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26/08/2005
-
11h03
SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo
De início, todo mundo pensou que ele estivesse brincando. Mas não demorou muito até perceber que era sério. William Unruh está querendo construir "buracos mudos", criaturas que, a seu modo, seriam bem similares aos buracos negros mas que, em vez de engolir a luz, engoliriam o som.
O canadense, grande especialista em buracos negros, foi o último palestrante da conferência internacional "Cem Anos de Relatividade", encerrada nesta quarta-feira na capital paulista. O evento, realizado no Masp (Museu de Arte de São Paulo), reuniu algumas das mais importantes figuras da física atual. Entre elas, Unruh. E quem foi lá para vê-lo percebeu logo que não iria se arrepender.
"Eu vou rodar um experimento", disse aquela figura quase natalina (59 anos, barba branca, cabelo curto, óculos na ponta do nariz, uma barriga proeminente, camisa branca e suspensórios), ao iniciar sua palestra em tom grave.
Compenetrados estudantes de física já se prepararam para anotar mais uma bateria de equações, como se acostumaram a fazer nas apresentações anteriores. Então, Unruh prosseguiu. "Não vou usar o microfone. Vocês aí no fundo, conseguem me ouvir?" Risos.
Bill, como prefere ser chamado, começou por dizer que o evento comemorava o centenário das importantes e ecléticas contribuições científicas de Albert Einstein (1879-1955), e que o físico alemão havia tido todo esse sucesso por duas razões: uma, porque ele sabia como ser interdisciplinar, combinar idéias de diferentes campos da física; outra, porque ele era um indivíduo. Segundo Unruh, há casos em que os grandes projetos de física de hoje, envolvendo centenas de pessoas num mesmo grupo, deixam pouco espaço para lampejos geniais.
Como eram duas as razões, Bill dividiu sua apresentação em duas partes. Na primeira, apresentaria a idéia dos "buracos mudos" --uma analogia entre dois conceitos diferentes, que poderiam um ajudar a entender o outro. Para ele, essa interdisciplinaridade é a verdadeira "unificação" da física. "Não estou falando da teoria de cordas, que alguns afirmam que é a teoria de tudo, mas que até agora não explicou nada."
Capturando o som
Os buracos mudos, prosseguiu Unruh, "são análogos sônicos dos buracos negros". Ele sugere então que se imagine um fluido, como a água caindo numa cachoeira, acelerando até ultrapassar a velocidade do som. Numa transparência, ele mostra aos espectadores seu desenho da tal cachoeira, com dois peixes com grandes orelhas, um deles antes da queda d'água, o outro depois. E explica. "Este aqui em cima é o professor, o de baixo é o seu aluno de pós-graduação."
"Agora, imagine que há um ponto, na queda d'água, em que a velocidade da água ultrapassa a do som. E então o aluno lá embaixo tenta gritar para seu professor, dizer que está com problemas em sua tese, mas o som vai até um certo ponto e depois é vencido pela água, e o professor jamais chega a ouvi-lo". Risos. "Claro, a analogia não é muito boa, porque o professor sempre ouve o que seu aluno tem a dizer." Mais risos.
Embora esses buracos mudos tenham suas leis governadas pela hidrodinâmica, e os buracos negros --objetos gerados a partir dos restos de estrelas que são tão compactos que sua gravidade não deixa nem a luz escapar deles-- sejam regidos pela relatividade geral de Einstein, Unruh defende que o paralelo pode ser útil para realizar estudos sobre buracos negros que jamais poderiam ser feitos com um de verdade.
Segundo Unruh, os buracos mudos teriam ao menos um efeito muito similar ao dos buracos negros: eles também emitiriam radiação térmica. Essa emissão, prevista originalmente pelo britânico Stephen Hawking nos anos 1970 e muito estudada desde então, é a razão pela qual se deve acreditar que, ao longo de muitos bilhões de anos, buracos negros evaporam e desaparecem.
De acordo com o físico canadense, a possível demonstração de um análogo da chamada radiação Hawking num buraco mudo no mínimo provaria que esse efeito é mais robusto (e, portanto, com maior probabilidade de ser real) do que antes se pensava.
Unruh ressalta que a radiação térmica de um buraco mudo seria muito, muito pequena, mas que alguns físicos já disseram a ele que talvez conseguissem medi-la. "Experimentalistas me assustam algumas vezes", pondera.
