outras causas do resultado eleitoral?

Rui Falcão - As análises têm omitido um fenômeno que é o conservadorismo que se espalha pelas metrópoles. As pessoas tendem a avaliar que o declínio do malufismo ou do carlismo significa o fim do conservadorismo.

Eu vejo um novo centro, um centrão de punhos de renda, se espalhando pelo país, tendo como ponto de partida São Paulo e como liderança máxima o governador Geraldo Alckmin.

Folha - É um centro de gravidade?

Falcão - É. Um centrão asséptico, com discurso neoliberal, que esconde os problemas sociais e faz o discurso da austeridade, do corte de custeio, do fim da política tributária, do esvaziamento do Estado. Uma nova linguagem.

Folha - Um discurso gerencial?

Falcão - Exatamente. De acordo com esse discurso, as dificuldades do Brasil não estariam nas desigualdades sociais, mas sim em uma ausência de planejamento, e um bom gerenciamento resolveria todos os problemas.

O governo da Marta é um patrimônio do modo petista de governar. A expressão acabada do que quero dizer apareceu na entrevista do professor Antonio Candido [à Folha]. Ele diz que a primeira avaliação é que a Marta cumpriu os princípios partidários.

Eu diria que ela cumpriu o programa de governo, o que é também um fato raro na sociedade brasileira. Ela se comprometeu com a população em fazer determinados projetos e entrega o governo tendo cumprido isso. Isso é a coisa mais importante que pode ter para o PT e para o aperfeiçoamento da democracia no país.

E não é um governo petista só porque cumpriu o programa que apresentou, mas porque governou para as maiorias, porque entrou em confronto com interesses poderosos na cidade.

Folha - Na entrevista a que o sr. se refere, Antonio Candido fala que o governo municipal foi claramente petista, mas não diz o mesmo do federal. Isso pode ter tido impacto eleitoral na cidade de São Paulo?

Falcão - O governo Lula enfrenta dificuldades que decorrem da herança do governo anterior. Hoje está em curso uma retomada do desenvolvimento, os empregos começaram a surgir. O fato de não ter havido tempo ainda para incrementar outras políticas sociais pode ter tido algum reflexo no clima que favoreceu vitórias da oposição. Mas isso não explica como nós ganhamos a eleição em Recife, em Sergipe, em Osasco.

Acho equivocado atribuir o resultado de São Paulo a uma única causa, seja o que vi hoje nos jornais, que a culpa é do governo Lula, seja dizer que o governo em São Paulo foi muito bom, tem aprovação, como tem de fato, e portanto a culpa é da Marta, pelo seu estilo, pelo seu jeito de ser.

Eu acho que a Marta não tem culpa nenhuma, ao contrário. Ela comandou um governo de transformação, que tem a aprovação popular, que tem a aprovação do partido. Ela foi uma guerreira na campanha até o último momento.

Folha - Marta perdeu com 48% de avaliação ótima/boa para sua administração. O governo Lula está hoje quase dez pontos percentuais abaixo dessa marca. Isso deveria ser um alerta para o presidente?

Falcão - São momentos diferentes para fazer comparações. O que conta é que, do ponto de vista eleitoral, nós tivemos todo o apoio dos companheiros do governo federal, inclusive e principalmente do presidente Lula. É equivocado responsabilizar o governo federal pelo resultado de São Paulo.

Folha - Não falamos em culpa. Não pode ser um alerta, para Lula, de que se reeleger não é fácil?

Falcão - Acho que é um alerta importante e certamente companheiros do governo federal e da direção do partido estão avaliando os resultados eleitorais. O alerta mais importante é não ver semelhanças e aproximações entre PT e PSDB. A disputa em São Paulo deixa nítido que o PSDB é o nosso adversário principal, que usará a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado para cacifar a oposição ao governo Lula.

E nós temos que ter claro que são dois projetos diferentes. O do PT é um projeto de transformação do país, uma democracia que supõe conflitos, não simplesmente consensos. É impossível promover transformações num país como o Brasil sem ferir interesses.

Folha - A percepção do PSDB como adversário principal não seria clara para o PT como um todo?

Falcão - Durante algum tempo, prevaleceu no PT a idéia de que PT e o PSDB eram como irmãos, irmão mais velho, irmão mais novo, o pai dá um puxão de orelha...

O PT não vai ser aceito por consensos, tem que afirmar seu projeto na disputa. E o principal articulador da oposição ao PT, da rejeição ao PT e de uma eventual derrota nacional do PT é o PSDB.

Folha - O sr. vê diferença entre a geração de tucanos de FHC e Serra e a geração de Alckmin?

Falcão - Eu acho que o Covas era uma exceção no PSDB. Embora ao assumir o governo de São Paulo ele tenha radicalizado o processo de privatização do Estado.

Mas ele, talvez por ter tido um enfrentamento com o regime militar, de não ter deixado o país, talvez tivesse uma extração política diferente do que aqueles que foram buscar novas oportunidades no exterior e depois voltaram.

Já o governador Alckmin é um tucano que avança no conservadorismo. É a expressão máxima da visão gerencial do Estado, querendo se credenciar para o país.

Folha - Por que o PT perdeu apoio nas classes médias?

Falcão - Precisamos analisar melhor a que nos referimos, porque há um empobrecimento crescente das chamadas classes médias desde o início dos anos 90.

Do ponto de vista eleitoral o que importa, aqui em São Paulo, até para o debate que se instalou na mídia, é que nós perdemos a eleição nas mesmas regiões da cidade em que Lula perdeu a eleição em 2002. O Lula perdeu a eleição em 2002 onde a Marta perdeu agora.

