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25/01/2006 - 09h55

Idolatria a Chávez ameaça fórum, diz analista

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RAFAEL CARIELLO
da Folha de S.Paulo

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o Fórum Social Mundial, que começou ontem e vai até o dia 29 deste mês, em Caracas, são como água e vinho, diz a pesquisadora da London School of Economics (um dos principais centros de ciências sociais do mundo) Marlies Glasius, 36.

Especialista em sociedade civil e em organizações não-governamentais, Glasius não ignora que sua avaliação --de que Chávez representa a velha prática política de esquerda e populista que o modelo dos fóruns vem superar-- não é compartilhada por muitos dos próprios participantes desses encontros para que "um outro mundo" seja possível.

E é justamente por isso que vê no venezuelano um perigo para o fórum e o que ele traz de práticas novas. "Essa é uma grande preocupação minha. Fico impressionada ao conversar com brasileiros, e latino-americanos em geral, que são bastante críticos de seus próprios líderes de esquerda, mas que seguem Chávez de maneira quase servil. Creio que é razoável ter o bolivarianismo na pauta de discussões, mas esse deveria ser um debate crítico."

A seguir, trechos da entrevista.

Folha - Que diferença fizeram os fóruns sociais desde que foram criados?

Marlies Glasius - Há indicações de que eles conseguiram realizar mudanças, tanto internamente à sociedade civil, nas organizações não-governamentais, quanto externamente, ou seja, na agenda mundial.
Para começar com a influência externa, o Fórum Social Mundial começou como contraponto ao Fórum Econômico Mundial, e, se você comparar a agenda das discussões desse fórum em 2001 --que consistia basicamente de líderes econômicos e de negócios elogiando-se uns aos outros--, quando não havia agenda social no encontro, com as discussões de 2005, você ficará impressionado com os temas --há assuntos como dívida, mudança climática, ajuda para países em desenvolvimento etc.

É claro que não é fácil atribuir essas mudanças exclusivamente ao Fórum Social Mundial, mas creio que pode-se dizer que houve influência na opinião pública, que por fez pressão sobre seus líderes para que esses assuntos fizessem parte das discussões. Isso ocorre em parte por causa do fórum.

Do ponto de vista "interno", os encontros permitiram que as organizações da sociedade civil e seus integrantes se encontrassem para além de seus campos de ação estreitos e específicos --por exemplo, ativistas de direitos humanos conversam com ambientalistas etc. Novas conexões puderam ser feitas a partir dos fóruns.

Folha - Sobre o modo específico como o fórum se organiza, a sra. crê que ele poderia ser mais eficiente? Uma das críticas mais comuns ao fórum é a de que o número caótico de atividades, sem hierarquia, dificulta a sua compreensão.

Glasius - Não, não creio que ele deveria ser mais eficiente. Um dos maiores perigos para o fórum social seria tentar se tornar, de alguma maneira, "eficiente". Temos organizações, ONGs, que são bastante eficientes. Mas o fórum, para mim, é na verdade um local de debates e de oportunidade de encontros e trocas --para assim fazer política de uma maneira diferente, mais democrática. Na verdade, portanto, eles deveriam se precaver contra a possibilidade de se tornarem "eficientes".

E é verdade que eles não trazem propostas finais e unificadas, mas essa é a idéia, essa é a força do fórum: não ser uma campanha de uma organização. De maneira ampla, sabe-se que eles buscam alternativas para a globalização --desde que mantenham as discussões e a busca dessas alternativas num formato bastante aberto.

Várias propostas específicas também surgem ali. Não se trata de um grande programa, mas de várias pequenas coisas.

Folha - É possível explicar por que o fórum foi criado? A que necessidade ele respondia?

Glasius - A razão, em termos políticos, foi o cansaço com o modo como se dava a globalização. Mas o modo como o fórum cresceu, aquilo em que ele se tornou, de certa forma foi um enorme acidente. As pessoas que se reuniram para criá-lo pensaram na verdade numa grande conferência intelectual de esquerda de tipo tradicional. O que eles talvez não esperassem era que esses milhares de pessoas aparecessem e começassem a fazer política de sua própria maneira. Não foi organizado de cima para baixo, mas, se não foi totalmente espontâneo, ao menos o foi em grande medida.

E isso não tem a ver exclusivamente com o cansaço com a globalização, mas é também fruto do cansaço com as formas tradicionais de esquerda de fazer política.

Folha - A sra. crê que o fórum continuará a ter, no futuro, a mesma importância que lhe tem sido atribuída nesses primeiros anos?

Glasius - É possível. Porque não se trata apenas do fórum, mas sim de reuniões que em todo o mundo as pessoas começaram a fazer, em seus próprios fóruns sociais locais. Esse é um processo que ainda está crescendo na Europa e na América Latina.

Folha - Como a sra. vê a realização do fórum em Caracas? Existe algum risco de que se transforme num grande evento pró-Chávez?

Glasius - Essa é uma grande preocupação minha. Fico impressionada ao conversar com brasileiros, e latino-americanos em geral, que são bastante críticos de seus próprios líderes de esquerda, mas que seguem Chávez de maneira quase servil. Creio que é razoável ter o bolivarianismo na pauta de discussões, mas esse deveria ser um debate crítico, e não uma peça de propaganda pró-Chávez. E me preocupa o fato de que possa se tornar isso.

Não acredito em nenhum tipo de censura por parte de Chávez, mas creio que os próprios ativistas poderiam se auto-censurar. Espero de fato que haja algum debate crítico sobre o governo Chávez. Mas não sei se isso chegará a acontecer. O fórum deveria ser exatamente uma crítica e uma rejeição à obediência a líderes.

Folha - Qual é o apelo de Chávez? Por que ele poderia reverter isso que a sra. considera a principal característica do fórum?

Glasius - Tem a ver com a esquerda latino-americana. Que, em grande medida, é bastante interessante em suas noções de participação da sociedade civil, mas também tem uma tradição de líderes populistas. Há uma espécie de nostalgia por grandes líderes. Talvez não creiam mais em Fidel Castro, mas admiram Chávez.

Folha - Por quê? É mais fácil assim?

Glasius - Sim, creio que sim. As pessoas se sentem sempre reconfortadas por grandes líderes. Além disso, é preciso considerar o momento em que vivemos no mundo, em que Chávez parece ser o único que abertamente desafia George W. Bush e o imperialismo. Isso é sempre bem popular.

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