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01/03/2005 - 10h38

Pressão da indústria do tabaco impede ratificação de tratado pelo Brasil

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PALOMA VARÓN
da Folha Online

Implantado oficialmente no dia 27 de fevereiro, o tratado internacional contra o tabagismo entrou em vigor propondo mudanças na oferta e na demanda de cigarro em todo o mundo. Ratificado por 57 países --dos 192 membros da Organização Mundial da Saúde (OMS)--, o tratado foi o que teve a aprovação mais rápida na história das Nações Unidas. O tabagismo é responsável pela morte de 5 milhões de pessoas ao ano em todo o mundo.

O Brasil, que durante as negociações do tratado assumiu uma posição de liderança, ainda não ratificou o tratado, pois o projeto está parado há meses no Senado. O Instituto Nacional do Câncer (Inca), órgão do Ministério da Saúde responsável pelo Programa de Controle ao Tabagismo, acusa a indústria do cigarro de fazer pressões entre os senadores para que o Brasil, que é o segundo produtor de tabaco e primeiro exportador do mundo, não assine o tratado.

Os fumicultores dizem temer perda de empregos no setor. Para Tânia Cavalcante, a secretária-executiva da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e chefe da Divisão de Controle do Tabagismo do Inca, eles são usados como massa de manobra pela indústria do tabaco. "A não-ratificação do tratado no Brasil vai prejudicar os fumicultores, pois o tratado estuda alternativas economicamente viáveis para eles", afirma.

Tânia falou à Folha Online sobre a posição do Brasil frente ao tratado. Veja os principais trechos.

O Brasil nas negociações
"Em 1999, os países membros da OMS se reuniram e propuseram a negociação do tratado. Isso durou de 1999 a 2003. O Brasil estava na liderança do processo negociador, foi eleito pelos membros. O nosso atual chanceler, Celso Amorim, era o embaixador do brasil em Genebra, sede da OMS, e estava à frente disso."

Liderança
"Isso representou um reconhecimento do Brasil na liderança do processo. Em 2003, o Brasil foi um dos primeiros a assinar o tratado, mas não o retificou no ano passado. Para entrar em vigor, o tratado precisava da assinatura e posterior ratificação dos países. Ao acordo era que ele entraria em vigor 90 dias após a ratificação de pelo menos 40 países [o Peru foi o 40º a ratificar]. Isso aconteceu em novembro, por isso ele só entrou em vigor no dia 27 de fevereiro, quando 57 países já haviam ratificado."

Pressão no Congresso
"Para o Brasil ratificar, é necessária a aprovação no Congresso Nacional. O projeto ficou parado na Câmara por uns nove meses, mas foi aprovado. Foi encaminhado para o Senado em caráter de urgência, mas ainda está parado lá, porque a indústria do tabaco está fazendo pressão para que não seja aprovado. A primeira coisa que eles conseguiram foi tirar o caráter de urgência do projeto."
"Eles estão espalhando informações erradas para os agricultores,dizendo que vai ser proibido o cultivo de tabaco ou que a convenção vai obrigá-los a substituir a cultura por outra, Não haverá isso. Estão sendo estudadas alternativas economicamente viáveis ao cultivo do tabaco."

Alternativa
"Por volta de 90% da produção de tabaco no Brasil é feita por pequenos agricultores, que são usados como massa de manobra pela indústria do tabaco. A maior parte do cultivo é feito no Sul do país. "
"O Brasil fora da convenção vai prejudicar os fumicultores. No Sul, já há quem ofereça alternativas a eles, como alguns movimentos das igrejas católica e luterana, que incentivam a produção de outras coisas além do tabaco, como mel e morango, dando capacitação, assistência técnica e viabilizando a venda. Os resultados têm sido estimulantes. A Igreja dá o suporte social. A OMS estuda outras alternativas e quer angariar fundos para isso."
"Muitos agricultores apóiam nossa luta. A Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) lá do Sul estão a favor do tratado, porque perceberam que também serão beneficiados."