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Especialista canadense quer construir "buraco mudo"
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da Folha de S.Paulo
De início, todo mundo pensou que ele estivesse brincando. Mas não demorou muito até perceber que era sério. William Unruh está querendo construir "buracos mudos", criaturas que, a seu modo, seriam bem similares aos buracos negros mas que, em vez de engolir a luz, engoliriam o som.
O canadense, grande especialista em buracos negros, foi o último palestrante da conferência internacional "Cem Anos de Relatividade", encerrada nesta quarta-feira na capital paulista. O evento, realizado no Masp (Museu de Arte de São Paulo), reuniu algumas das mais importantes figuras da física atual. Entre elas, Unruh. E quem foi lá para vê-lo percebeu logo que não iria se arrepender.
"Eu vou rodar um experimento", disse aquela figura quase natalina (59 anos, barba branca, cabelo curto, óculos na ponta do nariz, uma barriga proeminente, camisa branca e suspensórios), ao iniciar sua palestra em tom grave.
Compenetrados estudantes de física já se prepararam para anotar mais uma bateria de equações, como se acostumaram a fazer nas apresentações anteriores. Então, Unruh prosseguiu. "Não vou usar o microfone. Vocês aí no fundo, conseguem me ouvir?" Risos.
Bill, como prefere ser chamado, começou por dizer que o evento comemorava o centenário das importantes e ecléticas contribuições científicas de Albert Einstein (1879-1955), e que o físico alemão havia tido todo esse sucesso por duas razões: uma, porque ele sabia como ser interdisciplinar, combinar idéias de diferentes campos da física; outra, porque ele era um indivíduo. Segundo Unruh, há casos em que os grandes projetos de física de hoje, envolvendo centenas de pessoas num mesmo grupo, deixam pouco espaço para lampejos geniais.
Como eram duas as razões, Bill dividiu sua apresentação em duas partes. Na primeira, apresentaria a idéia dos "buracos mudos" --uma analogia entre dois conceitos diferentes, que poderiam um ajudar a entender o outro. Para ele, essa interdisciplinaridade é a verdadeira "unificação" da física. "Não estou falando da teoria de cordas, que alguns afirmam que é a teoria de tudo, mas que até agora não explicou nada."
Capturando o som
Os buracos mudos, prosseguiu Unruh, "são análogos sônicos dos buracos negros". Ele sugere então que se imagine um fluido, como a água caindo numa cachoeira, acelerando até ultrapassar a velocidade do som. Numa transparência, ele mostra aos espectadores seu desenho da tal cachoeira, com dois peixes com grandes orelhas, um deles antes da queda d'água, o outro depois. E explica. "Este aqui em cima é o professor, o de baixo é o seu aluno de pós-graduação."
"Agora, imagine que há um ponto, na queda d'água, em que a velocidade da água ultrapassa a do som. E então o aluno lá embaixo tenta gritar para seu professor, dizer que está com problemas em sua tese, mas o som vai até um certo ponto e depois é vencido pela água, e o professor jamais chega a ouvi-lo". Risos. "Claro, a analogia não é muito boa, porque o professor sempre ouve o que seu aluno tem a dizer." Mais risos.
Embora esses buracos mudos tenham suas leis governadas pela hidrodinâmica, e os buracos negros --objetos gerados a partir dos restos de estrelas que são tão compactos que sua gravidade não deixa nem a luz escapar deles-- sejam regidos pela relatividade geral de Einstein, Unruh defende que o paralelo pode ser útil para realizar estudos sobre buracos negros que jamais poderiam ser feitos com um de verdade.
Segundo Unruh, os buracos mudos teriam ao menos um efeito muito similar ao dos buracos negros: eles também emitiriam radiação térmica. Essa emissão, prevista originalmente pelo britânico Stephen Hawking nos anos 1970 e muito estudada desde então, é a razão pela qual se deve acreditar que, ao longo de muitos bilhões de anos, buracos negros evaporam e desaparecem.
De acordo com o físico canadense, a possível demonstração de um análogo da chamada radiação Hawking num buraco mudo no mínimo provaria que esse efeito é mais robusto (e, portanto, com maior probabilidade de ser real) do que antes se pensava.
Unruh ressalta que a radiação térmica de um buraco mudo seria muito, muito pequena, mas que alguns físicos já disseram a ele que talvez conseguissem medi-la. "Experimentalistas me assustam algumas vezes", pondera.
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