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16/04/2006 - 09h08

Sobreviventes de Carajás carregam seqüelas

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EDUARDO SCOLESE
JORGE ARAÚJO
Enviados da Folha de S.Paulo a Eldorado do Carajás

Além de 19 sem-terra mortos, o massacre de Eldorado do Carajás completa dez anos amanhã com um saldo de dezenas de vítimas que ainda sofrem com as seqüelas daquele 17 de abril de 1996. A rotina de algumas delas é mantida a doses de remédios e visitas a hospitais para aliviar as dores causadas por balas alojadas na cabeça, no pescoço, no peito e nas pernas.

Na semana passada, a Folha localizou algumas delas. A maioria vive no assentamento 17 de Abril, em Eldorado do Carajás (PA). A área, a antiga fazenda Macaxeira, foi desapropriada pela União depois que 19 sem-terra morreram e outros 69 ficaram feridos numa operação da Polícia Militar para desobstruir a rodovia PA-150, bloqueada na curva do "S" por uma marcha do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Hoje ninguém está preso por conta do massacre. Dos 155 PMs que participaram da ação, só dois foram condenados pela Justiça do Pará.

Mas, por conta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria de Oliveira aguardam em liberdade até que se esgotem todas as opções de recursos, o que deve durar dois anos.

Rubenita Justiniano da Silva, 36, é uma das sobreviventes. Ela vive com a mãe e uma irmã numa pequena ilha da periferia de Belém e até hoje carrega no pescoço uma bala que, dez anos atrás, entrou por sua boca, fraturou a mandíbula, rasgou a língua e quebrou seis dentes.

"Não consigo trabalhar. Meu olho fica vermelho e dói o pescoço. Tenho de ficar correndo atrás de médico e remédio."

Ela conta que entrou por acaso no MST. Cansada da vida de doméstica e de entregadora de marmitex na capital, partiu ao sul do Pará em 1992. "Aí descobri que um irmão meu estava na coordenação do movimento. Comecei a me engajar, ajudando nas reuniões e nos acampamentos."

Sobre o dia do conflito, ela diz: "Foi terrível, não tem nem como descrever. Depois que levei o tiro, consegui me apoiar num companheiro, mas não conseguia nem respirar. E só depois de dois dias é que me levaram para Belém".

Garimpeiro

Piauiense de Luzilândia, Antonio Alves de Oliveira, o Índio, 45, carrega três balas do conflito. "Tem uma na perna esquerda, uma no joelho direito e mais uma no calcanhar direito, que é a pior de todas. Não consigo nem andar direito que já começa a doer."

Em 1982, Oliveira deixou oito filhos para trabalhar em Serra Pelada (PA). Passada a febre do garimpo, virou sem-terra e passou a viver nos acampamentos do MST. Hoje cuida da burocracia do assentamento 17 de Abril. "Nunca mais tive a chance de exercer meus trabalhos normais."

Assim como Oliveira, José Carlos dos Santos, 26, é uma das 20 vítimas que recebe desde 2000 uma pensão de um salário mínimo e meio do governo do Pará. No conflito, levou um tiro no olho direito. Perdeu essa visão e tem fortes dores de cabeça por conta do projétil alojado em sua cabeça.

"Não tem como tirar a bala. Se tentar, o médico disse que eu morro ou fico doido", afirma José Carlos, que vive no 17 de Abril com os pais, José Maria, 62, e Maria Raimunda, 52. "Nosso dia-a-dia é muito triste. Uma mãe ver um filho assim, sofrendo e sem condições de trabalhar, é uma tristeza só", afirma a mãe.

No assentamento, cada família cuida de seu próprio lote. Plantam arroz, feijão, milho, banana e mandioca. Numa área de 19 mil hectares, vivem hoje 6.000 pessoas, mais do dobro das 2.500 que chegaram por lá no final de 1996.

Josimar Pereira de Freitas, 41, é um dos coordenadores do assentamento. Dez anos atrás, ele levou um tiro de fuzil na perna direita de homens da tropa do coronel Pantoja. Teve fratura exposta.

"Me levaram para o meio do mato, uns 500 metros da rodovia, onde tinha um monte de gente agonizando." Natural de Ananás (TO), casado e pai de três filhos, passou oito meses com a perna engessada. "Eu estou aqui conversando e sempre tem uma dor que incomoda. Eu sofro de cãibras quase todos os dias."

Outro caso de fratura exposta é de Domingos da Conceição, 30. Por conta das fraturas, sua perna direita encurtou 2,5 cm: "Eu nunca pensei que eles [PMs] fossem atirar para matar", diz. "Em dias de frio, a perna dói muito."

Ao lado de Domingos, outro maranhense, João Rodrigues, 31, conta sua história. "O sonho do meu pai sempre foi ter um pedaço de terra. Por isso eu entrei no movimento. Hoje, ele [pai] está feliz por eu estar vivo e triste por ver um filho com dificuldades para trabalhar."

Natural de Vitorino Freire (MA), Rodrigues carrega até hoje uma bala no peito. "Eu até tento trabalhar na roça, mas o peito começa a doer e o braço fica adormecido. Tenho que tomar sempre um antiinflamatório."

Rubenita, Oliveira, Domingos e Rodrigues trabalham agora para vender exemplares do recém-lançado "Os sobreviventes do Massacre de Eldorado do Carajás", livro de produção independente do advogado Walmir Brelaz. "Tudo o que for arrecadado virá para pagar os custos que temos com remédios e hospitais", diz Rubenita.

Especial
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