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02/06/2005 - 09h51

Cientistas criam spray que funciona como "confiança engarrafada"

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SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Dizem por aí que a confiança não pode ser dada a alguém, mas deve ser conquistada aos poucos. Pois cientistas suíços acabam de descobrir um atalho. Usando um spray nasal, eles fizeram com que voluntários confiassem mais em seus parceiros durante a condução de uma transação financeira.

A substância é a oxitocina, um composto que normalmente age no organismo de mamíferos como um hormônio envolvido no processo reprodutivo e um regulador de atividade cerebral. Em animais, sabe-se que a oxitocina está ligada à criação de elos sociais e parentais. Em fêmeas grávidas, a oxitocina está ligada à indução do trabalho de parto e ao processo de lactação. Mas ninguém sabia que ela participava de forma tão ativa num processo como a confiança.

Agora sabe, graças aos experimentos feitos por pesquisadores da Universidade de Zurique. Eles bolaram uma forma de verificar os efeitos da oxitocina no desenvolvimento da confiança. Aos voluntários eram dadas algumas "unidades monetárias", que ao fim do jogo seriam convertidas em francos suíços (cada unidade equivalia a 40 centavos de franco).

A eles cabia, via computador, determinar quantas pretendiam "investir", repassando-as a outra pessoa, que capitalizaria a partir do investimento e dividiria os lucros --a seu critério. Por exemplo, se o investidor cedesse todo o dinheiro, mas o "gerente do banco" optasse por não dividir o lucro, o investidor sairia sem nada.

Era uma decisão arriscada, que dependia em essência do quanto o investidor confiava na idoneidade do gerente do banco no outro lado da linha. Os experimentos mostraram que os investidores que inalaram oxitocina confiaram mais nos gerentes do que os que receberam um placebo (substância inócua).

Confiança ou descaso?

Mas o resultado ainda não era conclusivo. Afinal de contas, será que a influência da oxitocina consistia em aumentar o grau de confiança ou ela apenas fazia com que a percepção do risco envolvido diminuísse? Essa foi a segunda pergunta que o estudo respondeu, ao trocar a decisão do gerente humano por um resultado aleatório, produzido pelo computador.

Depois de informados de que a distribuição do lucro seria aleatória, transformando o investimento numa aposta de jogo de azar, tanto os voluntários que tomaram oxitocina como os que não tomaram ficaram igualmente cautelosos. Ou seja, ambos souberam avaliar igualmente os riscos, confirmando que a substância realmente regulava a confiança que uma pessoa tem em outra.

Os resultados do estudo, publicado hoje na revista "Nature", impressionam mais pelas suas implicações, aparentemente saídas de obras de ficção como "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley. Podem comportamentos humanos ser tão bem "modulados" pela química? A oxitocina seria a panacéia de políticos e publicitários? Segundo Markus Heinrichs, psicólogo clínico e um dos autores do estudo, a resposta é "não".

"Eu não espero nenhum perigo. Primeiro, não há meios técnicos de fazer isso [manipular as pessoas] --a oxitocina não pode ser administrada oralmente ou via ar-condicionado. Segundo, já existem métodos mais efetivos na política e na publicidade do que um spray nasal de oxitocina. No momento, o único perigo para mim é que médicos a dêem a seus pacientes sem esperar o resultado dos nossos estudos clínicos."

Sim, os pesquisadores suíços já estão tentando aplicar a técnica em tratamentos médicos. "A fobia social aparece como a terceira doença mental mais comum e é caracterizada por fortes déficits sociais, incluindo medo persistente e fuga de interações sociais", diz Heinrichs. "Nas primeiras análises, o que vemos é que uma única dose de oxitocina permite que os pacientes obtenham apoio social de outros de forma mais eficaz e sintam menos ansiedade."

Embora alerte que a perspectiva de um uso manipulativo desse conhecimento "talvez esteja perto demais da realidade para ser confortável", o neurocientista português António Damásio, da Universidade de Iowa, EUA, aponta que ainda não se pode fazer prognósticos a esse respeito. "Na verdade, esse estudo é um mero começo, e [a oxitocina] pode funcionar apenas em certas condições", disse ele à Folha. Damásio assina um comentário na mesma "Nature" em que sai o estudo suíço.

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre a oxitocina
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