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16/11/2005 - 09h54

Ex-cosmonauta defende vôo interestelar

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SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

O improvável de hoje é a realidade de amanhã. Com esse discurso, o ex-cosmonauta Anatoly Berezovoy defende a possibilidade de que a espécie humana no futuro seja capaz de conduzir não só viagens pelos planetas do Sistema Solar, mas a outras estrelas, superando as distâncias descomunais que as separam da Terra.

"A ciência e a tecnologia evoluem a cada instante, tornando cada vez mais difícil o uso da palavra "impossível'", disse à Folha o russo Berezovoy, que em 1982 participou de uma missão de mais de 211 dias no espaço, como ocupante da antiga estação espacial soviética Salyut-7 --precursora direta da Mir e da Estação Espacial Internacional.

Ele não reclama de sua experiência como cosmonauta. "A vida a bordo da estação espacial é relativamente confortável pelo fato de estar permanentemente sob gravidade zero", relata.

Berevozoy está no Brasil para uma série de palestras de divulgação do lançamento de um livro de ficção científica, "Rumo às Estrelas" (Nova Realidade, R$ 29,90). Escrita pelo americano L. Ron Hubbard em 1949, a obra traz uma narrativa interessante sobre o futuro dos vôos interestelares, em que viagens feitas a velocidades muito próximas à da luz, em razão dos efeitos descritos pelas equações da teoria da relatividade especial, fazem com que o tempo transcorra muito mais depressa na Terra do que a bordo da espaçonave interestelar.

Defendendo as iniciativas para a exploração tripulada da Lua e de Marte, Berevozoy reconhece que viagens entre as estrelas, embora possíveis, ainda estão muito distantes --coisa de mil anos, ele diz. E aproveita a ocasião para dar conselhos ao astronauta brasileiro, Marcos Cesar Pontes, que está em treinamento na Rússia para uma missão ao espaço no ano que vem. A seguir, leia trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.

Folha - A vida é desconfortável para um cosmonauta que passa vários meses numa estação espacial?
Anatoly Berezovoy - A vida a bordo da estação espacial é relativamente confortável pelo fato de estar permanentemente sob gravidade zero. Entretanto, um tempo de permanência mais longo acaba criando problemas.

Folha - As coisas melhoraram desde a época do seu vôo de mais de 200 dias a bordo da Salyut-7?
Berezovoy - A estação Salyut-7 consistia de um único compartimento. Já a estação Mir era composta de diversos compartimentos e cada cosmonauta possuía sua própria cabine individual onde podia ter privacidade e que lhe servia de dormitório. A atual Estação Espacial Internacional também possui essas cabines individuais e é muito mais confortável.

Folha - Por que é importante que a humanidade explore o espaço?
Berezovoy - Estudar o ambiente ao seu redor e descobrir coisas novas é inerente ao ser humano. Isso o levou à descoberta de novas terras, depois à descoberta do espaço ao redor da Terra --descobrir e, no futuro, visitar os planetas do Sistema Solar e ir cada vez mais além. Sua tendência não é dominar o espaço, mas estudá-lo.

Folha - O que o sr. acha do novo plano americano para voltar à Lua em 2018? A Rússia deveria se aliar aos Estados Unidos nisso?
Berezovoy - Esse plano consiste no desembarque, construção de uma base lunar e exploração e tratamento de minérios lunares. Os Estados Unidos pretendem usar a base lunar para lançamento de naves de exploração de outros planetas do Sistema Solar, começando por Marte. Acredito que seria ótima uma aliança entre a Rússia e os Estados Unidos nessa empreitada, mas deve-se ressaltar que existe também a chance de a Rússia participar do recente programa espacial da China, que estabeleceu a meta do desembarque de cosmonautas na Lua.

Folha - Marte será mesmo a próxima fronteira para vôos tripulados?
Berezovoy - Sem dúvida. Além da inerente ansiedade do ser humano para descobrir novos mundos, existe um outro aspecto nessa questão. Marte, aparentemente, é um planeta que num longínquo passado teve atmosfera e água. Uma parte de sua água parece ter se conservado congelada nas entranhas e nos pólos do planeta. A exploração de Marte poderia prepará-lo para uma colonização e para servir de refúgio à humanidade em caso de ocorrência de uma catástrofe cósmica --a Terra atingida por um grande asteróide ou cometa, por exemplo.

Folha - O sr. está aqui no Brasil para divulgar um livro de ficção científica que fala de viagens interestelares. O sr. acredita elas serão mesmo possíveis?
Berezovoy - Se perguntássemos a opinião de um cientista do fim do século 19 sobre a possibilidade de o homem visitar a Lua, ele responderia --baseando-se no ponto de vista tecnológico daquela época-- que essa idéia era absurda. Menos de cem anos depois, o homem visitou a Lua. Portanto, fazendo uma projeção para a época atual, não me surpreenderia se daqui a cem anos a nossa ciência conseguisse construir naves estelares capazes de viajar a velocidades que permitam a um ser humano chegar às estrelas durante o tempo de sua vida. A ciência e a tecnologia evoluem a cada instante, tornando cada vez mais difícil o uso da palavra "impossível".

Folha - Quando o sr. acha que poderemos ir a outras estrelas?
Berezovoy - Praticamente todos os futurólogos costumam errar de forma desastrosa em suas previsões, especialmente no campo do desenvolvimento científico. Consciente disso, arrisco um prazo de mil anos para a humanidade enviar pessoas a outras estrelas.

Folha - Qual é o papel da ficção científica na divulgação da exploração espacial?
Berezovoy - Acredito que a ficção científica sempre foi uma das molas propulsoras de todo o desenvolvimento científico da humanidade. Desde o século 17, com Cyrano de Bergerac, que é considerado por alguns como o verdadeiro precursor da ficção científica, o gênero sempre atraiu mentes curiosas, levantando questões e propondo soluções para os possíveis futuros da humanidade.

Folha - O primeiro astronauta brasileiro, Marcos Cesar Pontes, está em treinamento na Rússia agora e deve partir para o espaço em março do ano que vem. O sr. tem algum conselho para ele?
Berezovoy - Durante a minha recente visita ao centro de treinamento de cosmonautas na Rússia, fui apresentado ao cosmonauta brasileiro por seu instrutor físico. Ele atualmente está fazendo um curso intensivo de russo, além do treinamento habitual. Sua missão no espaço, no próximo ano, será de curta duração e, portanto, de trabalho intenso. Para ele tenho os seguintes conselhos: durante a fase de adaptação ao estado de gravidade zero evite fazer movimentos bruscos com a cabeça, que podem provocar mal-estar e náuseas; esforce-se no cumprimento eficiente de todas as tarefas e observe bastante a Terra e o seu lindo país --o maravilhoso Brasil.

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