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29/04/2005 - 20h21

Confira a íntegra da entrevista do presidente Lula

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da Folha Online

Confira abaixo a íntegra da entrevista coletiva concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva divulgada pelo Palácio do Planalto.

Cristiano Oliveira, jornalismo da Rede TV. Bom dia, Senhor Presidente.
Senhor Presidente, na década de 70 e 80, o senhor ficou conhecido muito como um combativo sindicalista. O senhor lutava contra os acordos com o FMI e contra os juros altos, a favor de um salário mínimo digno. No próximo domingo, dia primeiro, é o Dia do Trabalhador, o dia em que entra em vigor o novo valor do salário mínimo, no valor de 300 reais. E não é nem de longe o que o trabalhador queria. Eu gostaria de saber do senhor o seguinte: o que mudou, em relação a essa que eu falei e hoje? Por que está diferente?

Presidente
: Veja, na verdade, na década de 70, nós brigávamos por outras coisas. A questão do FMI, no começo da década de 70, não era a principalidade das discussões que nós, dirigentes sindicais, fazíamos. Nós brigávamos muito por reajuste de salário e é o papel que o movimento sindical continua fazendo.

Eu penso que o Brasil vive hoje, talvez, um dos seus melhores momentos no que diz respeito ao salário mínimo. A partir do dia 1º de maio, o salário mínimo passa a ser de R$ 300,00, e o salário mínimo vai poder significar, praticamente dobrar o poder de compra da cesta básica que nós tínhamos no começo de 2003. Em 2003, o salário mínimo podia comprar 1.2 cesta básica e, hoje, o salário mínimo atual já compra 1.9. Com o aumento, certamente, ele vai poder comprar duas cestas básicas, o que é um dado auspicioso.

Agora, quando se trata de salário mínimo, qualquer que seja o número, ele será baixo, por isso que ele será o mínimo. Nós precisamos trabalhar de forma intensa no Brasil para que se tenha uma melhoria muito grande no processo educacional, na formação profissional, para que os trabalhadores brasileiros não ganhem salário mínimo, ou seja, ganhem sempre um pouco mais do que o mínimo, como acontece com os trabalhadores das indústrias mais sofisticadas no Brasil. Eu acho que isso, nós vamos caminhando a passos largos para conquistar um salário mínimo que possa dar, no mínimo, a dignidade que todos os trabalhadores que o ganham merecem ter.

Com relação ao FMI, aconteceu uma coisa muito interessante. Não sei se o jornalista Cristiano percebeu que nós não temos mais acordo com o FMI. Não se precisou dar murro na mesa, não se precisou gritar, não se precisou levantar faixa, não precisei convocar nenhuma passeata. Nos dois anos do meu governo, nós criamos as condições para que o Brasil tivesse uma segurança na sua política econômica capaz de permitir que nós disséssemos ao FMI: nós não precisamos renovar o acordo porque não vamos utilizar dinheiro do FMI. Isso foi feito com a maior tranqüilidade, sem precisar brigar com o FMI e, possivelmente, por isso, não tenha tido o destaque que deveria ter o não-acordo do Brasil com o FMI. De qualquer forma, nós estamos com a economia mais sólida, nós estamos com mais confiabilidade tanto interna quanto externa, as nossas exportações cresceram, as nossas reservas são boas e, portanto, eu penso que a dependência do Brasil dos acordos com o FMI deve fazer parte da nossa história e, certamente, nós iremos trabalhar para que nunca mais o Brasil precise de acordo com o FMI em função da vulnerabilidade que o país possa ter. Nós vamos trabalhar para que essa solidez da nossa política econômica seja cada vez mais forte, e que sejamos, cada vez mais, criadores da nossa própria segurança.

Jornalista Marta Correia, da TV Record - Bom dia, Presidente. O senhor disse há pouco que, na década de 70, os trabalhadores brigavam por aumento de salário. Hoje, são os militares que estão brigando, cobrando aumento de salário. No ano passado, o senhor prometeu - pelo menos o ex-ministro José Viegas afirmou isso - 33% de reajuste. Dez por cento já foram concedidos e faltam, agora, os 23% restantes. A situação econômica do país que o senhor vive dizendo que está melhorando, das finanças públicas, eu pergunto, o senhor vai dar o aumento aos militares este ano, como prometido?

Presidente
: Primeiro, Marta, eu quero dizer a você uma frase antiga, de um ministro ainda do regime militar, quando eu fazia as minhas reivindicações no ABC. Ele, um dia, disse que todo trabalhador que se contentar com aquilo que ganha, talvez não mereça o que ganha. Isso ele dizia no estímulo de que era necessário brigarmos cada vez mais, porque o aumento de salário só é importante para nós no primeiro mês em que recebemos. No segundo mês, ele já entra no orçamento, no terceiro mês, então, nem nos lembramos mais que tivemos aumento de salário. Isso vale para os militares, para os servidores, isso vale para os servidores civis, vale para os trabalhadores da iniciativa privada. No que diz respeito aos militares, eu não tenho responsabilidade apenas com os militares, eu tenho com os militares, tenho com o servidor público brasileiro como um todo e tenho que criar as condições para o conjunto dos trabalhadores.

Eu tive oportunidade de, no dia em que os novos generais foram empossados aqui, dizer a eles que nós vamos trabalhar e estamos trabalhando fortemente para que a gente contenha o déficit, sobretudo na Previdência Social, para ver se a gente consegue ter uma parte do dinheiro, que de uma parte seja feito investimento e de outra a gente possa repor parte dos salários.

Agora, é importante ter em conta que dificilmente uma categoria que deixa acumular uma perda de 40%, 50%, como habitualmente acontece no Brasil... Eu comecei a minha vida sindical reivindicando 34,1% que eu tinha perdido em 1974, 1975, numa denúncia que o Banco Mundial tinha feito. Eu nunca recuperei os 34,1%, que foi o motivo pelo qual eu me transformei num sindicalista importante. Mas, a partir dali, nós paramos de perder poder aquisitivo e começamos a ganhar muitas vezes.

Eu acho que os militares prestam um trabalho enorme à sociedade brasileira. Eu, hoje, conheço mais de perto o relevante serviço que eles prestam, não apenas em defesa da nossa soberania como guardiã da nossa Pátria, mas, sobretudo, na política social que eles têm feito. E o melhor exemplo é a prestação de serviço médico na Amazônia, é o nosso Correio Aéreo Nacional, é o Soldado Cidadão, que tem coisas extraordinárias, que vocês podem visitar. Certamente, nós vamos tratar com carinho para encontrar um jeito de dar um reajuste para os militares, mas dentro das possibilidades do nosso orçamento.

Eu digo sempre o seguinte, Marta: às vezes, a gente é obrigado a dizer para um filho da gente, que está reivindicando alguma coisa, que a gente não pode dar aquela coisa. E da mesma forma que eu tenho, às vezes, que dizer que não posso dar tudo que o meu filho deseja, eu tenho que dizer à sociedade brasileira que, muitas vezes, a gente não pode fazer tudo que a gente gostaria de fazer, mas o que nós estamos fazendo é o máximo que a gente pode fazer.

Eu tenho certeza de que nós iremos criar as condições para melhorar a vida, tanto dos militares quanto dos civis no nosso país.

Carla Mendes, da Agência Lusa. Bom dia presidente Lula. O senhor acredita que a situação entre a Venezuela e os Estados Unidos esteja ameaçando a estabilidade da região? E o que o Brasil pode fazer nesse caso? E ainda com relação à aspiração do Brasil ao Conselho de Segurança, um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o senhor acredita que o país possa conseguir isso ainda durante o seu mandato?

