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21/09/2005 - 17h02

Leia a íntegra do discurso de renúncia de Severino Cavalcanti

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da Folha Online

Leia a íntegra do discurso de renúncia do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE).

"As palavras de Euclides da Cunha em 'Os Sertões' ecoam ainda nas terras mais longínquas do Nordeste: 'o sertanejo é antes de tudo um forte'. Todos nós já ouvimos certamente essa frase ao longo da vida.

E diante do que eu estou vivendo no momento, diante das circunstâncias que me cercam de ameaças, de escárnio, de contestação, de processos sem causa, eu me recordo de que o sertanejo é antes de tudo um forte, e tento me lembrar do que isso queria dizer para mim.

Pobreza da terra, pobreza do homem.

João Vicente Ferreira, meu pai, sustentava com dificuldade a família e, logo cedo, como todos os meninos pobres do nordeste, eu devia ganhar meu próprio sustento e ajudar a família.

Não consegui ir além do primeiro grau, pois devia arranjar logo um emprego. Devia contribuir, sobretudo, para a educação das quatro irmãs, que assim puderam se formar.

Não encontrei, portanto, as agruras do Nordeste pelos livros ou pela literatura, nasci aí, cresci no meio das durezas dos que são pobres, na terra onde as crianças, desde cedo, são sertanejos fortes, pois já experimentaram tudo --da inclemência implacável da paisagem, e da desigualdade social que segrega nossa humanidade, excluindo os despossuídos do convívio da economia e da cidadania.

Fui para São Paulo, em busca de trabalho e de esperança. Deus me ajudou. O nordestino tornou-se um caixeiro-viajante e essa alquimia permitiu-lhe estabelecer-se como próspero comerciante.

Eu relembro esses fatos neste momento, porque eles são indicadores de um rumo, uma orientação fundamental em minha vida: pois o político levou o bem sucedido comerciante à bancarrota. E arrastou na correnteza também o patrimônio de Catharina Amélia, uma mulher rica antes de casar-se com o comerciante que tomou a decisão de assumir a política como vocação e como destino.

Conheci Amélia e me casei com ela em Aparecida, a cidade que é um farol para a cristandade brasileira. É assim que a vejo: como a companheira inseparável, a conselheira de todas as horas, o farol da minha vida.

Senhoras e senhores, diante de tantas falsas acusações, falo a verdade: Severino Cavalcanti empobreceu com a política.

Senhoras e Senhores: executem a devassa. Revolvam minha vida. Exponham minha memória. Consultem minhas contas. Façam e refaçam os cálculos. E chegarão à mesma conclusão inevitável: Severino Cavalcanti empobreceu com a política.

Esse sim, o verdadeiro empobrecimento ilícito!

Sou hoje a imagem de muitos companheiros que aqui chegaram sem posses, pela vontade do povo, e daqui vão sair ainda mais pobres, ainda mais devedores.

A vocação política, entretanto, permaneceu intacta. Os propósitos, os objetivos, os desejos mais acalentados da alma, com a ajuda de Deus, tornaram-se realidade: desde que tomei a decisão de unir meu destino ao de meu povo, tenho colecionado alegrias. E esse povo jamais tem me faltado.

Fui prefeito de João Alfredo, deputado estadual por sete mandatos durante 28 anos, deputado federal com três mandatos e a votação praticamente dobrando a cada eleição --82 mil votos, em 2002, para o terceiro mandato.

E na Câmara dos Deputados, a mesma ampla aceitação: desde o primeiro mandato, tomei lugar à Mesa da Casa e para ela fui reconduzido três vezes. O pernambucano do agreste tornou-se, assim, o deputado federal com mais tempo de mandatos consecutivos nos últimos 48 anos: oito anos na Mesa Diretora da Casa.

Há oito meses, o coroamento de uma carreira política de mais de 40 anos consecutivos: o menino pobre de João Alfredo tornou-se o Presidente da Câmara dos Deputados. Presidente depois de uma eleição disputadíssima, limpa, democrática. Presidente, com 300 votos.

Presidente eleito para mudar uma Casa cheia de donos --os donos do Congresso, onde pontificava uma elite distanciada da maioria dos deputados, chamada desdenhosamente de baixo-clero, e praticamente ignorada em todas as decisões importantes do Parlamento.

Como em quase todos os países do mundo, o Governo impunha sua vontade ao Legislativo, com a quebra permanente da independência dos poderes, a violação sistemática do calendário das votações por meio das Medidas Provisórias, um instrumento autoritário pelo qual o governo substitui o Parlamento na elaboração das leis.

Lutamos com todas as nossas forças contra essa violação sistemática do princípio da separação dos poderes.

