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19/06/2006 - 09h01

Sob Lula, contas pendentes chegam a R$ 39,6 bilhões

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MARTA SALOMON
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Os sucessivos recordes em economia de gastos obtidos pelo governo federal, o chamado superávit primário, nos últimos anos, ocultam despesas não pagas que alcançaram R$ 39,6 bilhões no início do último ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O número é considerado "preocupante" pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

O volume de contas pendentes de pagamento no início de 2006 era mais de três vezes o limite de gastos determinado para investimentos no ano. Fixado por decreto presidencial em R$ 13 bilhões, o limite de gastos não é suficiente nem para pagar os investimentos já contratados até dezembro de 2005, no valor de R$ 13,2 bilhões, segundo o Siafi (sistema informatizado de acompanhamento dos gastos federais).

No último ano de Lula, restam três opções: 1) cancelar parte dos gastos já comprometidos, a maior parte objeto de contratos e alguns referentes a serviços e produtos já entregues --o que pode resultar em calote; 2) radicalizar os cortes de gastos em ano eleitoral ou 3) aumentar ainda mais o volume de despesas pendentes, conhecidas no jargão das contas públicas como "restos a pagar".

Nesse último caso, Lula ou seu sucessor começará o mandato em 2007 com parte importante dos tributos a serem arrecadados comprometida com gastos passados. O maior constrangimento vai ocorrer nos ministérios da Saúde, da Defesa e dos Transportes, que registram o maior saldo de contas pendentes. Questionada sobre as alternativas acima, a Secretaria do Tesouro Nacional foi algo evasiva na resposta. Disse que o volume de restos a pagar em 2006 "não deve ser superior ao montante registrado ao final de 2005".

Fora da contabilidade

Ao calcular o superávit primário (economia destinada ao pagamento de juros da dívida pública), o governo não leva em conta despesas não pagas.
Dados do Tesouro Nacional mostram que os superávits obtidos a partir dos acordos com o FMI, em 1998, deixaram de lado grande volume de despesas.

Na série histórica, os piores desempenhos foram registrados em 1999 (início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso), em 2003 (primeiro ano de Lula) e em 2005. Em 2003, quando oficialmente o governo economizou R$ 39,6 bilhões para juros e encargos da dívida, os restos a pagar somaram R$ 33,5 bilhões (equivalente a quase 85% do superávit do governo central).

Se a conta dos restos a pagar fosse incluída, seria anulada parte importante da meta de corte alcançada em 2003, em conjunto com estatais, Estados e municípios, equivalente a 4,25% do PIB. No segundo ano de Lula, a conta dos restos a pagar encolheu mais de R$ 10 bilhões. Entre 2004 e 2005, voltou a crescer: 78%.

Levantamento feito pela ONG Contas Abertas a pedido da Folha mostra os efeitos perversos dos restos a pagar.

Mesmo em valores corrigidos, Lula registra recorde em investimentos neste ano, mas 98% dos gastos referem-se a despesas assumidas até 2005.
Dos investimentos pagos, há R$ 88 milhões autorizados pela lei orçamentária de 2006 contra R$ 3,7 bilhões de obras e serviços cujo pagamento encontrava-se pendente. Ou seja, a cada ano, é preciso optar entre pagar as contas anteriores ou cumprir os gastos autorizados pela lei orçamentária.

Os restos a pagar ganharam destaque no noticiário há pouco mais de três anos. A 13 dias de passar a faixa presidencial para Lula, Fernando Henrique Cardoso mandou cancelar R$ 26,1 bilhões (R$ 2,7 bilhões correspondiam supostamente por serviços concluídos) de despesas pendentes de 2001.

Cerca de 2.000 contratos administrados pela Caixa Econômica Federal na área de saneamento e urbanização foram para o limbo. Mais de mil obras foram paralisadas na ocasião.

Outro decreto, baixado pelo próprio Lula em fevereiro de 2003, cancelou mais R$ 18,1 bilhões de despesas pendentes, dos quais R$ 700 milhões já haviam sido objeto de liquidação.

Outro lado

A Secretaria do Tesouro Nacional contesta o termo "preocupante" usado pelo Tribunal de Contas da União para classificar o volume de contas pendentes do governo. Os números, segundo o Tesouro, são "uma decorrência natural" do fato de que nem sempre o governo cumpre todas as etapas do gasto no mesmo ano em que uma despesa foi autorizada.

"É razoável que a administração pública possa utilizar créditos consignados no Orçamento mesmo que o pagamento da despesa ocorra no exercício seguinte, pois o gasto está autorizado", disse o Tesouro, pela assessoria do Ministério da Fazenda.

O Tesouro Nacional se esquivou das perguntas sobre a possibilidade de cancelamento de despesas de anos anteriores. Disse apenas que "o cancelamento significativo" de restos a pagar ocorreu em 2003 e que "o montante das despesas da lei Orçamentária de 2006 a ser inscrito em restos a pagar ao final do ano não deve ser superior ao montante inscrito ao final do exercício de 2005 [quando atingiu R$ 39,5 bilhões]".

Segundo o TCU, o volume acumulado de restos a pagar não fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (que proíbe, nos dois últimos quadrimestres de mandato, que sejam contraídos compromissos de gastos sem que haja dinheiro suficiente em caixa).

O relatório sobre as contas da União de 2005 indica que haveria dinheiro suficiente para pagar as contas e registra saldo de R$ 242,6 milhões no caixa do governo.

Apesar do saldo alto, o TCU alerta: "De fato, em decorrência dos contingenciamentos [bloqueios de gastos], parte dos recursos arrecadados não tem sido alocada a despesas para as quais legalmente se destina. Nesses casos, as altas disponibilidades podem ser bastante transitórias, servindo para pagamentos que se efetivarão em um curto período de tempo".

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