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24/05/2004 - 07h07

Brasileiro acha sobra de banquete estelar

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SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

A caça às estrelas obesas continua. Pesquisadores brasileiros descobriram o que parecem ser os restos do banquete de um desses astros famintos. Pelo menos a cena não foi tão constrangedora --ele já havia cruzado os talheres.

A busca por estrelas gordas --melhor dizendo, estrelas muito maciças, com mais de oito vezes a massa do Sol-- é hoje uma das áreas de pesquisa mais importantes da astrofísica. Isso porque os mecanismos de formação e evolução dos astros grandalhões ainda não são bem compreendidos.

Alguns dias atrás, um grupo de pesquisadores europeu, usando um telescópio do ESO (Observatório Europeu do Sul), no Chile, espantou a comunidade científica ao anunciar a descoberta de um desses astros ainda em fase de formação --a estrela central ainda estava absorvendo matéria a partir do disco de gás e poeira existente em torno dela. "Pois é. Eles são os nossos concorrentes nessa área", diz Cássio Leandro Barbosa, 32, pesquisador do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP.

Seu trabalho de doutorado, orientado por Augusto Damineli, também do IAG, lida justamente com a investigação dessas grandes e misteriosas estrelas jovens.

Numa mesma região do céu, eles identificaram positivamente três YSOs (sigla para Objetos Estelares Jovens, em inglês) e descobriram um quarto, nunca observado antes.

Esses resultados foram publicados no final do ano passado no "Astronomical Journal" (www.journals.uchicago.edu/AJ/), mesmo periódico científico que deverá abrigar o estudo subseqüente, que detecta sinais dos restos do disco de acreção do qual uma estrela jovem se alimentava até recentemente.

"Aparentemente, ela já terminou a fase de acreção", diz Barbosa. "O disco ainda existe lá, na forma de um toro [similar a uma rosquinha], mas a matéria não está mais se aglutinando no centro. O vento da estrela [correntes de partículas emanadas do astro] está soprando o material para longe."

Fôlego astronômico

É um conflito que acontece durante a formação de todos os corpos estelares. De um lado, há a gravidade, que quer puxar o material do disco para dentro. De outro, há o vento estelar, que empurra o gás e a poeira para longe. Em estrelas muito maciças, a ventania cósmica é tão violenta que, em tese, não sobraria nada nem para formar planetas. "A idéia canônica é essa", esclarece Barbosa. "A expectativa é que a estrela assopre todo esse material circundante."

Quanto maior é uma estrela, menor é o seu tempo de vida. Um astro modesto como o Sol vive até 10 bilhões de anos, mas objetos mais glutões mal chegam a completar 100 milhões. E o mais curioso é que os primeiros 10 milhões de anos são ocultados pelo gás e a poeira circundantes. "Quando podemos vê-la diretamente pela primeira vez, ela é praticamente uma adolescente", diz Barbosa.

A descoberta brasileira, feita com o telescópio Gemini Sul, no Chile, segue a mesma linha da pesquisa da turma do ESO. O grupo europeu viu uma estrela maciça ainda terminando de se formar (numa interpretação dos dados que Barbosa considera questionável); os brasileiros viram um astro similar já totalmente formado, com disco de acreção detectável.

Todos os achados parecem apontar para a possibilidade de que estrelas com mais de dez massas solares realmente se formem a partir de discos de acreção --exatamente como o Sol. A hipótese competidora --a de que essas estrelas se formam na verdade a partir de colisões e fusões de estrelas menores-- começa a se mostrar em desvantagem.

"Tudo que vimos até agora aponta para a hipótese da acreção", afirma Barbosa.

Os quatro astros estudados pelos brasileiros, que, por sua disposição nas imagens obtidas em freqüências do infravermelho médio (numa técnica pioneira no país), logo foram apelidados de Mickey Mouse, estão num berçário de estrelas denominado NGC 3576, a 8.900 anos-luz da Terra.
 

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