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07/02/2005 - 09h03

"Clã dos Calheiros" prospera com entrada na vida política

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CATIA SEABRA
Enviada especial da Folha de S. Paulo a Murici(AL)

Tábua de madeira sobre as pernas, "Mané Dentinho" talhava, num quarto compartilhado, sandálias em restos de pneu para sobreviver na capital.

Do secundário à universidade, Renan Calheiros (PMDB-AL) morou "de favor" na casa do amigo Manoel Luiz Pinheiro, em Maceió. Mas, vivendo da atividade política, dos anos 80 para cá, consolidou um confortável patrimônio financeiro e eleitoral. À sua órbita, a família Calheiros construiu um império. E hoje, a caminho da presidência do Senado Federal, Renan é o filho ilustre da cidade natal, o rei de Murici.

Em Maceió, Renan é dono de um apartamento na região mais valorizada da cidade, a Ponta Verde, de frente para o mar. Com 240 metros quadrados de área privativa, tem quatro quartos --duas suítes e duas salas de estar.

Consultadas, duas imobiliárias, a Marisia e a Manoel Santana, avaliam em R$ 600 mil o preço dos apartamentos do edifício Tartana, cerca de R$ 2.600 por metro quadrado. No Primeiro Registro Geral de Imóveis de Maceió, o valor declarado no contrato, de março de 1998, é de R$ 130 mil.

No ano passado, o senador comprou uma casa com localização privilegiada --de frente para os recifes --no badalado balneário de Barra de São Miguel (35 quilômetros ao sul de Maceió). Num terreno de 1.302 metros quadrados, a casa tem duas suítes, dois quartos, piscina e garagem para automóveis e para barco. Incluindo varanda, a área coberta é de 701 metros quadrados. Também segundo os corretores, apenas o terreno valeria cerca de R$ 250 mil. Pelos registros, a casa custou, em fevereiro, R$ 300 mil.

Herança

Na cidade de Murici, Renan assumiu o controle da fazenda Santa Rosa (conhecida como Tapado), que, numa cidade castigada pela falta de água, tem um açude de um hectare e 625 braças ao redor da sede, com um jardim constantemente irrigado. O campo de futebol da propriedade é iluminado por holofotes. É preciso percorrer 16 quilômetros, ladeados por propriedades do deputado federal Olavo Calheiros Filho (PMDB-AL), para chegar até lá.

Em 1996, o patriarca Olavo Calheiros Novaes deixou aos oito filhos a propriedade, comprada originalmente com 712 hectares. Segundo Dimário Cavalcante Calheiros --primo legítimo e irmão adotivo de Renan--, seu legado foi de 1.300 hectares. Dimário administrava a fazenda até o ano passado, quando, por motivos políticos, rompeu com Renan. Ainda no nome do pai, a propriedade está com 2.060 hectares.

À frente da Prefeitura de Murici há oito anos, desde a morte do "major Olavo", os Calheiros têm engordado sensivelmente seu domínio rural. Só nos limites de Murici, Olavinho --como é conhecido-- e sua mulher, Ana Weruska, detêm dez propriedades. Antiga usina de açúcar, a Boa Vista foi avaliada, como garantia de financiamento, por R$ 4.094.390,00.

Empréstimo

No dia 23 de fevereiro de 2003, obteve empréstimo de R$ 5,9 milhões com dois agentes públicos, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o BNB (Banco do Nordeste do Brasil), para seu projeto empresarial, a Conny Indústria e Comércio de Sucos e Refrigerantes, montada em um terreno doado pela Prefeitura de Murici.

Outro irmão de Renan, Remi Calheiros, que só deixou o campo para ocupar por oito anos a Prefeitura de Murici, também possui quatro pequenas propriedades registradas na cidade.

No município vizinho de Flexeiras, Renan é dono do sítio Largo I, com 117,32 hectares. Pela propriedade, ele pagou em maio de 2003 R$ 110 mil ao irmão de criação. Para abrir mão de sua parte na fazenda Santa Rosa -pouco mais de 80 hectares-, Dimário diz ter recebido R$ 80 mil dos Calheiros.

Também na cidade de Flexeiras, Ildefonso Antônio Tito Uchoa Lopes --primo, afilhado político e leal aliado de Renan-- é proprietário de 718 hectares de terra. Após receber um terreno da prefeitura, Ernani Torres de Oliveira, primo de Tito, tem uma fábrica de laticínios na cidade.

Vendendo chinelos

O status conquistado destoa da origem do menino que, puxado por Dimário, ia no lombo de calunga, seu pequenino cavalo, para o jardim de infância. E do adolescente que trabalhava aos domingos --"dias de feira"-- como balconista na venda do "Seu Mozar", o domador de pássaros.

Para estudar em Maceió, Renan vendia chinelos para driblar as dificuldades. "Só andávamos de carona. Aí, eu comprei uma moto e levava Renan na garupa", conta o ex-deputado Manoel Pinheiro, que dividia seu quarto com Renan. "Ele aparecia de noite na república. Não tinha morada fixa. Mas não vou ficar lembrando esses tempos de vaca magra", afirma José Ederaldo Carmo Oliveira, contemporâneo de Renan nos tempos de faculdade.

Presidente do PMDB que abrigou Renan, o ex-prefeito Djalma Falcão lembra que as dificuldades persistiam ainda depois de sua primeira eleição para deputado estadual, em 1978. Com o filho recém-nascido (Renan Calheiros Filho, hoje com 24 anos), "ele morava numa casinha amarela, de dois minúsculos quartos".

Comprando carros

Eleito deputado federal, afirma Falcão, Renan morava em um apartamento funcional em Brasília (202 Norte) e "comprava carros no setor de indústrias para vender em Maceió".

Em 1990, depois de três mandatos de deputado, um baque. Derrotado para o governo do Estado, Renan fica sem cargo eletivo. Em Murici, a família também é derrotada na disputa de 1992. "Foi um tempo difícil. A produção de cana caiu e, como não era proibido, tivemos que vender madeira de lei [a fazenda ocupa parte da mata atlântica]", afirma Dimário.

Em 1994, Renan se elege senador e marcha, decidido, para a terceira cadeira na hierarquia da República. Em Murici, é a mãe, Ivanilda, quem conserva a simplicidade do passado. Chinelo de borracha, cozinha para filhos e netos na casa da família, a 19 quilômetros da fazenda.

Há duas semanas, ela recebeu Renan para a festa da cidade. Preparou seu prato preferido, o pato ao molho pardo. De luto desde a morte do marido, ela não vai à posse do primogênito: "Não ando de avião", diz, encabulada.

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