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25/09/2005 - 09h03

Receita apura uso de caixa 2 pelos partidos do "mensalão"

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JOSIAS DE SOUZA
Colunista da Folha

A Receita Federal abriu auditorias fiscais para inspecionar a contabilidade de quatro partidos políticos envolvidos no escândalo do mensalão: PT, PP, PL e PTB. O procedimento é inédito. O fisco jamais havia auditado agremiações partidárias antes.

Busca-se comprovar a existência de caixa dois. A prática sujeita os partidos à suspensão de uma regalia prevista em lei: a imunidade tributária.

A ação da Receita foi precedida de reuniões internas. Concluiu-se nesses encontros que são consistentes os indícios de que os partidos violaram a legislação tributária. Uma equipe de auditores foi designada para compartilhar documentos e informações com técnicos da CPI dos Correios.

Os fiscais estão especialmente interessados em analisar os extratos obtidos a partir da quebra de sigilos bancários. Se necessário, requisitarão novos dados aos bancos. Depois, farão diligências nas sedes dos partidos. Vão examinar a escrituração do período de 2002 a 2005. Espera-se concluir o trabalho até o final do ano.

Os quatro partidos constam de uma relação de 41 pessoas físicas e jurídicas postas sob auditoria graças ao escândalo deflagrado há três meses e meio, quando Mauricio Marinho, funcionário já demitido da Empresa de Correios e Telégrafos, foi pilhado em vídeo recebendo uma propina de R$ 3.000. A lista deve aumentar nas próximas semanas. Estima-se que, no limite, as fiscalizações da Receita alcançarão entre 150 e 200 contribuintes.

Mauricio Marinho é uma das pessoas físicas cujo histórico tributário já está sendo revirado pelos auditores. Além dele, encontram-se sob inspeção: Roberto Jefferson (PTB-RJ), deputado cassado; Valdemar Costa Neto (PL-SP), que renunciou ao mandato; José Janene (PP-PR), que trama uma licença médica para adiar uma cassação vista como inevitável. Há outros políticos que estão sendo auditados, mas a reportagem não conseguiu descobrir-lhes os nomes.

De resto, o fisco audita as declarações de rendimento de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e do empresário mineiro Marcos Valério de Souza, braço financeiro do caixa dois de pelo menos R$ 55 milhões amealhado pelo PT e distribuído a partidos que integram o consórcio que dá suporte ao governo no Congresso. No caso de Valério, a fiscalização se estende às empresas que o tinham como sócio antes da explosão do escândalo, entre elas as agências de publicidade DNA e SMPB.

No caso dos partidos, a ação dos fiscais baseia-se numa legislação que até hoje havia sido aplicada na parte que os beneficia. A Constituição Federal impõe limites ao poder do Estado de tributar. Por exemplo: em seu parágrafo 6º, o artigo 150 do texto constitucional proíbe a cobrança de impostos de organizações de assistência social, templos religiosos, sindicatos e partidos políticos.

Para fazer jus à imunidade, as entidades têm de seguir três regras previstas no artigo 14 do Código Tributário Nacional, uma lei de 1966. São elas: 1) não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de seus rendas, a qualquer título; 2) aplicar integralmente os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; 3) manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão;

A Receita acha que os partidos infringiram pelo menos a terceira regra. Seus livros contábeis, avaliam os técnicos do fisco, não resistem a uma inspeção. Comprovadas as suspeitas, as legendas amargarão a "suspensão da imunidade tributária". Na prática, serão tratadas como empresas convencionais. Ou seja, terão de pagar os impostos relativos ao período contado a partir do início da prática da infração.

Sem imunidade

Os procedimentos que conduzem à perda da imunidade tributária constam do artigo 32 de uma outra lei, a 9.430, editada em 1996. Prevê que, constatadas irregularidades, a Receita expedirá uma "notificação". O infrator terá 30 dias para refutar as acusações. Se achar que a defesa é inconsistente, o fisco suspende a imunidade.

Sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), dezenas de entidades filantrópicas foram autuadas pela Receita com base nessa legislação. Até a Igreja Católica já padeceu nas mãos dos auditores. Mas em relação aos partidos políticos nunca haviam sido invocados os artigos e incisos que prevêem sanções.

Deve-se a uma iniciativa do senador oposicionista José Jorge (PFL-PE) a inclusão dos partidos no rol das auditorias do fisco. Jorge é membro titular de duas CPIs, a dos Correios e a do Mensalão. Em 22 de agosto, ele encaminhou um ofício ao secretário da Receita, Jorge Rachid. Pediu uma investigação nas contas do PT, partido do ministro Antonio Palocci (Fazenda), a quem a máquina do fisco está subordinada, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ofício de Jorge não menciona o PP, o PL e o PTB. Restringe-se ao PT. O senador anota no texto que, em depoimento no Congresso, o ex-tesoureiro Delúbio Soares reconheceu "cabalmente" a existência de caixa dois no Partido dos Trabalhadores. Chamou a verba paralela de "recursos não contabilizados". Daí a imposição de providências por parte da Receita Federal.

Analisando o pedido de José Jorge, técnicos do fisco concluíram que, a exemplo de Delúbio, dirigentes de outros partidos confessaram ter recebido parte do dinheiro não escriturado. Decidiu-se então ampliar a investigação, incluindo as outras três legendas.

A ação contra os partidos se impôs até por uma questão de coerência. Valendo-se do mesmo conjunto de leis que regula a imunidade tributária, a Receita deflagrara, a partir de 1996, várias auditorias contra entidades filantrópicas e ordens religiosas. O órgão era dirigido à época por Everardo Maciel. Jorge Rachid, o atual titular, era secretário-adjunto da Receita Federal.

O pacote de autuações incluiu a congregação católica que administra a Basílica de Aparecida (SP). Os fiscais entenderam que a venda de artigos religiosos a romeiros constituía uma atividade empresarial, passível de tributação. Advogado da Igreja, o tributarista Ives Gandra Martins lembra que os autos de infração, acrescidos de multa e correção, roçaram a casa dos R$ 10 milhões.

Ives demonstrou que o dinheiro era integralmente revertido para obras assistenciais e para a manutenção da basílica. Os autos foram anulados no Conselho de Contribuintes, instância administrativa que analisa os recursos contra cobranças da Receita.

A Igreja Universal, do bispo Edir Macedo, não teve a mesma sorte. O fisco autuou membros da Universal, entre eles o próprio Macedo, e empresas ligadas à igreja --a TV e a rádio Record, por exemplo. O pacote de multas ultrapassou os R$ 20 milhões. Uma parte já foi paga. Outra, encontra-se pendente de julgamento no Conselho de Contribuintes.

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