Presidente
: Bom dia Carla. Olhe, eu não vejo nenhuma possibilidade de haver um conflito maior entre Estados Unidos e Venezuela. Você deve ter acompanhado que, no auge da crise, ainda em janeiro de 2003, nós propusemos a criação do Grupo de Amigos. A criação do Grupo de Amigos do qual faziam parte Brasil, Chile, Estados Unidos e Espanha gerou uma certa polêmica porque, num primeiro momento, o presidente Chávez não queria nem os Estados Unidos e nem a Espanha, que tinha reconhecido o golpe. Nós convencemos o presidente Chávez que era importante que tivesse interlocutores que falassem com a sua oposição. O Grupo de Amigos funcionou e o Grupo de Amigos consolidou o referendo que foi acompanhado por muita gente de outros países, inclusive pela Fundação Jimmy Carter, que teve um papel muito importante na consolidação do referendo.

Eu, sempre que possível, tenho conversado com o Chávez, tenho feito muitas reuniões. Mais recentemente eu estive na Venezuela com o presidente Zapatero e com o presidente Uribe. Nas conversas que eu tive com o presidente Sampaio, de Portugal, e com o ex-primeiro ministro Durão Barroso, eu tinha dito que era importante que Portugal tivesse uma participação maior na Venezuela, porque tem 400 mil portugueses morando na Venezuela, para que a gente mostrasse que a única possibilidade de um país como a Venezuela ou outros países da América do Sul se desenvolverem, é os governantes viverem num clima de paz, num clima de harmonia, para que eles possam dedicar toda a sua energia para governarem os seus países.

Ainda esta semana, eu recebi a Secretária de Estado dos Estados Unidos aqui, e eu penso que nós estamos andando a passos largos para que haja uma grande harmonia entre Estados Unidos e Venezuela, até porque nós, do Brasil, temos todo o interesse em que no nosso continente haja a maior tranqüilidade. Os Estados Unidos importam 15% do petróleo da Venezuela, os Estados Unidos são o maior importador de petróleo da Venezuela, portanto, a Venezuela precisa dos Estados Unidos, os Estados Unidos precisam da Venezuela, portanto, não há nenhuma razão para os dois estarem brigando.

Eu, depois da reunião com a secretária Condoleezza, fiquei convencido de que as coisas vão andar muito melhor daqui para a frente, e naquilo que o Brasil puder contribuir, nós vamos contribuir para que as coisas se firmem e para que a gente possa ter uma tranqüilidade muito forte aqui no nosso Continente. Nós precisamos de paz para que a gente possa pensar no desenvolvimento, no crescimento econômico e na geração de riqueza do nosso país.

Por isso, o Brasil está com uma forte política de integração física da América do Sul, por isso nós criamos a Comunidade Sul Americana de Nações e por isso eu disse à Secretária de Estado dos Estados Unidos que o presidente Bush entrasse junto como Brasil e com os países da América do Sul nessa política de criar uma infra-estrutura, de criar uma integração física, porque irá facilitar o crescimento e o estabelecimento da paz no nosso Continente.

Com relação à ONU?

Presidente
: Veja, com relação à ONU, você sabe que o Brasil já era para estar na ONU desde 1945, quando foi criada a ONU. O Brasil não entrou, o Brasil defende a democratização das Nações Unidas, defende, sobretudo, a democratização do Conselho de Segurança, defende a participação de representações por continente, pela África, que pode ter dois, pela América do Sul, pela Ásia, e o Brasil reivindica para si essa vaga, por ser o maior país da América do Sul e da América Latina, por ser um país de maior número de habitantes, o país de maior extensão territorial, então, nós temos o direito de reivindicar. Estamos reivindicando.

Primeiro precisamos garantir que haja reforma, segundo, tendo a reforma, precisamos garantir a nossa participação e eu acho que isso vai ser bom para a ONU, porque quanto mais democrática for a ONU, mais ela vai poder realizar tarefas que possam garantir maior harmonia no mundo inteiro.

O senhor acredita que o Brasil consiga esse acerto ainda no mandato do senhor? Essa pergunta foi formulada pela Associação dos Correspondentes Estrangeiros aqui no Brasil.

Presidente
: Aí eu já não posso prever o futuro, eu tento sonhar como um analista político eu tento prever o que vai acontecer. Eu acho que se a reforma sair, o Brasil entrará. Eu acho e estamos trabalhando para que seja este ano. Estamos trabalhando para que, se não for este ano, seja o ano que vem. Agora, se não for no meu mandato, que sejam no tempo que for, mas é importante que o Brasil participe.

André Barrocal, da revista Época. Bom dia, Presidente. Essa semana, o senhor fez referência aos juros altos. O vice-presidente da República, José Alencar, também voltou a fazer críticas, ele que é um crítico antigo da política monetária, mas a semana terminou com trocas anunciadas pelo Ministério da Fazenda, ontem, na Diretoria do Banco Central e no próprio Ministério, que indicam reforço na ortodoxia. Eu gostaria de saber o seguinte do senhor: existe descompasso entre o que o senhor pensa e defende e o que faz o Ministério da Fazenda ou o Ministério da Fazenda tem autonomia total para fazer o que achar mais conveniente?

Presidente
: Primeiro, bom dia, eu não sei se acontece com você o que acontece comigo. Eu, muitas vezes, tenho descompasso entre aquilo que quero fazer para mim e aquilo que posso fazer para mim. Na economia, possivelmente, o descompasso seja de todos. É importante lembrar que uma das razões pelas quais eu convidei o José de Alencar para ser meu vice foi pelo discurso que ele fazia contra a política de juros, sendo empresário como ele era, porque se fosse eu, como metalúrgico, todo mundo falaria "nossa! Mas esse metalúrgico é muito radical, muito sectário". Um empresário do maior grupo têxtil de Minas Gerais, um empresário da importância do José Alencar, falando de juros, as pessoas não ficavam tão incomodadas, como se eu falasse. Então, eu acho que todos nós, o ministro Palocci, o Meirelles, os funcionários todos do Brasil e o povo brasileiro desejam que encontremos uma taxa de juros mais baixa para o país, e nós precisamos trabalhar para criar condições para que essa taxa de juros baixe. Eu queria lhe dar um dado importante: a média da taxa de juros real de mercado, de 2000 a 2002, foi de 15.8%; a média de mercado em 2003 foi 13.2%; a média, em 2004, foi de 10.6%. Nós não temos a média de 2005, ainda, porque estamos no começo do ano. Mas a média de 1997 a 1999 foi de 21.4%, e eu acho que nós estamos caminhando, primeiro, para garantir a estabilização da economia e que possamos ter certeza de que a inflação não voltará mais, porque a inflação é o que pode causar enorme prejuízo aos assalariados no Brasil.
Eu já vivi como assalariado, recebendo a notícia de inflação de 40%, de 50%, de 80%. Quando um trabalhador tinha uma conta remunerada, a inflação dele era menor, mas quando ele não tinha, o salário dele ficava defasado quatro meses em 40%. Eu me lembro de uma vez em que comecei a reivindicar que o salário dos trabalhadores fosse pago semanalmente.

Todos nós sabemos que precisamos trabalhar, caminhar muito fortemente para que possamos reduzir a taxa de juros. Ao mesmo tempo, eu tenho pelo companheiro Palocci o mais profundo respeito, tenho uma ligação política, ideológica, tenho uma relação de quase 30 anos com o Palocci, portanto eu poderia dizer a você que eu e o Palocci somos unha e carne. Eu tenho total confiança nas coisas que o Palocci faz e, se ele faz, faz na perspectiva de fazer o melhor para este país e, eu não tenho nenhuma dúvida, quando o ministro Palocci anuncia a mim que vai mudar a sua equipe econômica, eu digo para ele e para todos os ministros: eu quero saber se você confia nas pessoas que você está indicando. Se ele falar para mim "eu confio, são pessoas que vão fazer aquilo que eu achar que deve ser feito", então meus queridos, vocês montem as suas equipes porque é assim que o Brasil pode ir para frente. Eu estou convencido de que nós estamos no caminho de consolidar a estrutura produtiva e econômica para que o Brasil se transforme, nas próximas décadas, em um país que possa se transformar em uma economia muito forte, muito competitiva.

