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01/12/2005 - 11h27

Confira a íntegra do discurso de José Dirceu antes de cassação

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da Folha Online

Senhor presidente, deputado Aldo Rebelo, senhoras e senhores deputados, brasileiras e brasileiros que nos acompanham na Câmara dos Deputados, em suas casas, em seus locais de trabalho, de todo esse imenso Brasil, imprensa, servidores, funcionários e assessores da Câmara dos Deputados, depois de cinco meses volto à tribuna da Câmara dos Deputados.

O país e esta Casa, todas as senhoras e os senhores são testemunhas de que travei um combate de peito aberto. Não renunciei ao meu mandato de deputado federal. Não critico quem o fez, mas, como disse ao país naquele momento, eu não poderia fazê-lo. Não teria condições de olhar hoje, como estou olhando, para cada deputada e deputado e para todo o Brasil, porque depois de 40 anos de vida pública, que o país conhece --todos nós temos nossas vidas públicas, cada deputada e deputado, que a sua comunidade, a sua cidade, o seu Estado conhece --, eu, do dia para a noite, fui transformado em chefe do mensalão, em bandido, o maior corrupto do país.

Evidentemente, eu tinha como dever, para honrar o mandato que o povo de São Paulo me deu, honrar cada deputada e deputado e honrar esta Casa, lutar até provar a minha inocência. Digo e repito, não como bravata, mas como compromisso de vida: qualquer que seja o resultado que esta Casa decida hoje, vou continuar lutando até provar minha inocência.

Por que eu me insurgi contra o processo a que fui submetido, de linchamento público, de prejulgamento? Porque isso viola os mais elementares direitos de todos os brasileiros e brasileiras. Todos nós aqui presentes juramos defender a Constituição brasileira.

Quando bati às portas da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quando apelei para o Plenário desta Casa soberana do povo, quando fui à corte máxima do país, o Supremo Tribunal Federal, não o fiz apenas para defender meus direitos e quero repetir o fiz na obrigação que todos nós temos, deputados e deputadas, de defender os direitos individuais inscritos na Constituição.

Na condição de cidadão tenho o direito da presunção da inocência e não da culpa, como aconteceu no meu caso. Assim como todos que estão aqui, sabemos que o ônus da prova cabe ao acusador e não ao acusado. Temos de defender o processo legal e o direito de defesa. Isso não estava acontecendo.

Tanto é verdade e todo o Brasil sabe disso que tanto a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania como o Supremo Tribunal Federal adotaram decisões que restabeleceram o devido processo legal, o direito de defesa e também os prazos processuais. Não só impuseram suas decisões ao Conselho de Ética, como à própria Mesa da Câmara dos Deputados, a mim e aos outros deputados que respondem processos neste momento.

Nunca me neguei ser investigado. Não é verdade que fui aos tribunais ou à Comissão de Constituição e Justiça para ganhar mais tempo, quero repelir isso. Não temo o julgamento dos meus pares, como não temi os Conselhos de Ética ou as CPIs mistas. Não temi o depoimento na Polícia Federal. Não temo, porque acredito que é um dever meu, uma obrigação de cidadão e de homem público, ser investigado.

Eu quero ser investigado. Eu quero que antes que termine o ano de 2006 que o inquérito da Polícia Federal, que o Ministério Público, que as CPIs apresentem para a Justiça brasileira os relatórios, os pedidos de indiciamento ou não, e que a Justiça se pronuncie.

Não pedi impunidade. Discuti no Supremo Tribunal Federal o foro em que eu deveria ser julgado. E o fiz baseado na jurisprudência. Nada que fiz foi feito de forma leviana ou chicana como muitos afirmaram e disseram de forma indevida.

O Supremo Tribunal Federal, na década de 80, quando vários Deputados e Ministros bateram às portas do Supremo para exigir imunidade parlamentar porque estavam sendo acusados de crime contra a honra, disse a eles: Vocês, senhores deputados, têm foro privilegiado, mas não imunidade parlamentar.

Foi baseado nesta jurisprudência que solicitei não que não fosse investigado, não que não fosse processado e julgado, mas que o Supremo Tribunal Federal, através do Ministério Público Federal, através de indiciamento, a partir dos relatórios da CPI, ou a partir de inquérito policial e da polícia judiciária, e não Polícia Federal, me processasse se considerasse necessário e me julgasse.

