Publicidade
Publicidade
13/03/2004
-
09h01
LEONARDO MEDEIROS
da Folha Online
Aprovada na Câmara dos Deputados, a Lei de Biossegurança representou uma derrota para a comunidade científica. Após mudanças de última hora, o texto que foi a plenário determinava o veto às pesquisas com células embrionárias.
Antes da votação, porém, os cientistas fizeram sua parte, tentando mostrar aos deputados a importância da regulamentação das pesquisas com células-tronco para o avanço do tratamento de inúmeras doenças.
Entre eles estava Mayana Zatz, 55, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP (Universidade de São Paulo).
Reconhecida internacionalmente por sua pesquisa com distrofia muscular, seu trabalho atual se concentra na obtenção de células-tronco do cordão umbilical para o tratamento de doenças degenerativas.
Em entrevista à Folha Online, Zatz defende um ponto polêmico: a pesquisa com embriões para a extração de células-tronco. "Quando nós falamos de embriões, muita gente acha que nos referimos a fetos, com perninhas e bracinhos. Mas nos referimos a montinhos de células [...] que têm um potencial de vida baixíssimo", afirma.
Para a cientista, o Brasil não pode abrir mão das células embrionárias por uma questão de saúde pública. "[...] muitos pacientes não têm tempo para esperar até descobrirmos se as células do cordão umbilical são suficientes ou não. Precisamos trabalhar com as duas hipóteses ao mesmo tempo."
Folha - Não é direito da sociedade decidir sobre os rumos da ciência e do conhecimento humano? No caso, se é correto fazer pesquisas com embriões?
Mayana Zatz - Acho muito importante [a participação da sociedade na tomada de decisões], porém eu noto que existe uma grande desinformação. Quando nós falamos de embriões, muita gente acha que nos referimos a fetos, com perninhas e bracinhos. Mas nos referimos a montinhos de células menores que a cabeça de um alfinete, a embriões que têm um potencial de vida baixíssimo. O mesmo aconteceu quando se pensou em fazer transplantes de órgãos. Também houve uma revolta na sociedade, mas hoje muitas vidas são salvas.
Folha - Os grupos religiosos defendem o veto às pesquisas embrionárias porque acreditam que a vida começa na concepção. Para a ciência, quando começa a vida?
Zatz - A ciência tem uma visão, que eu acho bastante interessante, segundo a qual não existe começo ou fim: a vida seria um ciclo. Ou seja, um embrião se forma, se desenvolve e um dia vai produzir células germinativas que vão originar um novo ser. Levando em conta esta filosofia, para um embrião congelado, que não tem qualidade para formar uma vida, o ciclo acabou. Mas se, a partir deste embrião, forem extraídas células-tronco que podem curar, por exemplo, uma criança acometida por uma doença letal, estaremos mantendo o ciclo da vida.
Folha - Se o Senado aprovar a lei da maneira como recebeu da Câmara, o que isso significa para as pesquisas científicas?
Zatz - Significa que não vamos poder fazer pesquisas com células embrionárias. Há poucas semanas, um grupo de coreanos pediu patente porque conseguiu fazer linhagens de células-tronco embrionárias. Isso quer dizer que nós já vamos ter que pagar royalties se não conseguirmos fazer pesquisas no Brasil
Folha - A legislação atual deixa brechas para a pesquisa com células-tronco?
Zatz - A legislação atual não é muito definida. Mas hoje a gente não pode fazer pesquisas com células embrionárias. As clínicas de fertilização jogam os embriões no lixo, mas não cedem para pesquisa porque podem ser punidas.
Folha - Que mudanças a comunidade científica deseja para o projeto de biossegurança?
Zatz - Duas coisas são fundamentais. A primeira é a permissão para pesquisas com células embrionárias e a segunda, agilidade nas decisões. Não adianta permitir a pesquisa, mas os comitês de ética levarem três anos para aprovar qualquer projeto.
Folha - Como estão as pesquisas com células-tronco atualmente?
Zatz - Nosso grupo está trabalhando com células-tronco do cordão umbilical. Mas, por enquanto, só há experiências, ninguém testou ainda em pacientes. Por outro lado, a gente tem visto trabalhos novos com células-tronco embrionárias comprovando a potencialidade destas células em se diferenciar em qualquer tecido. Eu quero muito que as células de cordão umbilical funcionem porque o problema estaria resolvido. Mas não podemos abrir mão de testar as células embrionárias porque muitos pacientes não têm tempo para esperar até descobrirmos se as células do cordão umbilical são suficientes ou não. Precisamos trabalhar com as duas hipóteses ao mesmo tempo.
Leia mais
Células-tronco são esperança para portadores de doenças genéticas
Lei de Biossegurança veta pesquisas com células-tronco embrionárias
Entenda a polêmica sobre as células-tronco
Especial
Leia o que já foi publicado sobre pesquisas com células-tronco
Enquete: Você é a favor das pesquisas com células-tronco embrionárias?