É errado dizer que nós perdemos porque ignoramos as classes médias. Ninguém, durante a campanha, expressou claramente esse sentimento. O próprio Genoino nos acompanhava feliz pela periferia, acreditando, como nós, que, se alguma vitória eleitoral fosse ocorrer, ela iria repousar nos setores empobrecidos da sociedade.

São Paulo foi precursora da política de alianças que Lula convalidou. Todo mundo felicitou a capacidade da Marta de fazer alianças em São Paulo e, agora, querem atribuir ao fato de o PMDB não ter nos apoiado no primeiro turno a razão da derrota. Vale lembrar que nós tivemos apoio da base do PMDB, e a cúpula levou para Erundina 3% dos votos.

O que acho importante ressaltar é que todas as lideranças, todos os governantes que nos antecederam, mesmo gente do PT, falam que é preciso reduzir os abismos sociais no país. E quem trabalhou, quem fez para reduzir os abismos sociais de São Paulo foi a Marta.

É sobre isso que acho que o PT e seus aliados deveriam ter refletido. Como, neste país, é possível construir uma sociedade mais justa, estabilizar melhor o país, reduzindo as desigualdades sociais.

Folha - Vocês não subaproveitaram forças lideranças políticas do PT que têm trânsito mais desimpedido na classe média?

Falcão - O vereador Nabil Bonduki, por exemplo, foi o relator do Plano Diretor, da lei de uso e ocupação do solo, dos planos diretores regionais. Não havia tribuna maior, espaço maior para o diálogo com os setores médios do que o que ele pôde fazer. E fez um trabalho muito bom, de alto nível.

Ocorre que, a despeito desse desempenho, desse diálogo, o que prevaleceu foi essa visão: setores da sociedade rejeitam o tipo de governo que se fez, que é um governo que privilegia aqueles que precisam mais da presença do Estado, que são mais carentes. Incomodou a esses setores a Marta, uma pessoa que provém da elite, voltar-se para essa área da cidade.

A expressão máxima desse pensamento é a foto que a Folha publicou um dia após a eleição: sete senhoras de Santana em frente à casa da Marta, como a dizer: "Chega. Nós queremos soltar os nossos demônios, recuperar a cidade para os seus valores tradicionais. Chega de gente maltrapilha, de mendigos, de pobres fazendo política pública na cidade".

Isso não significa que nós não tivemos votos na classe média, que nós não tivemos apoio da intelectualidade. Aliás, a intelectualidade se manifestou de forma pública e organizada a favor da Marta.

Folha - Que tipo de oposição o PT fará na Câmara paulistana?

Falcão - Nós vamos fazer uma disputa na Câmara afirmando as propostas que fizemos e que foram encampadas pelo candidato vitorioso. Queremos ver a duplicação do Vai-e-Volta, a tarifa de R$ 1,70 permanecer pelo menos durante este ano. E todo o desvio do programa que o candidato defendeu em campanha será apontado por nós, será criticado.

Vamos fiscalizar, que é o papel da oposição, e o que for de interesse das maiorias sociais vamos apoiar, como sempre fizemos.

Folha - Que projeções o sr. faz sobre o futuro político da prefeita?

Falcão - Ela se construiu como liderança nacional e internacional, é uma figura de grande respeito hoje no PT e na sociedade. Imagino que ela vá, após sair do governo, ter um período de férias. Embora as pessoas tenham direito a suas vontades, a seus projetos, no caso dela eu acho que qualquer projeto pessoal hoje passa por um conjunto maior, pela própria liderança que ela representa.

Folha - O sr. acha que ela pode vir a ser um quadro da burocracia partidária ou ministra de Lula?

Falcão - Ela hoje é vice-presidente nacional do PT. Estava licenciada e, saindo do governo, deve retomar seu posto. Acho que a Marta cumpre um papel mais amplo na sociedade do que ser um quadro da burocracia. Mas sobre isso ela naturalmente vai ter que dar a última palavra no momento em que ela achar apropriado.

Folha - Os tucanos não têm um nome de peso para a sucessão de Geraldo Alckmin...

Falcão - Tem sim, José Serra.

Folha - Ele tem repetido que cumprirá os quatro anos de mandato.

Falcão - Não estou dizendo que não vai cumprir, mas que ele é um nome de peso. Acabou de ser eleito com uma votação expressiva. Você constrói uma aliança natural com o PFL nessa candidatura. Sem grandes concessões.

Folha - Por que Gilberto Kassab assumiria a prefeitura?

Falcão - Isso. E é uma ótima aliança, ficar dois anos prefeito de São Paulo. Talvez por isso o governador Alckmin já tenha se apressado em dizer que essa é uma hipótese inadmissível. Como em política não existem coisas inadmissíveis, a priori, eu não descartaria essa hipótese.

Folha - E no PT?

Falcão - Ao contrário do PSDB, temos muitas opções. O senador Mercadante, o deputado João Paulo Cunha, os ministros Dirceu e Palocci, o Genoino. E a própria Marta, como tem sido apontado.

Folha - Há chance de Marta concorrer ao Senado em 2006?

Falcão - Essas perguntas todas, como disse, primeiro ela tem que se manifestar. Não creio que essa seja uma hipótese plausível. O senador Eduardo Suplicy é uma pessoa de muito prestígio na sociedade, até já disputou uma prévia com Lula. Pelo que pude entender na entrevista dele, ele é candidato à reeleição. Então, isso também poderá ser discutido, eventualmente em prévias.

Folha - Sobre a entrevista em que Valdemir Garreta acusou o senador de alimentar o preconceito contra a prefeita...

Falcão - Como já disse, eu acho que o Garreta expressou seus sentimentos com muita sinceridade.

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