Restabelecerei essa verdade para que não fique nem na minha biografia, nem nesta Casa que um deputado procurou se escusar da impunidade ao discutir o foro privilegiado.

Repito o que disse durante esses 6 meses ao Brasil: não há provas contra mim; eu não quebrei o decoro parlamentar.

Os deputados e as deputadas desta Casa, pelo menos grande parte, conviveram comigo durante 11 anos em mandatos parlamentares. O Brasil me conhece como deputado estadual e federal, servidor da Assembléia Legislativa de São Paulo, candidato a governador. Fui empresário no Paraná, líder estudantil. Vivi na clandestinidade nos anos da ditadura. Nunca fui processado na minha vida. Não que isso seja uma desonra, porque muitos e muitas foram processados e inocentados, mas eu, repito, nunca fui processado. Nunca respondi a processo nem na qualidade de Deputado Estadual e Federal nem de Ministro de Estado. Fiquei 30 meses na Casa Civil. Não tenho ação por improbidade administrativa, por tráfico de influência, por crime de responsabilidade. Tive minhas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas da União. Nunca recebi sequer uma advertência da Comissão de Ética Pública ou da Controladoria-Geral da União.

Todos e todas que estão aqui sabem que fui Ministro do presidente Lula com dupla atribuição.

Pergunto para cada Líder que está aqui, da oposição e da base do governo, para cada deputado e deputada, para todos os empresários do país, para todos aqueles que fizeram ou receberam de mim 25 mil telefonemas, para todos aqueles que estiveram comigo em milhares de audiências, se alguém recebeu de minha parte alguma proposta indecorosa, ilícita, que ferisse o interesse público. O que fiz na minha vida pública até hoje que ferisse o interesse público? Do que sou acusado? Sou acusado de ser chefe do mensalão. A Câmara sabe que eu não sou chefe do mensalão. Cada deputado e cada deputada que está aqui sabe que isso não é verdade, que eu jamais propus para qualquer deputado ou deputada compra de voto.

Esta Casa, aliás, está me julgando, mas também está se colocando em julgamento, porque o Relator do Conselho de Ética, Deputado Jairo Carneiro, foi claro no seu parecer, deixando claro que não estava comprovada a existência do mensalão. Tivemos a CPI do Mensalão, da Compra de Votos, que não comprovou a existência do mensalão. Jamais tive participação alguma em qualquer negociação escusa para votar qualquer projeto do Governo. Não é verdade que esta Casa votou as reformas do ano de 2003 a partir de compra de votos ou a partir de negociatas com o Governo, até porque as reformas eram suprapartidárias, o presidente as encaminhou para o Congresso com o apoio dos governadores e dos prefeitos, ela cortou os partidos por dentro. Havia mais oposição muitas vezes na bancada do meu partido, o PT, na bancada dos partidos de esquerda, do que na bancada da oposição. Não é verdade que houve compra de votos.

O país sabe que houve repasse de recursos de dívidas para campanha eleitoral. E o PT, meu partido, já está respondendo por isso na Justiça Eleitoral e comum. Já tomou medidas disciplinares, já assumiu seus erros, já pediu desculpas ao País.

E sabemos também que a origem dos recursos até agora, a não ser que a CPMI dos Correios comprove e depois a Justiça prove, julgue e condene, não há prova alguma que houve recurso público, não há prova alguma que houve recurso de fundos de pensão, não há prova alguma que houve recursos de origem ilícita, são recursos de empréstimos tomados pelas empresas conhecidas de publicidade nos bancos BMG e Rural repassados para o PT e desse para os partidos aliados.

Não participei em momento algum de qualquer decisão do meu partido. O Brasil, os senhores e as senhoras me conhecem, se eu tivesse participado de alguma decisão que hoje está sob análise e julgamento, teria assumido no primeiro dia, porque sempre agi desse modo. Mesmo quando minha vida corria risco, disse àqueles que me prenderam, àqueles que me processaram que eu não havia praticados os atos de que me acusavam. Respondi a processos, fiquei condenado à morte neste país e voltei clandestino porque tinha assumido uma luta contra a ditadura, da resistência armada.

Não sou cidadão --não vou dizer homem porque seria machismo --de negar o que pratiquei, não participei das decisões da direção nacional do PT, da executiva, não era membro. A sede do PT nacional em Brasília e em São Paulo têm paredes, telefones, assessores, funcionários, seguranças, motoristas. Vossas Excelências me conhecem e sabem que se tivesse participado de tais atos, todos ficariam sabendo.