Você tem acompanhado, e eu tenho dito que eu sonho em transformar, em começar a criar o primeiro tijolo, o primeiro alicerce para que o Brasil se transforme em uma grande potência econômica no século XXI. Se o século XIX foi da Europa, o XX, dos Estados Unidos e um finzinho dele, da China, nós queremos que o século XXI seja do Brasil e dos países mais pobres. Por isso, estamos intensificando a nossa política de consolidar o nosso país sem nenhuma vulnerabilidade, para que possamos crescer, nos fortalecer, e sonhar que não seremos pegos de surpresa, nunca mais, com um plano econômico que anuncia o céu em um dia e, no dia seguinte, você cai em um buraco, devendo aquilo que você nem contraiu de dívida. Então, a busca incessante para consolidar essa economia faz parte do meu cotidiano, faz parte do cotidiano do Palocci e, portanto, as pessoas têm a minha total confiança.

Sandro Lima, do Correio Braziliense: orçamento da União para este ano prevê um reajuste de apenas 0,1% linear para o funcionalismo público. Uma das promessas de campanha do senhor foi valorizar o servidor público. O senhor pretende fazer alguma coisa para modificar isso, dar um reajuste maior neste e no próximo ano? E completando, o governo pretende melhorar isso; uma das propostas seria reverter o déficit da Previdência? O senhor acha que o ministro Jucá, saraivado por uma série de denúncias de irregularidades, está à altura dessa missão?

Presidente
: Olha, eu vou lhe contar uma pequena história. Em 1974, eu introduzi uma discussão no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que era a discussão para distribuir, de forma mais justa, o percentual de reajuste que os trabalhadores poderiam receber, ou seja, imaginando que 2% de reajuste para quem ganha 15 mil reais tem um significado, mas 2% de reajuste para quem ganha 300 não tem praticamente quase nada. O que eu introduzi naquela ocasião foi que o reajuste que a gente conquistasse nos acordos coletivos, que uma parte dele fosse dada no salário nominal do trabalhador e que a outra parte fosse introduzida na folha global de pagamento, para que a gente dividisse pelo número dos trabalhadores. Iria dar uma quantia fixa que, muitas vezes, significava muito mais do que o percentual que o trabalhador tinha sonhado conquistar.

No Sindicato de São Bernardo, quando eu introduzi essa política, o meu advogado recebeu 1,5% e a faxineira recebeu 175% de reajuste. Não sei se você acompanhou que nós fizemos isso ano passado, aqui, no setor público. No setor público teve funcionário que recebeu 49% de reajuste, teve funcionário que recebeu 35% de reajuste, teve funcionário que recebeu 29% de reajuste. E a camada mais alta, o que nós fizemos? Em quase todas elas nós fizemos uma adaptação no plano de carreira, algumas que estavam há muito tempo sem fazer, e nós fizemos isso. Portanto, nós demos um forte ajuste aos trabalhadores públicos federais ano passado.

E obviamente que, para dar aumento de salário, veja, quando eu sou sindicalista, eu posso reivindicar, quando eu sou Presidente da República, eu só posso dar na medida em que eu olho o caixa e percebo que eu tenho. Se não tiver, eu vou dizer para os funcionários porque não podemos dar. Se tiver, eu vou dizer porque nós podemos dar e qual a melhor forma que a gente vai fazer para que o pouco que a gente tenha possa ser distribuído.

Com relação ao ministro Romero Jucá, você disse bem. Você disse que existe uma série de denúncias. Você deve acompanhar a minha vida política e eu primo por entender que todo ser humano é inocente até prova em contrário. Você não pode crucificar ou decretar pena de morte para ninguém por causa de denúncia. A denúncia, tem que apurar.

Quando eu discuti com o PMDB e o ministro Jucá veio a ser ministro, antes dele aceitar, ele me trouxe uma série de acusações contra ele e me trouxe uma série de documentos provando o que ele já tinha feito. O ministro Jucá vai ao Ministério Público e pede ao Procurador-Geral para ser investigado rapidamente, manda um ofício à Polícia Federal pedindo que seja investigado rapidamente. Eu sou como ele, obrigado a esperar que haja a investigação e que haja, ou uma decisão, como já tem no Tribunal de Contas, de que não tem nenhum erro, não tem nenhum problema na vida dele, naquilo que ele está sendo acusado, ou uma declaração do Ministério Público ou da Polícia Federal dizendo: "olhe, ele está culpado nisso ou ele está inocente nisso." Eu sou obrigado, até por convicção e respeito ao direito de prova das pessoas, a que as pessoas sejam julgadas corretamente, analisadas corretamente.

Na hora em que tiver esse veredicto, eu tomarei a posição que tiver que tomar. Por enquanto, o ministro Jucá está cumprindo uma tarefa que eu dei a ele, que é o de tentar, de uma vez por todas, acabar com o déficit da Previdência Social, diminuindo muito o déficit no ano de 2005 e diminuindo muito no ano de 2006. É essa a tarefa. Até prova em contrário, ele vai continuar fazendo esse trabalho muito bom que está fazendo. Ontem, me fez a primeira apresentação do começo do que está acontecendo. Já diminuiu o déficit nesses dois meses e nós vamos diminuir mês a mês o déficit da Previdência.

Renata Giraldi, do jornal O Dia. Na sua última visita ao Rio, o serviço de segurança da Presidência desaconselhou a sua ida à favela da Rocinha, mesmo diante do lançamento do microcrédito e da inauguração da farmácia popular. Recentemente, o ministro José Dirceu esteve na cidade cercado por um fortíssimo esquema de segurança para atravessar a Linha Vermelha e ele foi desaconselhado a passar pelos túneis que estão espalhados por todo o Rio. Bom, essa é a realidade da população do Rio de Janeiro no dia-a-dia.

Eu gostaria de saber do senhor: no que o senhor, como Presidente da República e como governo federal, pode ajudar o governo do Rio e a população a diminuir a criminalidade e a reduzir a violência?

Presidente
: Bom dia, Renata. Renata, você certamente acompanhou muitas idas minhas ao Rio de Janeiro, e eu já subi em várias favelas do Rio de Janeiro. Eu estou surpreso de saber por você, agora, que em algum momento a minha segurança impediu que eu fosse ao Rio de Janeiro, porque eu acho que 99% dos moradores da Rocinha são iguais aos moradores de qualquer outro lugar do Brasil. Eu não tenho dúvida de que, na favela da Rocinha, a maioria das pessoas que mora lá são pessoas trabalhadoras, pessoas de bem, são pessoas que querem viver condignamente. Portanto, eu quero te agradecer por esta informação de que, em algum momento, a minha segurança barrou a minha ida lá.

Eu, quando marco uma agenda, ela é marcada e desmarcada pelo meu Chefe de Gabinete e nem sempre essas coisas são contadas para mim: "você não vai porque o Flamengo vai jogar, porque está acontecendo alguma coisa lá". Eu acho que não há por que um presidente da República não ir à favela da Rocinha, não ir à favela Santa Marta, não ir ao Chapéu Mangueira, não há por que não ir. Se o povo vai, o Presidente da República tem mais a obrigação de ir.

Obviamente que como Presidente da República você tem os cuidados necessários, porque pode ter uma ou outra pessoa, como aquelas desgarradas que tentaram matar o Papa um dia, que tentaram matar o Reagan outra vez, e assim por diante.