E várias vezes derrotamos o Governo, criando e alimentando a esperança de um Legislativo independente e soberano.

E lutamos, ao mesmo tempo, por uma ampla democratização interna: a Câmara sem igrejinhas, sem grupos privilegiados, a Câmara para todos os deputados.

Um jornal que às vezes me reserva os piores adjetivos, escreveu na semana passada: 'Muitos dos (deputados) que passaram a ter acesso direto ao gabinete do presidente da Câmara antes nunca tinham tido o nome lembrado para relatorias de projetos ou para integrar comissões mais importantes'.

Vou reproduzir dois dos depoimentos de meus pares entre tantos outros do mesmo teor colhidos pelo jornal:

Diz um deputado: 'Nesses sete meses para mim, foi instaurada a democracia na Casa. O Severino ouvia todo e qualquer parlamentar, sendo cacique ou não. Acabou aquela coisa de somente meia dúzia de privilegiados mandar na pauta e nas comissões.'

Diz outro deputado:

' Severino representa muito o sentimento de que na Casa existe uma elitizinha que não quer largar o osso. A queda do presidente do baixo clero, lógico, é a vitória dessa elitizinha que fez tudo para derrubá-lo e ridicularizá-lo.'

Essa política é conseqüente com minha eleição. Não fui eleito por um partido, não fui eleito pelo Governo. Pela primeira vez na história da Câmara dos Deputados, o presidente foi eleito pelos deputados. Tudo, portanto, aos deputados: que tenham todas as condições para exercerem seu mandato. E se o Legislativo não é independente do Governo, o que pode fazer pelo povo?

Mostramos que a Câmara dos Deputados pode, sim, ser independente. Quando o Governo tentou impor aumento de impostos, por meio da Medida Provisória 232, mobilizamos o país, ouvimos o povo, ampliamos o debate e rejeitamos a medida, que era injusta.

Projetos de lei que dormiam nas gavetas, mas eram de interesse da população, foram desengavetados, votados e tornados leis. A lei sobre o uso de células-tronco abre novos horizontes para o tratamento de doenças crônicas.

Aprovamos a PEC Paralela da Previdência, que beneficia servidores e trabalhadores de baixa renda. Pela primeira vez na História, as donas-de-casa foram reconhecidas como trabalhadoras e ganharam o direito à aposentadoria por tempo de contribuição. As mães agora têm direito a acompanhante, na hora do parto. E no caso de violência doméstica, as mulheres já podem recorrer a Juizados Especiais.

Regulamentamos os Consórcios Públicos. E aprovamos benefícios fiscais para o biodiesel, a criação do Programa nacional de Microcrédito e o repasse de R$ 900 milhões para os Estados e Municípios, em incentivo às exportações. Nesses sete meses, a Câmara trabalhou pela paz e, apesar das divergências, aprovamos o projeto que prevê um referendo sobre a proibição do comércio de armas.

E aqueles que por desconhecimento ou má-fé nos acusam de perdulário, uma lembrança: como primeiro-secretário devolvi R$ 100 milhões de reais que deixamos de gastar. E nesses últimos sete meses, economizamos R$ 120 milhões de reais, R$ 10 milhões apenas com cortes de verbas de publicidade.

Nessa tarefa de mudar a Câmara, de torná-la um poder independente e soberano, de democratizá-la, de acabar com os grupinhos e os privilégios de poucos, consolidei, claro, apoios inestimáveis, mas também, e infelizmente, atraí forças antagônicas, poderosas e destruidoras.

A elitizinha, essa que não quer jamais largar o osso, insuflou contra mim seus cães de guerra --arregimentou forças na academia e na mídia e alimentou na opinião pública a versão caluniosa de um empresário, que precisava da mentira para encobrir as dívidas crescentes de seus restaurantes, que necessitava da extorsão para equilibrar a desastrosa administração de suas empresas.

Denunciei de imediato o esquema de extorsão, pedi ao ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos que abrisse inquérito contra o denunciante e o sr. ministro acionou com presteza a Polícia Federal. Determinei ao diretor-geral da Casa que prestasse todos os esclarecimentos sobre os contratos dos restaurantes da Câmara e solicitei uma auditoria urgente e especial do Tribunal de Contas em todos os contratos que envolvem a empresa.

Mesmo assim, a fúria denunciatória não cessou, a escalada para substituir o presidente continuou, como se fosse a coisa mais natural do mundo ignorar os direitos de um presidente eleito dentro da ordem, da democracia e da legalidade.

A luta pela sua sucessão tornou-se mais importante que as provas da sua inocência.

Quero reiterá-la. Repito que as acusações contra mim são inconsistentes, na verdade, são falsas e mentirosas e vou comprovar isso nos tribunais.

