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26/03/2006 - 10h34

Quero ir para longe do Brasil, diz caseiro que acusa ministro

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RUBENS VALENTE
da Folha de S.Paulo, em Brasília

A sucessão de eventos que atingiram Francenildo dos Santos Costa, 24, após o depoimento prestado à CPI dos Bingos (a decisão da Justiça impedindo que falasse, a violação da sua conta bancária e um pedido do governo para investigá-lo por "lavagem de dinheiro") abalou sua confiança no país. Seu maior desejo hoje? "Ir para bem longe do Brasil."

O caseiro está sem casa. Na última semana, dormiu num lugar diferente a cada noite. Equipes de TV rondam seu último endereço, em São Sebastião (DF), fazem perguntas aos vizinhos sobre seu dia-a-dia e querem saber "quem paga o aluguel". Não voltou mais para lá. Numa noite, dormiu no escritório do advogado. Na maior parte das vezes, em casas de amigos. Por causa das pressões, teve problemas com sua mulher, Nelma, com quem vive há sete anos e tem um filho da mesma idade.

Parou de freqüentar o supletivo (ele estudou até a 5ª série) assim que suas declarações vieram a público. Na noite do dia 17, quando foi revelada a violação de seu sigilo bancário, desabafou à Folha: "Minha avó está passando mal. Se alguma coisa acontecer com ela, eu me suicido". Ela tem 67 anos e teria desmaiado ao ver na TV o neto sendo "desmentido".

Uma semana depois, Francenildo descobriria ser alvo de um inquérito policial. Chorou com um amigo e disse que pretendia voltar para o Piauí, sua terra natal, que deixou aos 16 anos de idade, com R$ 30,00 no bolso e a mãe ao lado.

"Queria chorar um dia e uma noite seguidos", disse logo após deixar o prédio da Procuradoria Geral da República, onde fizera a enésima narrativa de tudo o que disse ter visto na casa do Lago Sul alugada por ex-assessores do ministro Antonio Palocci (Fazenda).

O caseiro disse que não tinha a mínima idéia do que ocorreria a partir da decisão de procurar um amigo para dizer que queria narrar, na CPI, o que afirma ter presenciado na casa. Quando contou ao amigo o que pretendia fazer, o interlocutor antecipou a tempestade. "Ele me disse: "Tu quer chutar o balde mesmo?'", lembrou-se o caseiro. Francenildo disse que sua principal motivação foi ver pela TV "as mentiras" dos freqüentadores da casa. Disse ter ficado "indignado".

"Eu pensava que o negócio era só falar no jornal e pronto. Foi totalmente diferente", contou. Não esperava tornar-se um alvo da polícia e do governo. "Eles têm que investigar o [Vladimir] Poleto, o próprio [Antonio] Palocci."

Francenildo Costa está no olho de um furacão muito diferente de sua pacata rotina de limpar a piscina, cortar a grama e aparar a cerca viva, pela qual recebe R$ 700 mensais (agora está de licença, mas o patrão, o advogado Luiz Antônio Guerra, já avisou que vai mantê-lo no emprego).

O pai

Antes disso, Francenildo foi garçom e auxiliar de um mercado em Ceilândia (DF) e catador de milho e feijão na sua Nazária (PI). Começou a trabalhar aos seis, sete anos de idade. Às vezes o trabalho avançava pela noite, por isso estudou tão pouco. Quando não conseguia carona num lombo de jegue, enfrentava uma caminhada de três ou quatro horas até a roça.

Só a partir dos dez anos é que Francenildo passou a se interrogar sobre a razão de não ter um pai por perto. Atribuía esse papel a seu avô, José Rosendo, 60.

Os amigos da família e conhecidos caçoavam dele, ao dizer que ele era filho de um homem chamado Eurípedes, dono de uma empresa de ônibus. "Faziam piadinhas, eu ficava chateado. Todo mundo tem pai, e os caras ficavam fazendo piadas."

As brincadeiras começaram a lhe perturbar. Um dia, decidiu tirar o assunto a limpo, "só para jogar na cara dos "abestados" que ele era realmente meu pai". Interpelou sua mãe, Benta Maria dos Santos Costa, 42, para saber se o empresário de Teresina (PI) Eurípedes Soares da Silva era mesmo seu pai. Lavradora e lavadeira de roupa nas águas do rio Parnaíba, Benta confirmou. Fracenildo reconstituiu a conversa: ""Quem é meu pai mesmo?" [Ela respondeu] "É o Eurípedes", "E por que ele nunca assumiu?", "Ah, é problema dele lá'".

Ao responder o que sentiu ao ouvir o nome do pai, respondeu: "Eu me senti normal". O garoto foi ter com o empresário. Não ouviu o reconhecimento da paternidade, mas recebeu 800 cruzeiros, tudo entregue à mãe, que lhe comprou uma rede de dormir e fez compras no mercado.

A mesma cena se repetiria cerca de 12 anos depois, em janeiro último. Dessa vez, Francenildo saiu com R$ 10 mil em espécie e a promessa de mais R$ 20 mil. Até agora, R$ 25 mil chegaram à sua conta. O empresário já confirmou os depósitos, mas não a paternidade.

Reconhecimento

Para estar com o empresário de novo, Francenildo comprou uma passagem aérea a R$ 420. Do total, R$ 250 foram emprestados pelo patrão, Luiz Antônio Guerra, que confirmou ter feito um adiantamento salarial.

O caseiro contou ter pressionado seu suposto pai com a afirmação de que estava disposto a abrir uma ação judicial de investigação de paternidade. O empresário argumentou que não era necessário. Sem sucesso, resolveu dar o dinheiro ao caseiro. Estiveram juntos outras vezes naquele janeiro, na garagem da empresa. Em todos esses contatos, Eurípedes não chamou Francenildo de filho. Mas o abraçou, uma vez.

O reconhecimento que o caseiro não teve do empresário, contudo, tem chegado das ruas. Desde que prestou o depoimento à CPI, Francenildo experimenta certa notoriedade. As pessoas o reconhecem e o parabenizam.

O caseiro é um palmeirense doente. Um de seus orgulhos é ter uma camiseta autografada do goleiro Marcos. Na última sexta-feira, descobriu que um grupo de advogados quer recebê-lo em São Paulo, para lhe dar apoio. Ficou satisfeito com a possibilidade de conhecer o Parque Antártica.

Especial
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