Produtor e consumidor
"O Brasil é o segundo maior produtor e o primeiro exportador de tabaco no mundo (85% da nossa produção é exportada). Mas aqui, graças a campanhas que existem desde 1989, está havendo queda de consumo."
"Os países ricos estão reduzindo o consumo, restringindo os aspectos sociais que levam o jovem a fumar. Por isso, indústria do tabaco aposta agora nos países pobres, que, além de terem mais jovens --o maior público-alvo dele --, têm governos pouco empenhados em reduzir o consumo e têm ainda mão-de-obra barata para a produção. No caso do Brasil, ainda temos o solo fértil."

Importância
"A convenção-quadro é o primeiro tratado de saúde pública internacional. Surgiu para se contrapor às estratégias da indústria do tabaco para expandir o consumo. O consumo continua a crescer, principalmente nos países mais pobres, onde se concentram 80% dos fumantes do mundo."
"Foi o tratado que mais rapidamente conseguiu adesões na ONU, o que representa grandes mudanças na área."

Política pública
"No Brasil, estamos muito avançados quanto a isso. O Programa Nacional de Controle do Tabagismo existe desde 1989 com ótimos resultados. de lá para cá. reduzimos de 30% para 19% o índice de fumantes no país."
"Isso foi feito com várias ações combinadas. Ações educativas em escolas, ambientes de trabalho, postos de saúde, a proibição da propaganda de cigarro, imagens de advertência nos maços (fomos os segundo país a implantar, depois do Canadá), proibição da veiculação de classificações falsas como 'light' ou 'baixo teor' (o primeiro país a fazer isso), e tratamento ao fumante no SUS (ainda em fase de implantação, poucas unidades oferecem)."
"Temos uma legislação nesta área considerada uma das mais fortes do mundo. O trabalho é apoiado por leis que criam o contexto social favorável à sua implantação, como a proibição do fumo em lugares fechados, o fim do estímulo da propaganda. É um trabalho conjunto, por isso a comissão criada para cuidar do assunto é interministerial."
"Queremos também aumentar o preço do cigarro (temos o 6º cigarro mais barato do mundo), aumentar os impostos, mas ainda não conseguimos..
No maço, além das imagens, que foram trocadas por outras mais fortes, a partir de pesquisas feitas com os próprios fumantes, que achavam as outras de baixo impacto, tem o telefone do 'Disque pare de Fumar'."

Viabilidade do cumprimento
"O Brasil está numa situação confortável. Já cumprimos cerca de 90% das bases do tratado e em proporções até maiores que as que lá estão estipuladas. A China, o primeiro produtor mundial de tabaco, disse que iria ratificar o tratado. A Índia, o terceiro, já ratificou."

Continuidade
"No ano que vem, haverá uma reunião da chamada Conferência das partes -- entidade que se forma para assegurar o tratado. A primeira reunião será em fevereiro de 2006. Vai acompanhar o processo, mobilizar o cumprimento, criar fundos, discutir regras de financiamento. Para participar, o Brasil precisa ratificar o tratado até 90 dias antes da data da conferência. Estamos lutando para que isso aconteça. A China já sinalizou que vai ratificar até lá."

Outro lado

Os produtores de tabaco dizem que não são contra o tratado, mas querem garantias do governo, por isso pressionam o Senado para que o tratado não seja aprovado. Eles temem perder o emprego.

"Temos 167 mil famílias associadas. No país inteiro, são mais de 200 mil família produtoras. Queremos segurança de que vai haver garantia, que o produtor vai ser indenizado se precisar mudar de cultivo. Nós não somos contra o tratado, só queremos garantias do governo, por isso vamos atrás dos senadores, dos ministérios da Agricultura, da Fazenda", afirmou Benício Werner, tesoureiro da Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil) e produtor de tabaco.

"Os senadores têm o compromisso de manter a atividade de seus eleitores. Não podemos perder nossos empregos assim. Na cidade, é mais fácil mudar de profissão. Aqui no interior não", completou Werner, que mora Santa Cruz do Sul (RS), a 150 km de Porto Alegre.

Leia mais sobre a posição de produtores e da indústria

Mais informações sobre o tratado podem ser vistas no site do Inca.

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