Não vou assumir aquilo que não fiz! Não vou! Não fiz e não assumo! Quem fez está respondendo na Justiça Eleitoral e comum e, se não é parlamentar, não está respondendo nesta Casa.

Não tive participação direta ou indireta em repasse de recursos para campanha eleitoral. Todos os senhores e as senhoras sabem. Quais acusações que me são feitas então que eu deveria saber? Essa acusação não pode ser aceita por nenhum juiz, por nenhum tribunal. E lembro que não existe mais cassação política neste país, nesta democracia sob a égide da Constituição sobre a qual juramos.

Não aceito e vou lutar até o fim da minha vida se for cassado por razões políticas! Não posso ser cassado porque fui presidente do PT! Não posso ser cassado porque coordenei a campanha do presidente Lula! Não posso ser cassado porque fui ministro da Casa Civil! Não posso ser cassado pela minha história e nem acredito que a Casa o faça! A Casa o fará se encontrar prova material contra mim, não pedaços contraditórios de depoimentos, como mostrarei. Não há nexo, materialidade, prova material.

Não sou réu confesso! Jamais assumi minha culpa naquilo que não fiz! Cometi muitos erros políticos, estou pagando por eles e os já reconheci de público. Mas não será aqui e agora desta tribuna, com o tempo que tenho para me expor, exporei no congresso do meu partido, e, se for necessário, nesta Casa. Mas são erros políticos, jamais algo que seja ilícito, que envergonhe a mim ou a esta Casa. Repito:tenho as mãos limpas.

Vamos às acusações.

Ligações com Marcos Valério.

O Brasil sabe que o senhor Marcos Valério declara que é meu inimigo. Eu não sou amigo do senhor ministro José Dirceu. Vossa excelência dele então considera-se inimigo? Diria que sim, hoje.

Todos sabem que não fiz um telefonema para o Marcos Valério, nem participei de reunião sozinho com ele. Ele foi à Casa Civil prestar serviço para o Banco Espírito Santo, o Banco Rural e a Usiminas. Eu nunca tratei com ele nada que não fosse público. Aliás, tratei nada, porque tratei com a Usimas, com o Banco Rural e o Banco Espírito Santo.

Havia, sim, na Casa Civil, a sala de infra-estrutura e a sala de investimento, onde recebi centenas de empresários --Febraban, CNI, Fiesp, quase todas as empresas do setor petroquímico, da siderurgia deste país --, porque o Presidente me delegou essa função. Tenho recebido apoio de todos eles neste momento de minha vida, porque jamais tratei algo que não pudesse ser divulgado publicamente.

Sou acusado de favorecer o BMG e os fundos de pensão. Não há nada que comprove isso. Na CPI dos Correios não há sequer uma citação do meu nome, a não ser nos depoimentos de Roberto Jefferson. Os membros da referida comissão sabem que estou dizendo a verdade. Nada me liga aos fundos de pensão, ao BMG ou ao Banco Rural, nem ao Banco Mercantil de Pernambuco, muito menos ao crédito consignado. Não é verdade que o BMG foi beneficiado pelo crédito consignado. Sou obrigado a tecer detalhes. A Caixa Econômica Federal um ano depois iniciou o BMG, que tem tradição, nicho de mercado, know-how e trabalha com agentes, com crédito consignado, que já tinha experiência em Minas Gerais e conquistou posição no país.

Pelo contrário, a primeira medida provisória do governo, que foi aprovada por unanimidade nesta Casa, dava reserva de mercado para os bancos onde os aposentados recebiam seus salários e prejudicava o BMG e os bancos comerciais. Foi depois que esta Casa e o Senado mudaram a legislação e quebraram a reserva de mercado. Não há nada que prove que fiz qualquer tráfico de influência, que tive qualquer relação escusa com o BMG e o Banco Rural.

Fico constrangido de ter que explicar a relação comercial da minha ex-esposa, mãe de minha filha, Ângela Saragoça, porque não participei --e todos os depoimentos de todos que participaram dizem expressamente que não participei. Ela diz em sua carta, e o relatório ocultou isso, que me procurou, e eu disse a ela: não posso, não devo, não a ajudo e não tenho condições, pelas condições de todos nós, de aumentar a pensão; você tem que procurar resolver esse problema pessoalmente. Ela buscou seu círculo de amigos --estou separado dela há 15 anos.