Cientista da USP defende pesquisas com células-tronco embrionárias
Publicidade
da Folha Online
Aprovada na Câmara dos Deputados, a Lei de Biossegurança representou uma derrota para a comunidade científica. Após mudanças de última hora, o texto que foi a plenário determinava o veto às pesquisas com células embrionárias.
Antes da votação, porém, os cientistas fizeram sua parte, tentando mostrar aos deputados a importância da regulamentação das pesquisas com células-tronco para o avanço do tratamento de inúmeras doenças.
Entre eles estava Mayana Zatz, 55, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP (Universidade de São Paulo).
Reconhecida internacionalmente por sua pesquisa com distrofia muscular, seu trabalho atual se concentra na obtenção de células-tronco do cordão umbilical para o tratamento de doenças degenerativas.
Em entrevista à Folha Online, Zatz defende um ponto polêmico: a pesquisa com embriões para a extração de células-tronco. "Quando nós falamos de embriões, muita gente acha que nos referimos a fetos, com perninhas e bracinhos. Mas nos referimos a montinhos de células [...] que têm um potencial de vida baixíssimo", afirma.
Para a cientista, o Brasil não pode abrir mão das células embrionárias por uma questão de saúde pública. "[...] muitos pacientes não têm tempo para esperar até descobrirmos se as células do cordão umbilical são suficientes ou não. Precisamos trabalhar com as duas hipóteses ao mesmo tempo."
Folha - Não é direito da sociedade decidir sobre os rumos da ciência e do conhecimento humano? No caso, se é correto fazer pesquisas com embriões?
Mayana Zatz - Acho muito importante [a participação da sociedade na tomada de decisões], porém eu noto que existe uma grande desinformação. Quando nós falamos de embriões, muita gente acha que nos referimos a fetos, com perninhas e bracinhos. Mas nos referimos a montinhos de células menores que a cabeça de um alfinete, a embriões que têm um potencial de vida baixíssimo. O mesmo aconteceu quando se pensou em fazer transplantes de órgãos. Também houve uma revolta na sociedade, mas hoje muitas vidas são salvas.
Folha - Os grupos religiosos defendem o veto às pesquisas embrionárias porque acreditam que a vida começa na concepção. Para a ciência, quando começa a vida?
Zatz - A ciência tem uma visão, que eu acho bastante interessante, segundo a qual não existe começo ou fim: a vida seria um ciclo. Ou seja, um embrião se forma, se desenvolve e um dia vai produzir células germinativas que vão originar um novo ser. Levando em conta esta filosofia, para um embrião congelado, que não tem qualidade para formar uma vida, o ciclo acabou. Mas se, a partir deste embrião, forem extraídas células-tronco que podem curar, por exemplo, uma criança acometida por uma doença letal, estaremos mantendo o ciclo da vida.
Folha - Se o Senado aprovar a lei da maneira como recebeu da Câmara, o que isso significa para as pesquisas científicas?
Zatz - Significa que não vamos poder fazer pesquisas com células embrionárias. Há poucas semanas, um grupo de coreanos pediu patente porque conseguiu fazer linhagens de células-tronco embrionárias. Isso quer dizer que nós já vamos ter que pagar royalties se não conseguirmos fazer pesquisas no Brasil
Folha - A legislação atual deixa brechas para a pesquisa com células-tronco?
Zatz - A legislação atual não é muito definida. Mas hoje a gente não pode fazer pesquisas com células embrionárias. As clínicas de fertilização jogam os embriões no lixo, mas não cedem para pesquisa porque podem ser punidas.
Folha - Que mudanças a comunidade científica deseja para o projeto de biossegurança?
Zatz - Duas coisas são fundamentais. A primeira é a permissão para pesquisas com células embrionárias e a segunda, agilidade nas decisões. Não adianta permitir a pesquisa, mas os comitês de ética levarem três anos para aprovar qualquer projeto.
Folha - Como estão as pesquisas com células-tronco atualmente?
Zatz - Nosso grupo está trabalhando com células-tronco do cordão umbilical. Mas, por enquanto, só há experiências, ninguém testou ainda em pacientes. Por outro lado, a gente tem visto trabalhos novos com células-tronco embrionárias comprovando a potencialidade destas células em se diferenciar em qualquer tecido. Eu quero muito que as células de cordão umbilical funcionem porque o problema estaria resolvido. Mas não podemos abrir mão de testar as células embrionárias porque muitos pacientes não têm tempo para esperar até descobrirmos se as células do cordão umbilical são suficientes ou não. Precisamos trabalhar com as duas hipóteses ao mesmo tempo.
Leia mais
Especial
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Gel contraceptivo masculino é aprovado em testes com macacos
- Sons irritantes de mastigação fazem parte do cérebro entrar em parafuso
- Continente perdido há milhões de anos é achado debaixo do Oceano Índico
- Por que é tão difícil definir o que é vida e o que são seres 'vivos'
- Conheça as histórias de mulheres de sucesso na Nasa
+ Comentadas
- Criatura em forma de saco e sem ânus poderia ser antepassado do homem
- Atritos entre governo estadual e Fapesp são antigos, dizem cientistas
+ EnviadasÍndice