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08/08/2005 - 09h04

"Sinto que algumas pessoas não estão dizendo a verdade", diz Mercadante

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JOSIAS DE SOUZA
Colunista da Folha

Na opinião de Aloizio Mercadante (PT-SP), líder do governo no Senado, o caixa dois milionário que está por trás da atual crise política não é obra solitária do ex-tesoureiro do PT. "O Delúbio Soares não pode ser o único responsabilizado. Ele tem um papel relevante, mas é evidente que não é o único responsável", diz o senador. "Sinto que algumas pessoas não estão dizendo a verdade."

Quem, afinal, está por trás de Delúbio? Mercadante evita ser taxativo. Alega que é preciso aguardar o término das investigações. Mas, provocado pela Folha, analisou assim o depoimento do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu ao Conselho de Ética da Câmara: "Eliminou uma série de suspeições. Mas falta o esclarecimento de pontos relevantes sobre a responsabilidade política dele."

Para Mercadante, o presidente Lula está limpo: "É um homem absolutamente íntegro". E José Genoino, ex-presidente do PT, não está sujo como se apregoa: "Ele se omitiu em relação a alguns fatos, mas não tem a responsabilidade que lhe foi imputada."

Mercadante falou no final da tarde da quinta-feira passada. Comparou a "tragédia" petista a "um acidente de carro em que morrem várias pessoas da família." Depois de "chorar muito", é preciso "enterrar os parentes."

Folha - Eleito para mudar, o governo Lula abrigou em sua base parlamentar deputados como Roberto Jefferson (PTB-RJ), José Janene (PP-PR) e Valdemar Costa Neto (PL-SP). Esse flerte com o desastre não poderia ter sido evitado?

Aloizio Mercadante - Chegamos ao Congresso com 13 senadores num universo de 81. Só havia possibilidade de criar condições de governabilidade fazendo alianças.

Folha - Não havia como qualificar as alianças?

Mercadante - Defendi que o aliado estratégico do governo fosse o PMDB, segunda maior bancada na Câmara e primeira no Senado. Mas essa não foi a linha da articulação do governo.

Folha - Na CPI do Collor, o PT denunciava o que gente como Roberto Jefferson tentava esconder. Hoje, Jefferson denuncia o que o PT, enquanto pôde, tentou acobertar. O que levou à inversão de papéis?

Mercadante - Em poucos momentos da história as denúncias foram apuradas com tanto rigor como agora. A percepção da corrupção aumenta porque o combate nunca foi tão efetivo.

Folha - O PT não tentou evitar a instalação da CPI?

Mercadante - CPI é instrumento da minoria. Quando você está no governo e tem instrumentos para investigar, você acredita nesses instrumentos. Mas quando há fato determinado e vontade política no Parlamento a CPI tem que se instalar. E se instalou.

Folha - Como o sr. define a atual crise política?

Mercadante - O PT vive a crise mais profunda da sua história. Não me reconheço na imagem pública que o PT tem hoje. Nunca ouvi falar em Marcos Valério. No entanto, é como se a tesouraria do partido fosse ele. Temos de lidar com essa crise sem descuidar das conquistas obtidas em dois anos e meio de governo Lula: redução da inflação, recuperação das contas externas, sucessivos recordes de saldo comercial, a maior taxa de crescimento dos últimos dez anos, três milhões de empregos com carteira assinada, bolsa família para 7 milhões de famílias. A agenda das CPIs é importante, mas temos de abrir espaço, mesmo nessa conjuntura, para uma agenda de políticas públicas.

Folha - Junto com Valério, Delúbio Soares formou um caixa dois de mais de R$ 50 milhões. Todos, incluindo Lula e Dirceu, dizem que não sabiam de nada. Acha crível que um reles tesoureiro possa engendrar tamanho esquema?

Mercadante - As investigações vão permitir que nós conheçamos toda a história. Eu sinto que algumas pessoas não estão dizendo a verdade.

Folha - Inclui o ex-ministro Dirceu entre essas pessoas?

Mercadante - Não quero fazer um juízo antes que o processo seja concluído. Eu o respeito. Tem 40 anos de vida pública, arriscou a vida pela democracia. Não tinha outra atitude a tomar a não ser arriscar o mandato para defender a sua honra. É o que eu esperava dele. Fez um depoimento consistente [ao Conselho de Ética da Câmara], eliminou uma série de suspeições. Mas falta o esclarecimento de pontos relevantes sobre a responsabilidade política dele.

Folha - O que ainda falta esclarecer?