Resistirei. Jamais fui acusado de nada. Nenhuma denúncia. Não vou, portanto, agora, curvar-me à pressão dos poderosos. Não vou me render às necessidades da mídia, que me tem ultrajado com manchetes mentirosas, que me tem alvejado com textos caluniosos, por alguns exemplares a mais.

Eu sempre defendi a liberdade de imprensa. Estou convencido de que nenhum sistema político aberto e democrático pode viver sem ela. Mas em nosso país, liberdade de imprensa tem sido a porta aberta para suspeitas sem comprovação, para acusações sem provas, para a destruição de reputações.

Liberdade de imprensa, sim, mas o rigor da lei para os que enxovalham sem qualquer limite a honra e a dignidade alheias.

Resistirei.

Devo isso à minha família, que me conhece e me apoia e sabe da minha inocência. Devo isso ao povo pernambucano, que jamais me faltou com o entusiasmo, o carinho e os votos que me permitiram permanecer na vida pública por 43 anos.

Devo isso à Câmara dos Deputados, aos que me elegeram e confiaram em mim. Não vou decepcioná-los. Aos companheiros que me outorgaram o honroso mandato de presidente da Câmara, peço que jamais esmoreçam: ninguém lhes poderá tirar a dignidade conquistada. A Câmara lhes pertence como legítimos representantes do povo brasileiro.

Vou repetir ainda que deixo a Câmara como entrei: não apenas deputado pobre, mas político endividado. Vou viver de minha aposentadoria no Estado de Pernambuco onde fui deputado por sete mandatos porque, para pagar as dívidas de campanha, saquei o saldo de minha contribuição para a aposentadoria na Câmara dos Deputados.

Pedi um audiência com o presidente da República para comunicar-lhe, como chefe de um dos poderes, minha saída da Presidência da Câmara, apenas isso.

Para me antecipar às eventuais acusações de fisiologia, já pedi a meu filho José Maurício que deixe imediatamente seu posto no Ministério da Agricultura em Pernambuco.

Cumpre-me agradecer a todos:

Aos valorosos companheiros da Mesa Diretora, sempre preocupados com a boa administração da Casa e com os interesses superiores do Brasil;

Ao funcionalismo da Casa, que sempre combina competência e dedicação;

Aos que trabalharam comigo, antes e depois da presidência, compartilhando planos, metas e realizações importantes;

Aos pernambucanos que nos dedicaram suas orações.

A todos, reconhecimento e gratidão.

Confio em Deus, a quem nunca deixei de entregar meu destino. Confio na justiça divina e espero, com tranqüilidade, a justiça dos homens. O sertanejo continua forte como um velho carvalho no agreste, fustigado pelo vento e pela tempestade.

E continua determinado a não recuar diante das imensas dificuldades: vou provar minha inocência, vou demonstrar que as acusações contra mim são calúnias sem fundamento, vou tornar evidente que aqueles que hoje me apontam o dedo em riste, aqueles que me atiram as primeiras pedras, aqueles que resistem a me escutar, não estão preocupados em apurar a verdade mas apenas em fazer sangrar a vítima diante dos clamores de sangue e de vingança.

Muitos estranharam minha demora em tomar a decisão de renunciar. É que o senso comum consolidou como verdade a idéia de que renúncia é confissão de culpa. Ora, em meu caso, isso significaria admitir atos que, definitivamente, não pratiquei, e pelos quais não tenho qualquer responsabilidade. Meus acusadores, entretanto, não me deixaram alternativa: optei, assim, pela renúncia, porque já me sabia condenado de antemão. Minha culpabilidade foi declarada, sem apelação, antes das provas e mesmo, do processo e minha condenação veio antes de qualquer sentença: veio pela imprensa, veio pela voz de alguns poucos, veio por aqueles interessados em tornar vaga, o mais rapidamente possível, a cadeira do presidente da Câmara.

Voltarei. O povo pernambucano, mais uma vez, não me faltará. Minha querida João Alfredo e os outros municípios de minha base não me faltarão.

Vou rebater as acusações. Vou provar que estou sendo condenado pelas palavras de um empresário desastrado, mentiroso e devedor dos cofres públicos.

Voltarei. Já anunciava o profeta Jó:

"O júbilo dos ímpios é breve, e a alegria dos hipócritas, apenas um momento".

Todos seremos, muito breve, julgados pelo povo. Para quem dedicou sua vida à política, esse é o julgamento que conta, a sentença que importa.

Voltarei. O povo me absolverá.

Deputado Severino Cavalcanti
Presidente da Câmara dos Deputados

BSB, 21 de setembro de 2005."

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