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30/08/2005 - 09h00

Severino diz que "mensalão" não existe e defende punição branda

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VALDO CRUZ
VERA MAGALHÃES
FÁBIO ZANINI
da Folha de S.Paulo

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), defende a adoção de uma pena mais branda que a cassação de mandato dos deputados que comprovarem o uso de recursos do esquema do publicitário Marcos Valério de Souza no pagamento de dívidas de campanhas eleitorais, mesmo aqueles comprovadamente vindos de caixa dois.

Destacando ser essa sua "posição pessoal, não a do presidente [da Câmara]", Severino negou que esteja à frente de uma operação-abafa para livrar parlamentares da perda de mandato.

Em entrevista à Folha, Severino, 74, disse não acreditar no "mensalão" denunciado por Roberto Jefferson (PTB-RJ). Em sua opinião, o uso de recursos transferidos pelo PT, por meio de Valério, para pagamentos de dívidas eleitorais é "menos grave" que o suposto pagamento em troca de
votos em apoio ao governo Lula.

Para ele, nesses casos "a pena tem de ser uma repreensão, uma outra coisa". Questionado se se referia a uma alternativa à cassação, como suspensão ou advertência, respondeu: "Exatamente. [...] Perfeito, uma censura".

Ao mesmo tempo em que nega ter havido compra de votos de parlamentares no governo Lula, Severino afirma categoricamente que a prática ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso para aprovar a emenda da reeleição.

Severino apresentou também uma nova versão para os saques feitos por João Cláudio Genu, assessor do líder do PP na Câmara, José Janene (PR), nas contas de Marcos Valério. Diz que cerca de R$ 700 mil dos R$ 850 mil retirados pelo assessor foram usados para pagar honorários advocatícios do deputado Ronivon Santiago (PP-AC) --ironicamente, um dos acusados no escândalo da compra de votos da reeleição que Severino agora denuncia.

O pepista disse que não vai segurar os pedidos de cassação que receber e nega que esteja sofrendo pressões de aliados para promover um "acordão".

Folha - O que se comenta reservadamente na Câmara é que parlamentares ligados ao sr. estariam trabalhando em um acordo para reduzir o número de cassações e que o sr. estaria sendo ameaçado.

Severino Cavalcanti - Não é verdade. Nunca ninguém me ameaçou nem sequer falou sobre isso comigo. Tenho minha total independência, não aceito injunções de quem quer que seja.

Folha - Como o sr. analisa a situação de seu partido? O assessor João Cláudio Genu [do líder do PP na Câmara, José Janene] depôs na Procuradoria Geral da República e admitiu que recebia dinheiro que ia para o líder Janene. Ou seja: dinheiro irregular foi dado ao PP.

Severino - O dinheiro que eles receberam, segundo informações que eles me deram há pouco tempo, foi para pagar serviços profissionais de advogados dos processos que existem contra o deputado Ronivon Santiago. O dinheiro que entrou foi para pagar os processos juntamente a esses advogados. Isso vai ser apresentado nas explicações na CPI e no Conselho de Ética. O Genu sacou setecentos e poucos mil reais para isso.

Folha - R$ 700 mil então seriam para pagar honorários advocatícios? E o restante [Genu sacou R$ 850 mil das contas de Valério]?

Severino - Eu não sei. Sei que esse dinheiro foi para pagar um advogado aqui de Brasília. Tem até o nome, endereço, tudo certinho.

Folha - O sr. se lembra do nome?

Severino - Eu não sei o nome, só sei disso aí.

Folha - O sr. acha que é uma conduta adequada sacar dinheiro de um publicitário para pagar honorários advocatícios?

Severino - Foi o PT que deu esse dinheiro ao partido.

Folha - Mas o dinheiro não foi contabilizado.

Severino - Aí houve falha, não há dúvida, de não ter contabilizado.

Folha - Falha de quem?

Severino - De quem recebeu o dinheiro. O menino, Genu, pegou o dinheiro e repassou para alguém, para o Janene, como ele mesmo disse.