Eu acho que o governo federal e o ministro Márcio Thomaz Bastos têm trabalhado muito próximos ao governo do Rio de Janeiro, na tentativa de encontrar soluções para que a gente dê tranqüilidade ao povo do Rio de Janeiro. Você sabe que a segurança pública do Rio de Janeiro e dos estados é uma coisa do estado, o governo federal só pode participar fazendo acordos com os governos estaduais, ele não tem como fazer porque, senão, significa fazer intervenção no estado. Nós criamos uma força especial de policiais do Brasil inteiro treinados, possivelmente seja parte da Polícia Militar mais qualificada que está à disposição do nosso Ministro da Justiça e da Secretaria Nacional de Segurança Pública, e na medida em que o governo do Rio de Janeiro entender que essa polícia pode ficar no Rio de Janeiro, nós mandaremos, como mandamos para Vitória e ajudou a solucionar o problema do Rio de Janeiro.

Eu estou convencido de que a segurança pública hoje, não é problema de um prefeito, de um governador. É preciso que haja uma junção de todos os entes federativos para que a gente possa, conjuntamente, começar a sonhar a diminuir com a criminalidade no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas Gerais, em quase todo o território nacional. Talvez no Rio de Janeiro apareça mais porque o Rio de Janeiro é um centro muito importante no nosso país, mas tem muitos outros lugares com violência e nós precisamos trabalhar juntos para que a gente possa resolver definitivamente esse problema de segurança.

Eu sei que a nossa Secretaria está fazendo acordo com os governos dos estados, eu sei que nós estamos trabalhando conjuntamente, informatizando a Secretaria de Segurança Pública, informatizando a Polícia Federal, para que a gente trabalhe de forma mais científica, trabalhe de forma mais inteligente e não trabalhe como se trabalhava há 10, 12 ou 20 anos porque o crime, hoje, é mais sofisticado, o crime, hoje, é uma coisa mais profissional. O narcotráfico, o crime organizado tem seu braço político, tem seu braço no Judiciário, tem seu braço internacional, tem seu braço no empresariado, não é mais aquele ladrão que nós estávamos acostumados a ver pegar.

Por isso, é preciso essa sofisticação e posso lhe dizer que o ministro Márcio Thomaz Bastos está fazendo um forte esforço para que a gente dote a nossa polícia de mais capacidade, de mais inteligência e que ela esteja munida dos mecanismos necessários para ser mais eficiente. E você tem acompanhado que a Polícia Federal tem desbaratado muita coisa neste país, e vai continuar sendo assim, cada vez mais prendendo mais gente.

Eu espero que, uma dia, não precise prender, que a gente não tenha mais tanto bandido no Brasil.

Jornalista Augusto Nunes, do Jornal do Brasil. Presidente, o senhor declarou há poucos dias que não têm consciência os brasileiros que se sujeitam ao pagamento de juros de 8% sobre as quantias que excedem o limite do cheque especial. Essa é, basicamente, a taxa, essa taxa de 8% é basicamente a mesma em todas as instituições financeiras, incluídas as controladas pelo governo federal. Pergunto: por que o governo não toma providências para que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal reduzam, sensivelmente, essa taxa, para que os brasileiros possam sair do comodismo e buscar bancos que realmente ofereçam vantagens?

Presidente
: Meu caro Augusto, eu acho que nós fizemos mais do que isso, muito mais do que isso. Você deve estar acompanhando um forte crescimento de dinheiro que está entrando no mercado de consumo por conta do crédito consignado no nosso país. Nós chegamos a 13 bilhões e meio o ano passado; estamos certos que atingiremos 20 bilhões, que o Banco do Brasil agora até estendeu aos aposentados que podem pegar esses juros a 1,50% ao mês, é o juro mais barato, ou seja, certamente os juros diminuíram no crédito consignado acima de 50% dos juros colocados no mercado.

E você vai perceber que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, embora sejam bancos públicos, funcionam como se fossem bancos privados, para muitas coisas; não funcionam para o crédito agrícola, não funcionam para o Pronaf, não funcionam assim para o crédito consignado. E mesmo no cartão de crédito, que é onde eles cobram mais, eles cobram mais barato do que alguns bancos.

Não sei se você assistiu o debate que eu fiz, Augusto, eu citei um exemplo, eu citei o Unibanco, eu não podia falar banco aqui, por isso que... Mas um banco reduziu a taxa, na expectativa de que os clientes dos outros bancos saíssem para ele. E ele ficou muito chateado porque não saíram, ou seja, ou a propaganda não foi correta ou não é tão simples fazer uma pessoa se mover para que ela troque de banco. Nós, agora, fizemos um acordo na Previdência, em que o aposentado não precisa tomar dinheiro emprestado no banco em que ele tenha conta, ele vai tomar dinheiro emprestado em qualquer banco, porque a conta dos bancos, a conta da Dataprev estará conectada com os bancos, e o banco vai saber, em tempo real, o cidadão que pegou dinheiro, portanto, vai descontar na folha de pagamento.

Eu digo sempre, e tenho pedido, em todos o debates que eu faço, para que os comerciantes em cada cidade se organizem em cooperativas. Até porque eu tenho um sonho de transformar o Brasil no maior país cooperativado do mundo, porque eu conheço algumas regiões, em que prevalecem as cooperativas, que se desenvolveram muito, as pessoas são mais solidárias, as pessoas não precisam trocar uma duplicata de 30 mil reais num banco, porque o banco cobre em função do direito de pagar ou não. E eu trabalho fortemente para que a gente se organize e, quem sabe, se um dia, ao invés de fazer por decreto, que não é uma coisa simples... Não sei se você acompanhou a Constituinte, o deputado Gasparian lutou durante dois anos para que a gente conseguisse aprovar os juros de 12% na Constituinte, ou seja, não só não conseguimos, como aquilo era uma guerra diária no Plenário.

Eu penso que, ao invés da gente ficar brigando, a gente deveria ir criando formas de organização, criando as alternativas para que, um dia, o banco perceba que ninguém está indo lá buscar dinheiro, aí ele nos procure, dizendo "olha, eu estou oferecendo um juro mais baixo para vocês". Isto já está acontecendo com o crédito consignado, que talvez tenha sido a maior revolução bancária que aconteceu nesses últimos anos no Brasil. O trabalhador deixou de pegar dinheiro com agiota, deixou de pagar 8.5% no cartão de crédito, deixou de pagar o cheque especial, e agora ele vai e pega dinheiro com contrato feito com o sindicato e com os bancos, tanto da CUT, quanto da Força Sindical.

Só um esclarecimento mesmo: o senhor considera possível, especificamente sobre o cheque especial, o senhor considera possível uma redução sensível, repito, por parte da Caixa Econômica e do Banco do Brasil ou não?

Presidente
: Eu acho que já está mais baixo do que os bancos privados. E eu acho que temos que trabalhar para que eles baixem mais. Você sabe que, quando eu ganhei meu primeiro cheque especial, em 1976, eu achei que o banco gostava de mim. Me deram um cheque especial e eu achei que eu era um cliente especial. E, um belo dia, a minha mulher foi comprar um sofá, e comprou um sofá que extrapolou o limite de meu cheque especial. E eu tinha meu fundo de garantia nesse banco e, de repente, percebi que, do dinheiro que eu tinha no fundo de garantia, eu recebia um pouquinho assim de juros e, do que eu consegui extrapolar no limite da minha conta, eu estava pagando 10% de juros. Então, eu consegui perceber que nós precisamos, nós sociedade, não é ficar esperando apenas que o governo faça.