Não posso aceitar isso. É uma ignomínia contra uma mulher que trabalha no BMG, que paga corretamente o empréstimo que fez junto ao Banco Rural e que não fez nada de má-fé nem com intenção de dolo. Não posso aceitar, repilo isso. Aceito as acusações políticas, aceito discutir se tenho culpa ou não, mas não aceito isso que foi feito, como não aceitarei jamais o que foi feito com meu filho e o país assistiu.

Meu filho era Secretário da Indústria e Comércio e Turismo de Cruzeiro do Oeste, era Secretário Adjunto, no escritório de Umuarama, da Secretaria de Emprego e Renda do Governo do Paraná. Tinha o direito e o dever de vir a Brasília, de percorrer todos os Ministérios e a Casa Civil para buscar recursos para suas cidades, para o seu Estado, e o fez legitimamente sem traficar influência, sem ilegalidade.

Mas fizeram uma devassa na vida dele; publicaram antes o processo administrativo; anunciaram que fariam a denúncia, que depois fizeram, e me envolveram sem ter uma citação a meu respeito no processo administrativo, sem ninguém me envolver, para agravar a minha situação no Conselho de Ética.

Não é verdade que participei de negociações financeiras com o senhor Duda Mendonça e nem com o senhor Valdemar Costa Neto. É só olhar o depoimento dos 2 nas CPMIs; é só quebrar sigilo bancário e telefônico. Repetiram à exaustão que eu telefonava para o Genoino a partir de telefonemas do tesoureiro do PTB; quando quebraram o sigilo telefônico, não acharam nada. Não posso aceitar denúncias vazias, tenho que repeli-las.

O saque do senhor Roberto Marques no Banco Rural é mais caricato: não tem o número do RG dele, não tem a assinatura dele, não tem o número do CPF dele, o documento não é reconhecido como autêntico pela CPI e outro cidadão retirou no mesmo dia, o mesmo cheque, com mesmo número, no mesmo valor, mas uma revista disse que o cidadão repassou recursos para ele.

Aí é a lei da suspeição do terror francês! Aí não há mais legalidade nenhuma! E eu sou culpado por quê, se o senhor Roberto Marques mantém relações públicas comigo mas não é meu assessor nem é meu funcionário, mas funcionário da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo? Não há nenhuma prova que eu tenha qualquer relação com essa questão.

Estou disposto, senhor presidente, senhoras e senhores. Deputados --e peço desculpas pela veemência --, a continuar respondendo cada acusação, cada denúncia que surgir contra mim em qualquer instância deste País. Porém, onde quero lavar a minha honra, onde quero ser inocentado é nesta Casa.

Como cada um de Vossas Excelências, recebi um mandato e o honrei. Não desonrei o mandato que o povo de São Paulo me concedeu. Todos os que me conhecem sabem que isso é verdade.

Repito: servi ao Governo do Presidente Lula durante 30 meses com honra, orgulho e paixão. A pior coisa da minha vida foi sair do Governo. Saí porque entendi que não ajudaria o Governo nem o Brasil ficando depois de todas as denúncias que foram feitas.

Eu tinha de fazer o que fiz nesses 5 meses, e todos aqui sabem o que eu passei durante nesse período. Não foi fácil chegar aqui hoje em condições de me defender. Foi graças ao apoio de centenas de milhares de brasileiras e brasileiros anônimos, das pessoas do meu gabinete, do meu advogado --e peço desculpas por ter usado o tempo dele --, de centenas de Deputadas e Deputados, de Governadores e Prefeitos, de amigos e amigas, no Governo e fora dele, do meu partido, enfim, da minha bancada, que fiquei de pé e cheguei até aqui.

Sou um sobrevivente. Não tenho valor pessoal próprio, qualidades especiais.

Aprendi tudo o que sei em diferentes fases da vida política, social e cultural do nosso País.

Por razões da vida, não fui assassinado, não caí em combate, não virei um desaparecido. Por razões da vida, quando cheguei em São Paulo, aos 14 anos, consegui emprego como office-boy e consegui estudar. Não virei mais um brasileiro no crime, na delinqüência. Cheguei até aqui graças ao nosso povo, porque o Brasil só vem melhorando, só vem avançando.