Folha - Essa falha justificaria a cassação do líder Janene?

Severino - Isso aí é um processo eleitoral, foi para sustentar o mandato de um deputado. A justificativa que me deram foi esta, e vai ser essa justificativa que vai ser provada.

Folha - O sr. não sente constrangimento de presidir esse processo todo sendo que seu partido está envolvido diretamente?

Severino - Eu não sinto, porque quando era corregedor da Câmara eu cassei o mandato de um deputado do meu partido, Sérgio Naya. O Ronivon mesmo renunciou ao mandato quando o governo de Fernando Henrique Cardoso andou comprando deputado para aprovar a emenda da reeleição e eu pedi para ser inquirido na época do Sérgio Motta.

Folha O sr. acha então que o ex-presidente FHC comprou deputados?

Severino - Claro! Quem comprou foi o senhor Sérgio Motta. Tenho essa convicção porque eles renunciaram ao mandato, e ninguém renuncia de graça.

Folha - O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, também renunciou. Então o sr. acha que o presidente Lula comprou votos?

Severino - Eu estou falando do governo Fernando Henrique, não vamos confundir uma coisa com a outra. Não existe vendedor sem que exista comprador.

Folha - No caso atual, alguns deputados reconhecem que pegaram dinheiro para pagar dívidas de campanha. Qual será a punição?

Severino - Eu acho que não deveria ter sido feito. Então, tem de ter uma punição. Quem vai decidir a punição será o Conselho de Ética e a CPI. Agora uma coisa eu te digo: não irei encobrir ninguém. Se houver um pedido de cassação eu mandarei ao plenário para que o plenário decida.

Folha - O sr. defende gradação de punição? Tem gente que defende que quem pegou dinheiro para campanha é uma coisa, e se fosse "mensalão" seria outra.

Severino - Isso quem vai decidir é o plenário.

Folha - O sr. acha que existiu o "mensalão"?

Severino - Não acredito. Acredito num caso assim como foi feito com o Genu. Aquilo ali aconteceu realmente. O dinheiro foi entregue ao PP e pagava o advogado.

Folha - O sr. acha isso menos grave, mesmo que não tenha sido contabilizado?

Severino - É menos grave, porque aquilo foi um acerto do PP com o PT. Aí, a responsabilidade que vai ter será junto ao Imposto de Renda ou à Justiça Eleitoral.

Folha - O sr. acha que a sociedade, que vê saques de milhões destinados a parlamentares e partidos, vai aceitar essa diferenciação?

Severino - Eu acho que é diferente, bem diferente de "mensalão". A procedência do dinheiro é muito ruim, porque foi feito com dinheiro vindo dos Correios, de publicidade. Mas tem de ver caso a caso, porque ninguém merece execração pública sem provas.

Folha - Voltamos: caixa dois merece uma pena mais leve, por ser menos grave que "mensalão"?

Severino - Se for para pagar débito de campanha, e se for provado...

Folha - Vamos supor que, hipoteticamente, um deputado tenha as notas provando que usou dinheiro sacado no Banco Rural para pagar dívidas de campanha. Outro diz que não consegue provar...

Severino - Esse aí, se recebeu e pagou alguém, deveria ter o recibo de alguém.

Folha - Mas se tiver o recibo não deve ser cassado?

Severino - Nesse caso a pena tem de ser uma repreensão, uma outra coisa.

Folha - A sociedade vai aceitar?

Severino - Isso é outra coisa. Hugo Borghi [ex-deputado federal] fez as maiores falcatruas com algodão no tempo do Getúlio Vargas. Foi para as urnas e teve uma votação surpreendente. A sociedade é a mesma.

Folha - Se for seguir esse raciocínio, todos os deputados que estão falando que usaram dinheiro para pagar dívida de campanha não seriam cassados...

Severino - Eu gostaria de consultar os estudiosos, os homens que fazem parte da comissão, freqüentaram universidades, têm uma cultura superior, que dêem o parecer deles para eu poder fazer a minha...