Eu, enquanto cidadão, se tiver um cartão de crédito, não posso deixar estourar, porque se eu deixar passar a data de vencimento, eu vou pagar um juro que eu não posso pagar. E se eu não conseguir pagar em um mês, eu não consigo pagar no terceiro, não consigo pagar no quarto. É por isso que os bancos colocam uma taxa de juros alta, para poder colocar na conta dos bons pagadores aquilo que ele perde com a inadimplência das pessoas que não podem pagar. E, na minha opinião, nós só vamos mudar isso na medida em que o povo começar a agir com mais cobrança, não apenas que o governo faça --o governo pode fazer, pode brigar para fazer, pode mandar projeto de lei --mas a sociedade, por si só, pode ir reeducando o sistema financeiro brasileiro para entender que nós somos um país capitalista, que precisamos ter dinheiro em circulação, e que o nosso povo precisa --quando precisar --ter direito a um empréstimo a juros condizentes com a sua possibilidade de pagar.

Jornalista Cristiano Romero, do Jornal Valor Econômico: O senhor disse, agora, que deposita total confiança no ministro Palocci, que o senhor e ele são como unha e carne. O ministro Palocci já explicitou que um dos sonhos dele é formalizar a autonomia que o Banco Central tem hoje. Ele considera que isso pode reduzir o risco político e provocar uma redução imediata nas taxas de juros que hoje o Banco Central pratica. Eu queria saber do senhor o seguinte: se esse é apenas um sonho, ou seja, a formalização, a independência do Banco Central, é apenas um sonho do ministro Palocci, ou é um projeto do governo Lula, ou seja, um projeto do senhor para este mandato ou, possivelmente, para o próximo.

Presidente
: Cristiano, eu posso lhe garantir que o Palocci não me conta todos os sonhos dele. Certamente alguns ele guarda para si e não me conta. Deixe eu lhe dizer uma coisa. Primeiro, o Banco Central tem muita autonomia no meu governo, muita autonomia. Eu sei que no Senado Federal começou uma discussão que eu acho que deva ser assim, vamos deixar o Congresso Nacional discutir, vamos fazer com que os especialistas do Brasil discutam e se, em algum momento, entenderem que a autonomia do Banco Central pode dar no resultado que você disse, que o Palocci disse que dá, de que a autonomia vai fazer baixar os juros, ora, eu seria louco se não fizesse. Agora, na teoria, a prática é outra, ou seja, ninguém pode garantir que a autonomia, por si só, resolva o problema do Banco Central. Eu sei que na maioria dos países do mundo o Banco Central tem autonomia. Eu não faço disso uma profissão de fé e tampouco uma questão ideológica. Eu acho que a questão do Banco Central não pode ser tratada do ponto de vista do debate político e ideológico que se dá na sociedade; ela tem que ser tratada do ponto de vista técnico, com especialistas, para que as pessoas possam efetivamente não ver o Banco Central vulnerável e, a cada dia, alguém fazer um discurso pedindo a cabeça do Banco Central ou de um funcionário do Banco Central, porque aí você passa muito mais desconfiança, vai gerar muito mais vulnerabilidade ao comportamento do Banco Central. Agora, vamos esperar esse debate.

Eu não faço disso uma peça de campanha, uma determinação de Programa. Se chegar, no momento certo, a partir dos debates que estão se iniciando, de que isso é possível e que isso melhora, eu não vejo por que não fazer. Mas pode ser que cheguemos a uma posição diferenciada. E aí nós temos que trabalhar, qualquer que seja a autonomia ou não do Banco Central, trabalhar para que ele possa fazer cada vez mais e cada vez melhor, para que a gente tenha os juros cada vez mais baixos e para que os juros não sejam o único instrumento de controle da inflação. Não pode ser a taxa de juros para conter a demanda, o único motivo. Nós precisamos criar outros mecanismos.

Nós, agora, fizemos uma experiência com a alíquota do aço, que nós zeramos para que a gente possa facilitar a exportação, a importação do aço. Muitas vezes, um acordo dessa natureza tem que passar pelo Mercosul. Então, as coisas não são tão simples como eu gostaria que fossem, mas nós estamos procurando outros mecanismos para que a gente possa controlar a inflação, porque o objetivo básico, além de garantir que haja crescimento da economia no Brasil, e eu tenho a convicção de que vai se repetir o resultado importante do ano passado, é a gente garantir que a inflação não volte, porque na hora em que a inflação começar a crescer, se ela chegar a dois dígitos, a experiência do Brasil já mostra: ninguém segura, de dez para quinze vai num passo, de quinze para vinte, vai em outro. Vocês estão lembrados que se nós não tivéssemos sido duros em 2003, possivelmente teríamos chegado a uma inflação de 30%. Sair de quase 17% para 7%, eu penso que foi um passo extraordinário que deve ser reconhecido por todos aqueles que, minimamente, entendem de economia no Brasil.

Jornalista Tânia Monteiro, do O Estado de São Paulo. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan, declarou recentemente que o governo, infelizmente, não trabalha em equipe. Eu queria saber se concorda com ele e o que se pode fazer para chegar a uma sintonia fina? E gostaria de saber, também, se o Supremo Tribunal Federal decidir abrir investigação contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, se o governo vai substituí-lo imediatamente para evitar um tumulto no mercado, na economia, e se a chegada do Murilo Portugal na equipe econômica já é um primeiro passo nessa substituição?

Presidente
: Olha, Tânia, vamos começar dizendo a você que o Supremo Tribunal Federal tem todos os poderes e não cabe ao Presidente da República tomar nenhuma decisão de crítica a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Ora, se o Supremo Tribunal Federal abrir uma investigação, é uma investigação. Eu só posso tomar uma atitude quando houver uma conclusão. O que quero para mim, eu faço para os outros. Eu não quero ser julgado antecipadamente, eu quero que me dêem o direito de defesa. O fato de o Supremo começar a investigar, pode chegar no final e concluir que todas as coisas que foram levantadas contra o Presidente do Banco Central não tem procedência. Se eu tiver tirado antes, eu terei criado um problema político desagradável, porque julguei antecipadamente uma pessoa. Então, vamos esperar a decisão do Supremo Tribunal Federal.

A segunda, com relação ao ministro Furlan. Eu não sei qual o contexto que o Furlan disse isso, porque o Furlan é um dos companheiros que trabalha em equipe. Eu tenho feito questão de elogiar, sempre que possível, o trabalho conjunto do Ministério das Relações Exteriores, o trabalho do Ministério da Agricultura e o trabalho do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, porque são os três ministros que mais têm ação de política internacional para vender e para comprar coisas do Brasil.

Eu confesso que, como o Furlan nunca se queixou para mim disso, às vezes as pessoas preferem contar para os jornalistas do que para mim mesmo. Eu agradeço ficar sabendo pela tua boca e vou perguntar para o Furlan qual é o problema de falta de sintonia que existe entre eles. Até porque, vejam, nós criamos no governo as Câmaras Setoriais coordenadas pela Casa Civil e o companheiro Furlan participa de forma assídua nessas Câmaras, talvez seja um dos ministros que mais participe dessa Câmara porque trata a questão de exportação, porque trata a questão do desenvolvimento. Agora, se está havendo um desentendimento como de vez em quando existe na seleção brasileira, de vez em quando os dois Ronaldinhos não se entendem, um não passa a bola para o outro, isso não quer dizer que não haja... que os dois não estejam jogando para o mesmo lado.

Como eu acho que o Furlan é um extraordinário ministro, junto com o Celso, com o Roberto Rodrigues e os outros meus companheiros eu, até por curiosidade, vou perguntar para o Furlan qual é a falta de sintonia que está havendo, para a gente corrigir se houver um problema dessa ordem.

Jornalista Zileide Silva, da TV Globo. Presidente, com a vitória do presidente Severino Cavalcanti, a Câmara passou a andar num ritmo bastante lento e o senhor já enfrentou pelo menos duas importantes derrotas lá: a da Medida Provisória 232 e a da LOAS, a Lei Orgânica de Assistência Social. Eu gostaria de saber, Presidente, se o senhor se arrepende de não ter pedido ou mesmo exigido maior empenho de todos que participaram naquele processo para eleger um aliado do senhor e como o governo está administrando o prejuízo de não ter um aliado na Presidência da Câmara?