A consolidação da democracia talvez seja a maior dádiva que temos. O que precisamos fazer é evitar o que aconteceu. Denúncias de corrupção na administração pública as CPIs têm que investigar, punir os culpados e tomar medidas para impedir que volte a ocorrer, mas não aceito que haja corrupção no Governo, do Governo, ou promovida pelo Governo.

O meu partido cometeu erros, mas se colocarmos na balança tudo que o PT fez --como fizeram muitos partidos, cada um a sua maneira --pela vida política, social e econômica; pelos avanços sociais, econômicos e políticos do Brasil, veremos que ele tem mais crédito que débito, e o povo saberá julgar isso nas próximas eleições.

Para resolver esse problema sério neste País temos que fazer uma reforma político-administrativa, e me penitencio por não ter trabalhado mais para fazê-la no primeiro ano do governo presidente Lula, como já disse várias vezes. Talvez o grande desafio do Brasil --desafio que o povo vai decidir em 2006, porque vai confrontar os 4 anos de governo do presidente Lula com os governos anteriores, particularmente com o anterior --seja fazer essa reforma política administrativa.

Como não temo as investigações, sei que o presidente não as teme, nem do Ministério Público, nem da Polícia Federal e nem das CPIs, porque, no final, ficará provado que o presidente, os ministros, enfim, o governo não tem participação direta, seja por omissão ou por autorização, nos fatos que estão sendo analisados.

Repito: se há corrupção, ela precisa ser apurada, comprovada e os responsáveis punidos.

Da mesma maneira, se queremos enfrentar o problema do financiamento ilegal de campanha, do caixa dois, só o faremos se fizermos a reforma política. Não basta esta Casa ou o Senado fazer uma parte da reforma política. O país espera e demanda do Congresso Nacional uma profunda reforma política; o país sabe que não haverá eficiência de gestão, eficiência de recursos humanos, não haverá um Estado eficiente nem planejado se não fizer uma reforma administrativa.

Essa é uma pauta que devemos assumir, a qual me proponho, como cidadão e/ou como Parlamentar, a apoiar e ajudar o Congresso a fazê-lo.

Senhor presidente, senhoras e senhores deputados, cheguei a um ponto que a minha situação se transformou em agonia, em degola, em inferno, em fuzilamento político. Degola política existia na República Velha. Não podemos permitir, e peço vênia para me expressar assim, que esta Casa se transforme num tribunal de degolas políticas.

Se houver uma prova contra mim no relatório, como disse o Relator no caso Sandro Mabel, que seja robusta e cabal para me levar à condenação por quebra de decoro parlamentar. Aí, sim, aceito que a Câmara dos Deputados discuta e casse o meu mandato. Eu mesmo já disse de público, e por isso fui criticado, que a cada dia mais acreditava na minha inocência. Quando disse isso, foi porque o ônus da prova tinha sido invertido, a produção da culpa tinha sido invertida.

Refleti muito, nesses últimos cinco meses, sobre os erros que tinha cometido, sobre cada ação praticada na Casa Civil, sobre as relações que mantive com empresas, com os partidos e com a Câmara dos Deputados, mas não encontrei nada que me levasse à quebra do decoro parlamentar.

Não podemos transformar esta Casa num tribunal de exceção. Não pode haver --e não concordo com o Conselho de Ética e com o Relator --relaxamento processual nem rito sumário sobre matéria que não consta da Constituição ou dos códigos.

O que aconteceu, por pressão da opinião publicada? Formou-se uma opinião pública neste País que exigia desta Casa a cassação, o mais rápido possível, de Deputados acusados, independente do devido processo legal. Essa é a verdade. Não a esconderei. Já mostrei ao País, desde a carta que enviei às senhoras. e senhores. Deputados, o papel que determinados setores da imprensa vêm desempenhando neste país.

Muitas vezes, a imprensa tem sido de oposição ou partidarizada, mas ela precisa assumir que é de oposição ou partidarizada. Já que temos o direito de dar entrevistas e responder a ela, que assuma sua posição.

Não vejo nenhum problema de a imprensa assumir determinado partido, bandeiras ou campanhas, como aconteceu no plebiscito do desarmamento, quando alguns órgãos de imprensa apoiaram o sim e outros o não. É melhor para o País que seja de maneira transparente, clara, aberta. Quero ter o direito de dizer que muitas denúncias que surgiram e passaram a ser investigadas eram vazias e foram promovidas por setores da imprensa. Muitas conclusões foram tomadas pela imprensa antes ou mesmo sem que investigações fossem feitas.

