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08/01/2006 - 08h58

Crise abalou imagem da Justiça, diz analista

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MARCELA CAMPOS
da Folha de S.Paulo

A Justiça brasileira esteve "na iminência de uma grande crise" em 2005. A afirmação é da cientista política Maria Tereza Sadek, pesquisadora do Cebepej (Centro Brasileiro de Estudos do Poder Judiciário), para quem a superexposição do Judiciário provocada por desdobramentos do escândalo do "mensalão" foi negativa e afetou sua imagem pública.

Sadek se contrapõe à comparação que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma fazer entre o Judiciário e uma caixa-preta. "Se fosse uma caixa-preta, seria bom, porque haveria um lugar onde estariam guardadas todas as informações. No Judiciário, não há informações."

Para a professora da USP, "o Brasil se complexificou, as instituições se modernizaram e o Judiciário permaneceu anacrônico". Segundo ela, um problema central da Justiça no Brasil é a falta de dados, que permitiriam traçar um diagnóstico de seus problemas.

Folha - A resolução antinepotismo promovida pelo CNJ é moralizadora ou uma caça às bruxas?

Maria Tereza Sadek
- Foi uma medida muito importante. A pesquisa que fiz para os magistrados [Associação dos Magistrados Brasileiros] mostra que a maioria é contra o nepotismo. Embora haja uma diferença importante entre juizes de primeiro e de segundo graus. Os de primeiro [71%] são percentualmente mais contrários ao nepotismo que os de segundo [58%]. Há um corte geracional, são em geral mais jovens e mais críticos em relação ao Judiciário. Aqueles na magistratura há 21 anos ou mais são mais contrários à idéia de se combater o nepotismo. A resolução é moralizadora e, mais que isso, é democrática porque diz que todos cidadãos têm condições iguais.

Folha - Estudo do Banco Mundial indica que o Brasil gasta 3,66% do Orçamento com o Judiciário, maior custo entre 35 países analisados. Por que é caro, mas ineficiente?

Sadek
- A Justiça brasileira é ineficiente porque não presta o serviço essencial que deveria, que é distribuir justiça. Os recursos no Brasil são mal aproveitados. Não há prestação de contas de uma forma que poderíamos qualificar como republicana. Uma das atribuições centrais do CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público é exatamente pensar formas de gerenciamento e administração dos recursos. É um passo inicial, ainda falta muito. Falta um bom diagnóstico do problema. Há Estados que simplesmente não prestam informações. Como é que não se sabe quantos processos entraram, quantos foram julgados? Não tem como avaliar as deficiências. A coisa mais importante acontecendo no Brasil no que se refere à Justiça é que está se conscientizando da importância de ter dados. Existem ações nesse sentido tanto do Supremo quanto da Secretaria Especial de Reforma do Judiciário. São criticadas, mas é preferível ter uma crítica quanto à correção do dado do que ausência absoluta de informação.

Folha - O cidadão comum tem acesso ao Judiciário hoje?

Sadek
- A clientela mais numerosa do Poder Judiciário é o próprio poder público ou grandes empresas. É um serviço público para atender a outras áreas do serviço público. Talvez não haja país no mundo com tamanha quantidade de processos por habitante quanto o Brasil, mas são centrados em determinados setores. Hoje, usa o Judiciário quem deseja postergar suas obrigações. É mais econômico para o devedor ir para o judiciário do que pagar.

Folha - A reforma do Judiciário cogita reduzir as possibilidades de recursos. Surtiria efeito?

Sadek
- Teria que pensar na legislação e se ela não é meramente protelatória. Mas, para fazer isso, seria necessário pesquisa. Analisar os recursos, quem impetra, em que tipo de matéria, o que acontece quando o recurso é analisado. Em princípio, é verdade [que os recursos atrasam o trâmite dos processos].

Mas há outras medidas. Os juizados especiais, por exemplo, sofrem um problema de pauta e de falta de acordos. Há demandas que poderiam ter um atendimento mais adequado se esses juizados tivessem mais recursos, mais juizes alocados, sobretudo de forma exclusiva. A defensoria pública, se tivesse uma estrutura mais encorpada, também poderia resolver grande parte dos problemas. Muitas questões nem precisam chegar ao Judiciário, podem ser resolvidas ali.

Folha - A sra. apontaria como um problema a falta de cooperação entre as instituições que integram o sistema de Justiça?

Sadek
- Tem pouca cooperação dentro do próprio Judiciário. O sistema de estatística, por exemplo, é diferente no primeiro e no segundo graus. A estatística dos tribunais dos Estados é diferente, não tem a menor padronização. Entre instituições do sistema de Justiça também. As instituições, além de não cooperarem, competem entre si. Seria necessário que houvesse incentivos à cooperação. Por exemplo, se houvesse uma escola da magistratura e do Ministério Público com programas integrados, ajudaria a haver menos divisões entre os dois grupos.

Folha - Houve ingerência do Judiciário no Legislativo no caso de José Dirceu?

Sadek
- É uma situação muito complexa, no caso brasileiro. Em primeiro lugar, porque nossa Constituição é muito detalhista. Embora todo cidadão possa garantir seus direitos, naquele caso preciso se tratava de uma questão política. São dois âmbitos distintos e é necessário que se respeitem os limites entre as duas esferas. É muito difícil fazer essa definição, sobretudo quando se constitucionalizam tantos temas. Isso nos permitiu perceber que talvez seja necessário que se discutam os limites da atuação do Supremo.

Folha - Nesse caso, faltou essa sensibilidade? Como seria possível uma relação melhor entre o Executivo e o Judiciário?

Sadek
- Ele [Dirceu] foi estimulado a continuar na Justiça. Se de início se tivesse dito "não, isso é da esfera do Legislativo", tudo teria terminado. No fim, acabou tudo bem resolvido. Mas ficamos na iminência de uma grande crise, porque esses limites não eram claros e houve uma exposição exagerada do Judiciário. Isso afeta sua imagem pública. Os juízes entenderam que, como ele [o presidente Lula] teve relação muito estreita com o Supremo, a relação com o Judiciário foi prejudicada. O Supremo não deveria ter tanto vínculo com o Executivo.

Folha - Houve uma mudança da imagem do Judiciário no governo Lula?

Sadek
- O presidente fez uma imagem da Justiça que me parece inteiramente incorreta. Ele dizia: "O Judiciário é uma caixa-preta". Eu me contraponho inteiramente à essa imagem. Se fosse uma caixa-preta, seria muito bom, porque haveria um lugar onde estariam guardadas todas as informações. No Judiciário não há informações. Não é uma coisa deliberada, "o juiz não quer prestar contas". É porque não há essa cultura de produzir as informações. O Judiciário foi criado no Brasil como uma instituição pequena, com um corpo de magistrados homogêneo, que atendia a demandas simples. O Brasil se complexificou, as instituições se modernizaram e o Judiciário permaneceu muito anacrônico. O anacronismo do Judiciário talvez seja seu traço mais forte.

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