Presidente
: Primeiro o Severino é meu aliado.

O senhor acha?

Presidente
: O partido dele faz parte da base de sustentação do governo. Segundo, o Severino foi eleito presidente da Câmara concorrendo e cumprindo exatamente as regras existentes na Câmara para que alguém pleiteasse ser presidente. Sorte dele que ganhou e azar de quem perdeu. Aquilo é um jogo, muitos poderiam ser candidatos, ele foi e ganhou. Não estava previsto nos prognósticos dos cientistas, dos analistas, dos matemáticos, mas ele ganhou.

O Presidente da República não escolhe quem deva ser o Presidente da Câmara, o Presidente da República estabelece política de convivência democrática com o presidente da Câmara, qualquer que seja o partido a que ele pertença e qualquer que seja o discurso que ele faça todo santo dia.

O Presidente da Câmara tem o poder de conduzir o Poder Legislativo e fazer com que as coisas aconteçam da melhor forma possível. O Presidente da República tem a obrigação de governar o Brasil. O fato de nós perdermos uma ou outra coisa no Congresso Nacional... deixa eu lhe contar uma coisa: eu sou grato ao Congresso Nacional por tudo que nós conseguimos fazer nesses dois anos de governo.

O Congresso Nacional aprovou coisas extremamente importantes, coisas que estavam aí há anos, rolando, como a reforma do Poder Judiciário, como a reforma tributária, como a reforma da Previdência, ou seja, foram coisas que mudaram bastante e que o Congresso Nacional aprovou, sempre por maioria, sempre com muito debate, sai o debate da Câmara, vai para o Senado, do Senado volta para a Câmara, aprovou um projeto de biossegurança.

Veja, a Medida 232 teve toda a polêmica que teve, mas no "frigir dos ovos", foi aprovada a razão pela qual ela foi criada, que era atender a um apelo dos trabalhadores. Ou seja, se nós não conseguimos fazer com que a Receita Federal visse aprovadas algumas coisas que ela entendia que eram importantes para a tributação no Brasil, o essencial foi aprovado, que era a questão dos trabalhadores brasileiros que estão contemplados.

A questão da LOAS não foi aprovada ainda, a posição da comissão, eu penso que as pessoas saberão tratar condignamente, porque na hora em que você aprovar um benefício, você tem que olhar o que você tem em casa.

Eu volto a repetir uma coisa que eu digo todo dia,não me canso de dizer, pode alguém fazer crítica: "mas o Presidente está com aquelas metáforas que todo mundo já conhece". Mas é para repetir mesmo, é para repetir. Eu vejo os canais de televisão todo dia fazerem propaganda deles mesmos, a mesma durante anos. É importante que façam para a gente saber em que canal a gente está. Eu trato essas coisas sempre como eu trato a minha vida quotidiana, sempre. Ou seja, quando se aprova uma lei no Congresso Nacional, você tem que dizer que você vai gastar tanto, e de onde vai sair o dinheiro para você gastar, porque quando alguém, na minha casa, deseja uma coisa, temos que dizer de onde vai vir o dinheiro para comprar. No país, tem que ser do mesmo jeito. Ninguém pode aprovar gasto sem aprovar a fonte de receita. É, no mínimo, um absurdo, principalmente nesse instante, em que demos uma demonstração de que estamos levando a sério o fato de limitarmos os gastos em 16% do PIB no Projeto de LDO que mandamos para o Congresso, nos próximos três anos, ou seja, ao limitar a nossa receita em 16% e o nosso gasto em 17%, nós vamos ter, cada vez mais, que ter dinheiro para diminuir os tributos no Brasil e cada vez mais dinheiro para fazer investimentos que possam gerar mais crescimento econômico para o país. É assim que tem que funcionar, e eu penso que o Severino será um colaborador nisso. Tem problema na relação política dentro do Congresso? Se tiver, é um problema que os partidos vão ter que resolver. Eu não quero, em nenhum momento, confundir o papel que cada partido tem, que tem seu líder dentro do Congresso, com uma ação do governo.

O governo vai continuar fazendo aquilo que precisa ser feito para a boa governança de nosso país. Como eu digo todo dia, nós estamos em um momento auspicioso do nosso Brasil, nós temos a chance histórica de fazer com que o Brasil tenha um ciclo de crescimento duradouro, que possa demorar 15 ou 20 anos, que não seja apenas uma aventura como tantas em que o povo brasileiro já entrou, e nós achamos que o Congresso Nacional já é, e pode continuar sendo, um grande parceiro para que tenhamos solidez na nossa economia, para que possamos fazer mais distribuição de renda, para que possamos crescer um pouco mais. É assim que eu penso a Câmara, é assim que eu penso o Senado, e é assim que eu me relaciono com o Presidente da Câmara, é assim que eu me relaciono com o Presidente do Senado.

Jornalista Roberto Maltichik, Rádio Gaúcha: Bom dia, Presidente. Eu falo em nome da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, mas a pergunta tem o sentimento das outras rádios que cobrem o Planalto: a Bandeirantes, Católica, CBN, Eldorado, Guaíba, Itatitaia, Jovem Pan, e também a Rádio Tupi. Presidente, o senhor foi eleito com a tarefa de melhorar a vida da população brasileira, de dar melhores condições à população. Mas o que se vê é que o comprometimento do governo, em termos financeiros, é muito maior com o pagamento de dívidas, com o sistema financeiro. Por mês, o governo gasta, com o pagamento de serviço de dívida, mais do que todo o investimento em infra-estrutura do ano. E eu gostaria de saber se, na avaliação do senhor, a realidade da população brasileira, hoje, pode esperar esse processo, essa divisão de valores, e como é que o senhor sente essa realidade. O senhor dorme bem com isso?

Presidente
: Primeiro, bom dia, Roberto. Olha, Roberto, não só durmo bem, como acho que você também dorme bem. Com a consciência tranqüila, de que estamos fazendo as coisas que podem e que devem ser feitas no Brasil. Eu vou lhe dar alguns dados para você fazer uma reflexão quando você for dormir hoje. Nos oito anos do governo anterior, a média de emprego gerada por mês, era de apenas oito mil empregos. Nos nossos dois anos, a média de emprego gerada, com carteira profissional assinada, é de 91 mil empregos, onze vezes mais empregos, gerados a cada mês, do que nos oito anos do governo anterior. Isso é uma melhora significativa para o povo. Outra melhora significativa para o povo, Roberto, é o crescimento do salário mínimo, que eu acabei de dizer agora.

Em 2003, você podia comprar 1.2 cesta básica por salário mínimo. Você vai poder comprar duas agora, a partir de 1º de maio, com o reajuste do novo mínimo para R$ 300,00. É uma melhora substancial. É uma melhora substancial a indústria brasileira ter tido o maior crescimento dos últimos 18 anos. É uma melhora substancial o programa Bolsa Família, que está atendendo a 6 milhões e 700 mil famílias, garantindo a essas pessoas que não tinham direito à comida, terem comida. É uma melhora substancial a aprovação do Estatuto do Idoso que deu mais direito à aposentadoria a pessoas que não contribuíam, a deficientes.

Praticamente, hoje, investimos quase 3 bilhões de reais nesse programa.

É melhoria da qualidade de vida quando a gente consegue colocar, em apenas um ano e meio, 112 mil adolescentes na universidade quando, historicamente, ao longo dos últimos anos, nas universidades federais só se renovava 124 mil vagas por ano. E nós colocamos, além das 124 mil, 112 mil com a criação do ProUni.

