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10/09/2006 - 09h15

Eleição de mensaleiros não é falência política, diz analista

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FLÁVIA MARREIRO
da Folha de S.Paulo

Para o cientista político carioca Fabiano Santos, 41, é uma "tolice" considerar a eventual eleição de mensaleiros ao Congresso como um sinal de falência da política brasileira.

Santos defende que o caso dos políticos que receberam dinheiro do valerioduto "é diferente de corrupção pura e simples, de gatunos que foram pegos roubando". "Há a idéia: "Votou-se nos mensaleiros e então realmente estamos todos acabados e o Brasil não tem jeito". Não tenho preocupação com isso. Acho que isso é uma tolice."

Santos diz que a população enxerga no PT e no governo "ambigüidade" quando o tema é corrupção: houve os escândalos políticos mas também houve espaço para que os mecanismos de controle atuassem.

O coordenador do Núcleo de Estudos do Congresso do Iuperj, que se define como de centro-esquerda e assinou um manifesto em apoio à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sugeriu que o PSDB "encare as dificuldades com tranqüilidade democrática, e sem recorrer a lacerdismos".

FOLHA - O que representa a possibilidade de reeleição de Lula no primeiro turno? Os escândalos de corrupção não são decisivos?
FABIANO SANTOS -
Primeiro, Lula é amplamente favorito, mas ainda há uma possibilidade de segundo turno.... O sinal mais contundente é que as políticas públicas voltadas para a pobreza e a miséria foram muito eficientes e reconhecidas pela população e estão virando voto nas classes médias e alta, num fenômeno já apontado por petistas e analistas que é muito interessante. Em relação à corrupção e aos escândalos, o que ocorreu no governo Lula é um fenômeno composto. Efetivamente, tivemos revelações e confirmações de que membros do partido infringiram a lei. Mas o governo é ambíguo: ao mesmo tempo que usou instrumentos não-éticos no combate político, por outro lado, do ponto de vista da gestão do combate à corrupção, foi muito eficiente, aparelhou a Polícia Federal, tem dado tratamento igual às classes mais e menos favorecidas. Essa ambigüidade influencia o julgamento da população.

FOLHA - Não se corre o risco de haver uma "naturalização" de comportamentos políticos à revelia da legislação, se fiando, por exemplo, na declaração de Lula de que todo mundo faz caixa dois?
SANTOS -
A questão da corrupção não é o principal tema, mas a população não passa ao largo dele. Quando Lula disse que o que o PT fez o que todos fazem sistematicamente, foi a admissão de que eles estavam se armando com instrumentos que os partidos conservadores sempre utilizaram. O que isso representa do ponto de vista da pedagogia política? O mais importante é o fato de que ao longo do tempo, independentemente dos governos, tenhamos aperfeiçoado os mecanismos de controle. Esses instrumentos estão trabalhando para termos mais transparência, a transparência possível à nossa democracia. O PT deixou explicitado quem tinha responsabilidades. Não vi isso acontecer em outros partidos. O próprio ex-presidente FHC falou que o tratamento do PSDB em relação ao senador Azeredo não foi o mais adequado... Essa tentativa de partidarizar a questão da corrupção é um erro. E é um erro que a população não está cometendo.

FOLHA - O que esperar do desempenho eleitoral de candidatos sanguessugas e mensaleiros?
SANTOS -
É difícil prever o que vai acontecer. No caso dos mensaleiros, é diferente de corrupção pura e simples, de gatunos que foram pegos roubando. O que foi caracterizado foi o uso de recursos não-contabilizados pelas campanhas.
Há as imagens fortes de uma quadrilha, que se organizou para infringir a lei, mas o objetivo ali era o jogo político. Tem de ser punido pela lei. Mas como a população vai reagir? Impossível saber. Mas pode haver um movimento de revanche por parte do eleitor do PT. Como se estivessem dizendo: "Houve uma tentativa forte de desmoralizar o partido e para além daquilo que seria razoável. Agora chegou a vez de dar o nosso voto". Há a idéia: "Votou-se nos mensaleiros e então realmente estamos todos acabados e o Brasil não tem jeito". Não tenho preocupação com isso. Acho que isso é uma tolice.

FOLHA - O PSDB passa por um momento delicado, com o abandono da candidatura Alckmin, não? Como sairá desta eleição?
SANTOS -
O abandono ocorre porque a candidatura Lula é muito forte. Mas a vida continua. O PSDB é a principal alternativa do eleitorado em relação ao Lula e ao PT e pode ser que cresça, com votação próximo de 30%. O PT já esteve nessa situação por muito tempo. O principal problema dos tucanos agora é a falta de uma alternativa programática. Por exemplo, a política econômica de estabilidade, de inflação baixa eram conquistas identificadas com o PSDB que o PT acabou conseguindo tomar. O PSDB tem de encarar as dificuldades com tranqüilidade democrática, e não recorrer a lacerdismos, partidarizar o moralismo ou a ética.

FOLHA - Essa tendência de convergência programática entre tucanos e petistas não é o fim do debate e um risco para as próprias legendas?
SANTOS -
Há diferenças e elas estão sendo reconhecidos pela população. O trato da questão da pobreza e da desigualdade é a marca da centro-esquerda, do PT: a pobreza é um problema do Estado, e não do pobre. No outro campo, do PSDB, há uma questão: criar um ambiente bom para os mercados funcionarem, para que haja investimento, o "choque de capitalismo". O PT está sendo identificado com o "choque social".

O PT está no seu momento porque está tendo essa marca de combate à pobreza e à desigualdade sem abrir mão daquilo que se transformou em questões de Estado no Brasil, como a estabilidade, trazida pelo PSDB. O PT está estabelecendo como pressuposto a questão da desigualdade como política de Estado. Os próximos governos vão ter de assumi-la também.

FOLHA - O sr. concorda com a idéia que o "lulismo" está tomando o lugar do petismo?
SANTOS -
Acreditar nisso significa não perceber o que está acontecendo na evolução da democracia brasileira. Existe uma estabilização do voto nos partidos muito grande. Precisamos ver o que vai acontecer nas eleições congressuais, mas nas minhas projeções o PT ainda vai ser o maior partido. Por outro lado, não vejo porque a "pessoa Lula" estaria tão acima do PT. São inteiramente identificados. Lulismo seria um "downgrade" do movimento político que o próprio Lula tem feito. Lula tem a noção exata do que o PT representa e a última coisa que ele pretende jogar fora é esse capital institucional que ajudou a construir.

A ele não interessa estabelecer o "lulismo", não interessa evidentemente ao PT, e interessa a ambos vincular os ganhos e os avanços em termos de política social ao partido. Essa identificação com os mais pobres, o uso de uma linguagem que a maioria da população entende não é incompatível com uma construção institucional consistente. Fazer análise desse tipo é forçar a barra.

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