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26/01/2005 - 11h41

Cientistas usam gene de ostra para identificar poluição da água

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REINALDO JOSÉ LOPES
Free-lance para a Folha de S.Paulo

Quando metais pesados, como o mercúrio, contaminam um rio ou o mar, pode demorar meses antes que seja possível detectar o poluente nos animais que vivem na água. Pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) estão usando alterações genéticas dos bichos para baixar esse intervalo para menos de 24 horas, criando um jeito sensível e rápido de flagrar a poluição.

"As duas abordagens [química e genética] se complementam, mas nosso trabalho mostra não só que houve uma exposição às substâncias tóxicas mas também os efeitos que elas causaram", diz Mauro de Freitas Rebelo, 33, pesquisador do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, na UFRJ.

Por enquanto, a equipe está estudando que tipo de bagunça fisiológica os dejetos químicos causam no organismo de moluscos como as ostras da baía de Sepetiba, no Rio. (Há também trabalhos com peixes sendo planejados.) O que eles medem não é a alteração direta do DNA, mas mudanças no grau em que um gene se mostra mais ou menos ativo.

Isso é bem menos difícil do que parece, porque as células produzem sinalizadores desse liga e desliga de genes --conhecido como expressão gênica-- o tempo todo.

São as moléculas de RNA mensageiro, que fazem a ponte entre as instruções codificadas no DNA e substâncias que a célula produz sob essas instruções, as proteínas. Quanto mais RNAs mensageiros de um gene estão circulando, mais ele está na ativa.

No caso da pesquisa da UFRJ, entre os genes-alvo estão os que trazem a receita para proteínas do grupo das metalotioneínas. O nome é indigesto, mas a função é essencial: essas moléculas tentam impedir que o pior aconteça quando o organismo é contaminado por metais pesados, como chumbo, mercúrio, zinco e cádmio. "Elas se ligam ao metal pesado para que ele não fique ativo e afete funções essenciais da célula", explica Rebelo.

Uma expressão gênica excessiva é sinal certo de que as proteínas estão trabalhando demais --e de que, portanto, o ambiente está poluído.

Foi o que os cientistas verificaram nas ostras da baía de Sepetiba, perto de um local onde, por muito tempo, houve exploração e beneficiamento de minério de zinco. O fim da mineração deixou literalmente uma montanha de cádmio como rejeito. Escoado para o mar, o metal causou a hiperatividade de uma metalotioneína dos moluscos.

Proteína-guardiã

Outro sinal vermelho genético investigado pelos cientistas é o gene p53. A proteína codificada por ele monitora o DNA em busca de erros. Se forem moderados, ela os conserta; caso se mostrem irreparáveis, o p53 simplesmente decreta a morte da célula.

Quando não funciona direito, a molécula abre as portas para a proliferação descontrolada de células defeituosas --em outras palavras, câncer.

Mais uma vez, a equipe está verificando que substâncias poluentes podem criar moluscos cancerosos --inclusive com leucemia, uma forma de câncer que afeta o sangue (no caso dos moluscos, a hemolinfa). É uma situação que poderia ser gerada por certas moléculas orgânicas provenientes de um derramamento de petróleo.

O próximo passo dos pesquisadores, que começa em março, é usar a tecnologia dos microarranjos de DNA (placas que permitem o teste da expressão de muitos genes ao mesmo tempo) para analisar alterações na produção de 96 moléculas.

"A célula leva apenas 18 horas para responder a uma alteração no ambiente, o que torna esse tipo de teste muito mais rápido. E, uma vez que você tenha o laboratório, o custo é dez vezes menor que o da abordagem tradicional", diz Rebelo.

Para o pesquisador, os resultados da análise dos moluscos podem ter impacto até sobre o que se sabe sobre os fatores de risco para câncer em humanos. "Muitas dessas doenças são influenciadas por fatores ambientais, como o fumo e a poluição, mas é difícil saber qual o peso de cada fator. Nesses organismos, que têm uma relação muito menos complexa com o ambiente, isso talvez fique mais fácil de elucidar", afirma.

Além da baía de Sepetiba, o grupo também está estudando os reservatórios de água potável do Rio de Janeiro e a bacia do rio Madeira, na Amazônia. O trabalho conta com a colaboração de um grupo da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) coordenado por Milton Moraes.

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