Não temo a imprensa livre, porque seria antidemocrático. Pelo contrário, sempre defendi e sustentei a liberdade de imprensa, inclusive com risco de vida, até que a conquistamos com a promulgação da Constituição de 1988.

Senhor Presidente, senhoras e senhores. Deputados, não posso ser cassado porque era o todo-poderoso, porque não atendia telefonemas, não marcava audiências ou por causa de minha personalidade. Minha cassação significa a cassação de meus direitos políticos por dez anos, até 2016.

Isso é uma violência contra meu direito de cidadão e Parlamentar eleito e contra as eleitoras e os eleitores que me elegeram, a não ser que haja prova robusta e cabal de que quebrei o decoro parlamentar. Também considero uma violência contra 40 anos de vida pública de alguém que dedicou sua vida ao País. Lamento e me sinto constrangido em ter de afirmar isso aos senhores e senhoras. Sou obrigado a fazê-lo, porque é minha vida, minha biografia e minha história que estão em jogo hoje.

Falo isso com serenidade e tranqüilidade. Todos aqui sabem que acatarei qualquer resultado e continuarei minha vida de cidadão na política do país. Não me dobrarei, não cairei, continuarei lutando, de maneira simples e humilde, sem as condições de um parlamentar ou dirigente político. Terei de refazer minha vida por cinco ou dez anos. Peço a cada Deputada e Deputado que se coloque no meu lugar. Como é possível cassarem meus direitos políticos sem provas e até 2016, quando estarei com 70 anos de idade? É bem verdade que, com a medicina atual, devo ter ainda 30 anos de vida, pois estou com 59, mas é uma ignomínia, uma violência política sem precedentes.

Todos os Deputados e Deputadas sabem que sou um defensor do governo do presidente Lula e considero este Governo o que mais avançou no Brasil nos últimos 20 anos. Cometeu erros, tem insuficiências, não cumpriu muitas de suas tarefas, mas tem avanços importantes que estão sendo discutidos e debatidos neste momento e serão julgados nas urnas no próximo dia primeiro de outubro.

Sempre respeitei a alternância de poder. Neste momento, restabeleço a verdade: não é fato que, em 1999, eu tenha apoiado o Fora FHC. Isso precisa ser restabelecido no País, apesar da Oposição sempre intransigente, da disputa política que fiz com a coalizão que sustentou o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e da oposição que sustentei ao Governo durante dois anos. Só aceitei ser candidato a Presidente do PT quando a tese do Fora FHC foi derrotada por mais de 60% dos delegados. Digo isso para restabelecer uma verdade, porque sempre fui democrata.

Todas as minhas eleições foram diretamente, desde a época do Centro Acadêmico 11 de Agosto, quando, enfrentando a força pública de São Paulo, com gás lacrimogêneo e cassetete, fizemos uma eleição na rua Monte Alegre, na PUC de São Paulo, e fui eleito Presidente da União Estadual dos Estudantes, sob as balas e as patas dos cavalos da ditadura. Fui eleito Deputado Estadual, candidato a Governador, três vezes eleito Deputado Federal, Presidente do PT por três vezes, trabalhei junto com a maioria do partido para estabelecer a eleição direta no PT e fui eleito diretamente.

Não é verdade que sou stalinista, porque o PT é um partido profundamente democrático. Nunca nenhuma decisão do PT foi tomada por rolo compressor.

Todas as decisões que propus ao partido levaram meses para se transformar em realidade e foram aprovadas por maioria, muitas vezes de 2 ou 3%. Fui eleito Presidente do PT com 18 votos.

A tese que sustentou a mudança do PT, que levou o presidente Lula ao governo, foi eleita com 2 votos.

O PT, que não tem maioria no país, elegeu o presidente, 91 Deputados nesta Casa e 14 Senadores. O PT compôs, sim, uma base ampla, primeiro com o PL, que deu o vice, depois com o PSB e com o PC doB, aliados históricos nossos, depois com o PL, o PP, o PTB e o PMDB. Não é verdade que essa base de apoio foi composta com base em favores não legítimos, que houve compra de votos, que houve barganhas que envergonhassem esta Casa, que esta Casa votou a partir da compra de votos.