Obviamente que a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro, a gente tem um superávit comercial de 36 bilhões de dólares e isso nos permitiu romper amigavelmente com o FMI. É melhoria da qualidade de vida a gente perceber que a média per capita do povo brasileiro cresceu 3,7% ano passado. Obviamente, Roberto, que você sabe, como cristão que é, que não dá para a gente fazer, eu não tenho varinha mágica, lamentavelmente não tenho, espero que na outra encarnação eu tenha, para poder, com um toque de mágica, melhorar, fazer com que todo mundo ganhe muito dinheiro, com que todo mundo possa melhorar de vida.

Mas o que nós estamos fazendo são passos muito sólidos, muito tranqüilos, sem perder a cabeça um único minuto para que a gente possa ser julgado, em qualquer momento histórico, em qualquer governo, das coisas que foram feitas. Eu vou lhe dar um exemplo, até mudando alguns sinais que no Brasil são corriqueiros. Tudo que a gente faz para os pobres é contabilizado como gasto. E nós queremos contabilizar como investimento. É investimento aumentar a merenda escolar, é investimento contratar professores, é investimento em apenas dois anos recuperar 75% da defasagem do dinheiro das universidades federais, é investimento o Bolsa Família, é investimento o Estatuto do Idoso, é investimento o Brasil Sorridente, que vai criar 400 centros de saúde bucal neste país para garantir aos pobres que tenham o direito de ir a um dentista.

Então, eu durmo com a minha cabeça tranqüila, durmo o sono dos justos todo santo dia, sempre com a preocupação de que eu preciso fazer mais, mais e cada dia mais, porque o desejo de fazer é insaciável da minha parte, muitas vezes limitado por circunstâncias que não dependem da minha vontade.

Eu queria só dar um dado, quando nós começamos e determinamos fazer uma forte política internacional, muita gente dizia: "o que vai fazer na África? O que vai fazer na América do Sul? O que vai fazer no mundo árabe?" Se você pegar os dados do Banco Central hoje, você vai perceber o quê? Que o nosso comércio exterior com a África aumentou as nossas exportações em 45%; o comércio exterior com a América do Sul aumentou 58%; o comércio com o mundo árabe aumentou 50%. É por isso que nós, em março, pudemos comemorar de forma extraordinária o feito inédito do Brasil chegar a 102 bilhões de dólares de comércio exterior. É um fato inusitado e vou trabalhar para chegar a 112, depois para chegar a 120 e, quem sabe um dia, o Brasil tenha um saldo comercial tão grande que a gente não tenha nenhuma vulnerabilidade e que o risco-Brasil seja zero.

É para isso que eu trabalho, meu querido.

Jornalista Fábio Pannunzio, da TV Bandeirantes: Hoje, o senhor está completando 850 dias aqui, à frente da Presidência da República, e essa é a primeira oportunidade desse tipo de debate, que a gente espera que se repita muitas vezes. Talvez por isso as perguntas se reportem tanto, ainda, à fase da campanha, essa coisa toda. E eu gostaria de saber: o senhor acabou de enumerar aqui uma série de qualidades do seu governo que, de vez em quando, o senhor reclama que nós, jornalistas, não observamos. O senhor tem feito uma crítica muito contundente à nossa atuação. Eu gostaria de saber do senhor o seguinte, aproveitando aqui a sugestão de um companheiro nosso: o governo também erra?

Presidente
: Muito.

E quais são os três maiores erros do governo que o senhor assume responsabilidade sobre eles, pessoalmente?

Presidente
: Olhe, é difícil reconhecer um erro num governo que acerta tanto. Mas eu vou dizer alguns erros.

Levantou, aqui, um companheiro, antes, que fez a pergunta, de que possivelmente tenha sido um erro do governo não ter tido uma participação maior na sucessão na Câmara. Possivelmente tenha sido. Foi a Zileide que perguntou, como a história vai perguntar se foi ou não.

Nós não conseguimos fazer as obras nas rodovias brasileiras que eu gostaria de fazer e que conheço desmandos desde 1992, quando percorri 90 e poucos mil quilômetros nas caravanas da cidadania. Possivelmente seja uma coisa muito forte. E, segundo, que eu acho que pode ter sido um erro nosso, é a gente ainda não ter feito com que os juros não sejam o único padrão de controle da inflação. Possivelmente eu possa fazer isso, que é uma busca que eu ainda não consegui.

No máximo, eu acho que pode ter outros erros que, possivelmente... você não sabe aquela história que o pai nunca vê o defeito do filho? Para o pai, o filho é o melhor da classe, é o melhor da rua, é o melhor jogador, é o melhor em um monte de coisas. Só quando ele conversa com alguém de fora é que ele fica sabendo dos defeitos do filho. Possivelmente a gente tenha muitos defeitos, que eu espero que vocês descubram, que vocês publiquem, que vocês falem para a gente poder ir consertando as coisas, porque são 8 milhões e meio de quilômetros quadrados, mais de 180 milhões de habitantes e, quem sabe, uns milhares de problemas que nós temos que resolver neste país.

Eu acho, meu querido Fábio, que eu não conheço um político que não se queixe da imprensa. Não conheço. Você é capaz de chegar num político da oposição, ele está se queixando da imprensa, e você chega num da situação, ele se queixa da imprensa. Eu nunca vi alguém dizer: "não, essa aí está fazendo o meu joguinho." Nunca vi. Eu já vim aqui, já vi o presidente Itamar se queixar, já vi o presidente Sarney se queixar, já vi o Fernando Henrique Cardoso se queixar, já me queixei, já vi tanta gente se queixar; e você vai para a oposição é a mesma coisa. "Não, porque a imprensa só fala do governo, a imprensa não sei das quantas, o governo."

Eu, no fundo, acho que a imprensa é um bom remédio para a gente consolidar a democracia em qualquer país do mundo, para fiscalizar a administração pública municipal, estadual ou federal. E por mais que você não goste, sem ela nós não teríamos democracia. E nos momentos históricos em que não tivemos ela, todos nós sabemos o que pagamos de preço.

Jornalista Cristiane Jungblut, do Jornal O Globo. O senhor acabou de dizer que os juros não podem ser o único mecanismo de combate à inflação. Eu gostaria de saber que outras medidas o governo poderia estar estudando para ter esse controle da inflação, além da medida de colocar dinheiro no mercado através de crédito consignado e microcrédito que o senhor colocou?

Presidente
: Uma vez, Cristiane, eu ouvi de um homem mais sábio do que eu a seguinte frase, ele me dizia: "Lula, nem tudo que você pode fazer na economia, você pode avisar antes, porque se avisar não faz." Esse homem foi o doutor Ulisses Guimarães quando era Presidente da Constituinte, e a gente discutia a política econômica do governo Sarney naquela época.

Eu estou convencido de que os juros não podem ser o único instrumento para controlar a inflação, se for assim, nós passamos muita responsabilidade para o Banco Central e tiramos das nossas costas a responsabilidade, das costas do governo e das costas da sociedade. Também não vou fazer como já foi feito neste país, e vocês já viram, porque aqui eu estou vendo alguns jornalistas de cabelo branco, que têm mais ou menos a minha idade, que participaram ativamente das coberturas jornalísticas daquela época.

Vocês já viram gente, em nome de controlar a inflação, levantar a bandeira de fiscalizar supermercado, muito recentemente em governos passados no Brasil, vocês já viram helicópteros sobrevoando o interior de São Paulo procurando boi, porque era preciso controlar a carne. Nós não vamos fazer isso.

Eu, possivelmente, se tivesse 30 anos, adoraria uma pirotecnia, mas aos 59 anos de idade, de barba e cabelo branco, eu prefiro fazer as coisas com o melhor senso possível. Veja, o governo determina uma meta de inflação, não foi o Banco Central que determinou, foi o governo. O governo determinou e o Banco Central tem que buscar essa meta de inflação. Para buscar essa meta de inflação, o Banco Central só tem um mecanismo: o aumento da taxa de juros.