Mercadante - Quero expor essas questões primeiro para o Dirceu. Acho que ele não deve ver no jornal aquilo que eu gostaria de expor diretamente. Com CPIs funcionando, Ministério Público, PF, TCU, Controladoria, todas as Redações do país, a verdade vai aparecer. Só a partir dela a gente pode andar para a frente. A imprensa vive da criminalização das campanhas. Não abre espaço para uma discussão qualificada, emergencial e indispensável no Brasil.

Folha - Ao assumir o governo, em vez de propor uma reforma política, o PT serviu-se das anomalias do sistema. Não acha difícil discutir normas de combate ao incêndio agora, com a casa em chamas?

Mercadante - O PT deve desculpas ao povo brasileiro. Era exigente com os outros. Terá que ser exigente consigo próprio. Não mudamos tudo o que deveríamos, mas o processo não acabou.

Folha - Não se trata apenas de não mudar. O PT praticou o que condenava.

Mercadante - Reconheço. Por isso devemos desculpas. Mas a crise abre espaço para mudança. Não é possível mudar apenas abanando moscas. Tem que remover o lixo. Para além das punições, é preciso mudar o padrão de funcionamento dos partidos, das campanhas e do regime político.

Folha - A propósito da remoção do lixo, permita-me insistir: é crível que Delúbio Soares, com a ajuda de um empresário obscuro, tenha enchido sozinho uma arca de mais de R$ 50 milhões?

Mercadante - Esse mecanismo de pegar empréstimos com Marcos Valério, ancorar em contratos públicos e gastar em eleição nasceu em Minas Gerais, numa campanha do PSDB. O padrão é suprapartidário. Beneficiaram-se dos recursos parlamentares do PMDB, PP, PL, PTB. A crise é sistêmica. Infelizmente, foi nacionalizada pelo PT.

Folha - O fato de o PT estar acompanhado por outros no delito atenua a culpa do partido?

Mercadante - A idéia de que o pecado compartilhado é menos grave não é boa para a democracia. No caso do PT, que sempre se orgulhou de dizer que é diferente, apresentar-se como igual nesse padrão é a derrota das causas que defendi durante metade da minha vida.

Folha - Não é precisamente o que está acontecendo?

Mercadante - Evidente que sim. É algo inaceitável. O partido terá que tomar providências para que não aconteça mais. Mas já aconteceu. É como um acidente de carro em que morrem várias pessoas da família. Uma tragédia. Você chora muito. Mas tem que enterrar os parentes.

Folha - O enterro não está ainda por ser feito?

Mercadante - Mas tem gente que já morreu politicamente.

Folha - Por ora, morreram só Sílvio Pereira e Delúbio Soares, os sem-mandato.

Mercadante - Alguns companheiros estão sofrendo muito. Não é um sofrimento superficial.

Folha - O sr. se refere a José Genoino?

Mercadante - O sofrimento dele, especialmente, é o meu sofrimento. O Genoino, por quem tenho grande apreço e com quem aprendi muito, se omitiu em relação a alguns fatos, mas não tem a responsabilidade que lhe foi imputada. Estou convicto. Ele foi um grande deputado federal, é um grande homem público e vai se recuperar.

Folha - Como o sr. analisa o papel da imprensa nesse processo?

Mercadante - A concorrência que se estabelece nas Redações leva a que matérias não sejam apuradas devidamente. Nem sempre o direito à defesa é respeitado. Reputações ficam definitivamente comprometidas. Também entre os políticos, não pode haver açodamento e partidarismo nas apurações.

Folha - Seu tom atual contrasta com o do Mercadante da CPI do Collor, por vezes acusado de exorbitar.

Mercadante - Seguramente. Há 13 anos eu não tinha a maturidade que tenho hoje.

Folha - Chega a fazer uma autocrítica?

Mercadante - Fiz argüições na CPI de forma pouco respeitosa. O inquirido é uma pessoa vulnerável. E a vulnerabilidade exige consideração. É possível inquirir sem desqualificar. Infelizmente, o deslumbramento e o eleitoralismo acabam se repetindo agora.

Folha - Dizia-se à época do Collorgate que o dinheiro sujo de PC Farias também era coisa de campanha. Verificou-se depois que bancava até gastos da Casa da Dinda. Agora, já ficou constatado que o caixa dois do Delúbio pagou honorários do advogado Aristides Junqueira, parte da festa da posse de Lula e dívidas com agência de Duda Mendonça, o publicitário da campanha. O sr. não receia que Lula, assim como Collor, acabe sendo atraído para o epicentro da crise?