Folha - Mas o sr. acabou de dizer que poderia haver uma gradação, seria mais uma advertência?

Severino - Uma repreensão tem que existir, porque não é normal o que aconteceu. Mas quem vai decidir são aqueles que têm a obrigação de dar o parecer.

Folha - Mas seriam alternativas à cassação?

Severino - Exatamente.

Folha - Uma suspensão, uma advertência?

Severino - Perfeito. Uma censura.

Folha - Não vai ter pizza, então?

Severino - Eu não participarei disso.

Folha - Mas se não cassar ninguém, se der uma advertência, ou uma suspensão, vai parecer pizza...

Severino - Pode ficar certo de que eu não abrirei mão para ninguém. Terei uma posição retilínea, obedecer cegamente o regimento e a Constituição, esses é que mandam nas minhas posições.

Folha - O sr. diz que o plenário é soberano, vai decidir quem será cassado, mas manifestou a posição de que aqueles que provarem como foi gasto o dinheiro, esses não merecem a pena máxima.

Severino - Exatamente, exatamente. É minha posição pessoal, não é a do presidente.

Folha - O sr. acha que o José Dirceu sabia desse esquema de caixa dois, de financiamento? É plausível pensar que ele não sabia?

Severino - Dizer que é possível ou impossível é preciso ser adivinho. Não vou adivinhar porque não tive nenhuma participação com o Zé Dirceu, nem vi alguma negociação entre ele e os partidos.

Folha - E o presidente Lula?

Severino - Acho que ele foi traído. Acontece com ele o que aconteceu com Getúlio Vargas, quando Gregório Fortunato fez atentado contra Carlos Lacerda.

Folha - Quem é o Fortunato do Lula?

Severino - Se eu soubesse, já teria dito. Nem desconfio. Não sei exatamente.

Folha - O clima de impeachment arrefeceu mesmo?

Severino - Houve quatro pedidos de impeachment e nenhum tem consistência. Alguns advogados querem evidência. Tem que ter provas irrefutáveis. Se aparecer um carrinho que nem apareceu com o Collor [refere-se à Fiat Elba, dada a Collor com recursos do esquema PC Farias], tem que investigar, tem que ir atrás. Eu tenho pensado no país. Eu digo sempre, antes de ser deputado federal e presidente da Câmara, eu sou brasileiro. Eu estou hoje com o presidente, tenho dado alguma cobertura para ele, mas se tiver algum deslize, eu não vou apoiar.

Folha - Qual é a cobertura?

Severino - Eu tenho falado com os empresários seguidamente, mostrando que eu acredito que se o Palocci sair do governo vai ser muito ruim para o país. Se houver o impeachment, eu não sei onde o Brasil vai parar.

Folha - Estão dizendo que o sr. já tem até uma plataforma de governo para o caso de o Lula ter de sair...

Severino - Não, eu não tenho uma plataforma de governo. Perguntaram se eu era capaz de assumir o governo. Você acha que eu ia responder que não, eu sou burro, sou incapaz?

Folha - O sr. vai defender a independência do Banco Central, reduzir juros?

Severino - Eu acho que a política do governo está certa.

Folha - Se por hipótese houver um processo contra o presidente da República e atingir o vice...

Severino - Eu ficaria [na Presidência] por 30 dias. Eu manteria o Palocci como ministro da Fazenda e pediria que Delfim se apresentasse para ajudar no Planejamento. Mas isso é uma hipótese absurda, porque eu não acredito que isso vá acontecer.

Folha - O sr. apoiaria a reeleição do Lula? Merece ser reeleito?

Severino - Em política a gente não pode antecipar.

Folha - Mas se fosse hoje?

Severino - Se fosse hoje eu votaria nele. Eu creio que o Brasil está tendo benefícios. Se você vai ao interior, uma grande camada dos desfavorecidos está tendo a oportunidade de ver os filhos estudando, de ter alimentação, de ter um tratamento bem melhor.

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