Para quê? Para conter a demanda, para diminuir o consumo e para diminuir o preço. Isso em razão do quê? Em razão de que no Brasil, nós temos determinados setores empresariais, e não todos, que ainda têm a mentalidade de que, na hora que o consumo começa a crescer, que ele começa a vender mais unidades, que ele deveria portanto baixar o preço porque vai ganhar por unidades, ele tenta recuperar o que ele não ganhou nos anos anteriores, aumentando o preço porque o seu comércio está bem, porque o seu produto está vendendo bem quando, na verdade, o consumo aumenta, o preço reduz, porque ele vai ganhar pela quantidade de unidades que ele vende e não ganhar como se estivesse tendo que aumentar porque está produzindo pouco. Então é preciso ganhar mais porque estão vendendo menos unidades.

Bem, eu tenho dito isso publicamente, ou seja, nós demos um exemplo. Faz um pouco mais de um mês, o ministro Palocci, o ministro Furlan se reuniram e decidiram reduzir a alíquota de importação do aço, havia muita queixa, vocês publicavam muitas matérias de que o aço está subindo 60% e a indústria automobilística se queixa. Aumentou demais o aço e nós reduzimos a alíquota para ver se a gente consegue regular.

Em alguns produtos você pode utilizar isso, mas nós participamos de um mercado maior do que o Brasil, que é o Mercosul. Nós temos regras impostas na OMC, portanto, as coisas têm que ser feitas com mais cuidado. Eu só queria dizer, Cristiane, que nós temos essa preocupação. Essa preocupação é a primeira do ministro Palocci, essa preocupação é dos homens do Banco Central e das mulheres do Banco Central. Essa preocupação é minha, essa preocupação deve ser do povo brasileiro. Vamos trabalhar para que isso aconteça. Agora, não vamos brincar com coisas que podem causar muito prejuízo a este país.

Não faz muito tempo, Cristiane, eu vi neste país as pessoas pobres irem dormir achando que eram ricas porque acreditavam que todo mundo ia ter a mesma quantia de dinheiro no banco, manchetes em todos os jornais. Eu conheço um dirigente sindical que disse o seguinte: agora o Brasil está bom porque eu tenho a mesma quantia em dinheiro no bando que tem o doutor Roberto Marinho. Alguns dias depois, nós descobrimos que não era verdade, que alguns foram mais amigos do que outros, que alguns puderam tirar o seu dinheiro e fazer tudo que quisesse fazer, enquanto os trabalhadores continuaram penando.

Conheço outros momentos históricos em que pessoas foram dormir devendo um e acordaram devendo quatro. Nós não queremos fazer isso Cristiane. Eu estou disposto --você percebe que eu tenho as costas largas; isso é coisa de nordestino que não morreu antes de completar cinco anos de idade, ele vai ficando tarracudo assim --, eu não pretendo permitir que, em função de um ano eleitoral que se aproxima, em função da leviandade dos discursos falsos de alguns, que eu tome qualquer atitude que coloque em risco o que nós, a duras penas, construímos até agora. Até porque não estou querendo construir um Brasil para mim. Eu já vivi a minha parcela de vida no Brasil. Eu estou querendo construir um Brasil para aqueles que ainda não vieram ao Brasil, para aqueles que não nasceram e que vão nascer, para os meus netos, é esse Brasil que eu quero construir. E eu não quero que o Brasil tenha mais aquele modelo econômico "pulo de galinha". Eu quero que tenhamos uma coisa sólida, forte, uma coisa que possa dizer "o Brasil vai crescer, agora por 15 ou 20 anos seguidos; o Brasil vai aumentar a sua política de comércio exterior; o Brasil vai exportar mais; o Brasil vai importar mais, porque também nós temos que importar mais; o Brasil vai estabelecer uma relação muito forte com países que tenham similaridade com o Brasil". É esse sonho que eu tenho, e é isso que eu quero construir, e eu acho que nós vamos construir, certamente, do jeito que estamos fazendo, aprimorando uma coisa ou outra, mas eu acho que nós estamos no caminho certo.

Jornalista Marta Salomon, do jornal Folha de S. Paulo: Bom dia, Presidente. O senhor acabou de nos expor aqui a angústia com os juros altos, e lembrou que o Banco Central busca metas de inflação que o próprio governo definiu, ou seja, o governo tem essa responsabilidade, o Banco Central busca, então, cumprir essas metas. Eu pergunto se o senhor considera uma brincadeira discutir mudanças nas metas de inflação, como defendem alguns de seus aliados, como o líder do governo no Senado. O senhor acha que essa discussão é tola, ou o senhor acha que essa discussão pode seguir adiante?

Presidente
: Marta, primeiro bom dia, querida. Olhe, eu não posso dizer que seja brincadeira alguém querer discutir a meta de inflação no momento em que formos discutir a meta de inflação. O dado concreto é que temos uma meta de inflação, que era de 4,5 e passou para 5.1.

Essa meta tem uma banda para mais e para menos, e nós, ao invés de fazermos como aquele aluno --para não falar dos outros, vou falar dos meus filhos. Os meus filhos falam assim para mim: "pai, eu estou precisando de três para fechar, mas se eu tirar um agora, um depois e um depois, eu fecho". "Por que não tira logo os cinco que tem que tirar, meu filho?" Nós temos que procurar o centro da meta. Mesmo procurando o centro da meta, é difícil, porque a pressão é muito forte. Você sabe, Marta, que no Brasil o controle da inflação de hoje tem coisas que não tinha há 21 anos atrás, há 30 anos atrás. Mas você sabe que hoje, você tem uma parte dos preços dolarizados. Você sabe que você tem uma parte dos preços com contratos feitos há algum tempo atrás, no setor de telefonia, no setor energético, no setor de telecomunicações, sobretudo.

Ou seja, que você precisa fazer acordos, se você quiser mudar do IGPM para o IPCA, você tem que fazer acordos, muita conversa, muita reunião. Você tem, às vezes, esse aumento de produtos que poderiam estar mais baratos, mas que as pessoas aumentam. Mas vamos lembrar que nós tomamos várias medidas de exoneração, de importação de máquinas para os portos, de bens de capital, exoneramos parte da cesta básica no nosso país, e isso vai segurando a inflação. Quando eu digo que o governo tem que fazer a sua parte, é porque é muito cômodo eu ficar dizendo que o culpado é o Meirelles, que o culpado é o outro diretor do banco.

Não, o culpado somos nós, que definimos a meta, porque entendemos que é preciso buscar. E eu, cada vez mais, vou querer uma meta de inflação que possa colocar o Brasil no patamar dos países desenvolvidos. Na hora que eu colocar a inflação no patamar dos países desenvolvidos, certamente, nós vamos colocar os juros também no patamar dos países desenvolvidos. Eu estou convencido de que nós vamos conseguir isso. Você sabe que eu sou um homem de muita fé, de muita crença, e que não desisto nunca.

Eu estou convencido de que vamos conseguir isso e o Brasil vai poder viver muito melhor. E as pessoas que acham que têm que procurar outra meta, é uma análise que elas fazem. Quando nós formos discutir, nós vamos juntar um grupo de companheiros, vamos discutir o que fazer e aí pode prevalecer cinco, pode cair para quatro, pode cair para três, pode aumentar para seis. Esse é um assunto que nós vamos discutir em outro momento. Por enquanto a nossa meta é tentar chegar aos 5.1% que nós mesmos determinamos. É isso.

Mesmo que se tenha em risco os investimentos, a meta que o senhor acha que tem que ser perseguida é essa?

Presidente
: Pelo menos para este ano a meta é 5.1%. Vamos perseguir essa meta. Se não conseguirmos é porque não conseguimos, mas perseguimos. E eu acho que se não chegarmos lá, chegaremos bem próximo. O que eu quero é não permitir que a inflação volte a ser o grande ladrão do salário do povo trabalhador deste país.
 

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