Mercadante - Não vejo comparação entre os dois. São duas histórias e biografias bem diferentes. Na crise atual, a irresponsabilidade foi na gestão temerária das finanças do partido. Honorários advocatícios e despesas da posse são gastos partidários. O erro foi a forma pouco transparente. No caso dos empréstimos para campanhas, a oposição chamou de "Operação Paraguai". Eu pergunto: como qualificar a operação feita pelo PSDB em Minas Gerais? É o mesmo empresário, os mesmos bancos. Se é Operação Paraguai, foi inventada pelo PSDB.

Folha - Não acha que por trás desses pseudoempréstimos, sejam do PSDB ou do PT, há contratos públicos escusos e contribuições clandestinas de empresas privadas?

Mercadante - Dinheiro privado está previsto em lei. Precisamos dar transparência a essa relação. O que não entendo é como um partido que veio para transformar tenha se rendido a essa lógica.

Folha - Devolvo a pergunta: por que o PT se rendeu a essa lógica?

Mercadante - Alguns de nossos dirigentes não respeitaram as instâncias partidárias.

Folha - Que dirigentes?

Mercadante - Os nomes estão aparecendo no processo de apuração das denúncias.

Folha - Mas alguns negam.

Mercadante - Negam para mim também. Vou formar a minha convicção ao final do processo.

Folha - O sr. tem certeza de que o dinheiro sujo de Delúbio não chegou às contas da sua campanha?

Mercadante - A segurança que tenho deriva das informações que recebi dos dirigentes estaduais do partido, que me disseram que os valores estão corretos. Na minha prestação de contas, declarei gastos de R$ 710 mil. Mas o partido declarou R$ 3,470 milhões. Parte dos custos da minha campanha está nesse valor. Só as agências de publicidade, incluindo a do Duda Mendonça, custaram R$ 2,1 milhões. Os comícios com Zezé di Camargo e Luciano também foram de responsabilidade do comitê nacional. As viagens que fiz ao interior do Estado com o presidente foi a campanha nacional que pagou.

Folha - Insisto: o sr. tem 100% de segurança de que não há dinheiro sujo na sua campanha?

Mercadante - Diante de tudo o que tenho visto, coisas das quais nunca tive conhecimento, não posso ter absoluta segurança. Fiz um ofício ao atual presidente do partido, pedindo para apurar o que aconteceu. O Tarso Genro me falou: "Você sabe que eu não tenho essas informações". Ele fez uma representação a todos os diretórios regionais do partido, pedindo apuração.

Folha - Não acha que também a campanha de Lula pode ter sido irrigada com verba de má origem?

Mercadante - É evidente que o risco existe. Por ora, as informações de que dispomos indicam que não houve. Espero que seja assim. Se não for, o partido tem a obrigação de dizer ao país o que aconteceu e tomar as providências legais cabíveis. O único caminho é a transparência e a descriminalização. A crise tem que dar lugar à reforma eleitoral e partidária. As regras precisam ser aprovadas até 3 de outubro, para que possam ser aplicadas já na próxima eleição. Defendo: fidelidade partidária, manutenção da cláusula de barreira de 5% e financiamento eleitoral privado, com transparência total e redução drástica dos custos de campanha.

Folha - O tempo não é curto?

Mercadante - Defendo a instalação de uma comissão suprapartidária na semana que vem, para apresentar proposta em dez dias. No Senado, os líderes com os quais conversei estão empenhados nisso. Vamos dialogar com a Câmara.

Folha - O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, disse que só há dois papéis possíveis para Lula nesta crise: corrupto ou idiota. O sr. cobrou respeito. Não acha, porém, que há mesmo um quê de inépcia no fato de o presidente alegar desconhecimento dos ilícitos praticados à sua volta?

Mercadante - O pronunciamento do Virgílio foi inaceitável, incompatível com a biografia dele. Não sei se o ex-presidente Fernando Henrique ou o governador Aécio Neves sabiam do envolvimento do Marcos Valério com a campanha do PSDB em Minas. Confio no presidente Lula. É um homem absolutamente íntegro. Exigiu apurações rigorosas. Já afastou 43 pessoas. É o que o país esperava que fizesse.

Folha - Permita-me voltar, nesta última pergunta, a uma questão que julgo não respondida: embora não queira mencionar nomes, poderia dizer ao menos se acha que há gente acima do Delúbio Soares em toda essa encrenca?

Mercadante - Seguramente, o Delúbio não pode ser o único responsabilizado. Ele tem um papel relevante, mas é evidente que não é o único responsável. Outros nomes têm aparecido. Ao final do processo, a gente vai saber quais dirigentes estão envolvidos.

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