Quando saiu o relatório das CPIs, fiz meu contraditório. No outro dia, meu advogado entregou minha defesa lá. Quando saiu o relatório do Conselho do Ética, também o fiz, assim como na Corregedoria. No Conselho de Ética, nunca deixei uma acusação sem resposta, inclusive contra o governo. Não tinha autorização nem delegação para defender o governo, pois não era mais Ministro, mas sou filiado ao PT e deputado da base do Governo. Por isso defendi o governo contra as acusações de mensalão, de que os recursos vieram de fontes que não foram os empréstimos com os bancos, de superfaturamento, de empresas privadas ilegais, de contratos fictícios ou de fundos de pensão. Se eu aceitasse isso, aceitaria que o governo do presidente Lula montou um sistema de corrupção no país, autorizado pelo Presidente ou por sua delegação. Isso não é verdade! Essa verdade tem de ser restabelecida no País. Para isso existem as CPIs, o Congresso Nacional, o Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça.

Defendi com a consciência tranqüila, porque participei do governo, vivo o governo e sei que não é verdade.

Sei que existe corrupção na administração pública federal. Sei que é preciso combatê-la e a combati. Entreguei ao Conselho de Ética --e todos os Deputados e Deputadas podem ter acesso --um relatório de mais de 100 páginas da Casa Civil, da Ciset. Toda denúncia que chegou à Casa Civil contra quem quer que seja --estatal, autarquia ou Ministério --, contra qualquer diretor, presidente ou Ministro, fosse ou não denúncia --muitas vezes era pedido de informação - , encaminhei ao Ministério Público, encaminhei à Contadoria Geral da União, encaminhei ao Tribunal de Contas da União. Portanto, tenho a consciência tranqüila de que não me omiti, de que não prevariquei na Casa Civil.

Fui Ministro da Casa Civil. Não era presidente do PT. Não era deputado. Portanto, não aceito ser responsabilizado pelas decisões do PT ou como parlamentar. O Supremo tomou uma decisão, que acatei. Aliás, acatei todas as decisões do Supremo. Jamais critiquei o Supremo Tribunal Federal. Jamais critiquei também a Comissão de Constituição e Justiça quando perdi. Não aplaudi quando ganhei nem critiquei quando perdi, como alguns fizeram no país, o que não é uma atitude democrática.

Senhor presidente, não vou fazer uso de todo o tempo que me foi concedido. Tenho interesse de que a Câmara conclua a votação. Quero acordar amanhã como um cidadão que prestou contas à Câmara dos Deputados como deputado, olhou para cada parlamentar.

Durante essas semanas todas eu me dispus a conversar com cada deputada e deputado, ouvir o que cada deputado e deputada tinha a me questionar.

Enviei para cada deputado e deputada uma carta e depois as minhas defesas. Fizemos esse resumo. Todos os deputados e deputadas sabem o sacrifício que isso significou porque sabem qual é a estrutura do gabinete, sabem o salário e a verba indenizatória que têm, sabem as condições em que exercem o mandato. Não fosse a ajuda de milhares de brasileiros e brasileiras, centenas de milhares --ouso dizer --de brasileiros e brasileiras, eu não teria podido travar essa luta.

Não quero misericórdia. Não quero clemência. Tenho repetido para cada um e cada uma de vocês: Quero justiça. Que cada deputado vote com a sua consciência. Nunca agravei nenhum deputado ou deputada. Nunca agravei nenhum membro do Conselho de Ética. Nunca fiz ataque pessoal. Nunca fiz crítica que não fosse jurídica e política. Sei da situação e da posição que vivo neste momento desde o dia em que voltei para esta Casa. Sei muito bem da responsabilidade política que eu tenho nesses últimos 10 anos no Brasil. Mas sei também que essa responsabilidade não envolve --quero repetir --nada, nada que signifique quebra de decoro.

Para finalizar, senhor presidente, deputados e deputadas, quero render homenagem a todos aqueles que lutaram em nosso país pela democracia para que esta Casa hoje pudesse estar julgando.

Tenho compromisso com a luta contra a corrupção. Digo isso olhando nos olhos de cada Deputada e Deputado. Não há nada na minha vida que comprove o contrário. Em todos os cargos que ocupei, em todas as funções que desempenhei, combati a corrupção. E foi assim também no Governo do Presidente Lula. Não fui omisso, não prevariquei e, muito menos, participei.

Quero lembrar que esta Casa está-me julgando, mas também está, na verdade, fazendo um autojulgamento.

Muito obrigado pela atenção. Vamos enfrentar a votação. Muito obrigado.

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