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28/12/2005 - 09h28

Estudo reabre debate sobre genes e cérebro

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MARCELO LEITE
da Folha de S.Paulo

Esqueça por um momento Woo-Suk Hwang, o sul-coreano acusado de ter fraudado pesquisas com células-tronco, e preste atenção em Bruce T. Lahn. Por bem ou por mal, o geneticista da Universidade de Chicago também ainda vai dar o que falar, com suas pesquisas politicamente incorretas sobre a genética da inteligência humana em várias populações e seus experimentos com macacos, na China, que nunca seriam aceitos nos Estados Unidos.

Apesar do nome, Lahn, 35, também vem da Ásia. Nasceu na China e adaptou o nome quando foi estudar na Universidade Harvard, em 1989, fugindo da repressão que culminaria no massacre da Praça da Paz Celestial. "Lan" quer dizer azul e ganhou um H para ser corretamente pronunciado por americanos ("lân", e não "lén"). "T." é de Tien, "campo". E "Bruce" é inventado, mesmo (ainda que o formato do rosto lembre o astro de filmes de kung-fu Bruce Lee).

A carreira de Lahn é distinta. De Harvard, foi para o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), depois foi contratado pela Universidade de Chicago, onde acaba de ser indicado para "tenure" (algo como a livre-docência brasileira). Chefia um laboratório com 18 pessoas, entre estudantes, pesquisadores e técnicos, mas não parece incomodado em dar entrevista com uma camiseta furada nos dois cotovelos.

Seu último feito foi publicar não um, mas logo dois artigos em uma só edição do periódico "Science" (www.sciencemag.org), em 9 de setembro --ambos entraram para o ranking da revista das pesquisas mais importantes do ano de 2005. A façanha causou surpresa, pois se tratava do mesmo assunto: dois genes associados com o tamanho do cérebro humano que parecem ter sofrido mutações cruciais há muito pouco tempo, 37 mil anos e 5.800 anos, respectivamente. Na escala evolutiva da espécie humana, que tem menos de 200 mil anos, isso corresponderia à tardinha de anteontem e à noite de ontem (no horizonte de uma semana).

Os genes em questão são chamados de MCPH1 (de "microcefalia", em inglês) e ASPM (cujo M tem a mesma origem). Quando os dois genes sofrem mutações que apaguem ou troquem algumas letras, em meio às dezenas de milhares ou centenas de milhares em suas seqüências de DNA, os portadores sofrem uma redução drástica do volume cerebral. De uma média de 1.200 cm3 a 1.600 cm3, ele cai para até 400 cm3, com profundo retardamento mental.

Inteligência

Diante desse potencial devastador, Lahn deduziu que o MCPH1 e o ASPM poderiam fazer parte daqueles genes fundamentais para que a espécie humana seja o que é, primatas dotados de inteligência. Ou seja, dois dos trechos de DNA que atuam no crescimento do córtex cerebral de bebês humanos durante o desenvolvimento. Uma precondição para seu futuro desempenho cognitivo.

O passo seguinte foi supor que genes tão cruciais para a mais importante capacidade humana não parariam de evoluir, pois versões mais vantajosas deles permitiriam a seus portadores obter mais alimentos e gerar mais prole. É o que se chama de forte pressão seletiva. Com isso, a freqüência desses genes nas gerações seguintes tenderia a aumentar de maneira muito mais rápida do que às vezes acontece por processos aleatórios (chamados de deriva genética).

O grupo de Lahn estudou o conteúdo dos dois genes em centenas de indivíduos do mundo todo. Depois, realizou várias simulações e testes estatísticos com os resultados amostrados, concluindo no primeiro artigo que uma das 86 variantes do MCPH1 estava presente em 33% das pessoas estudadas. No segundo artigo, dizia que uma variante do ASPM, de um total de 106, prevalecia em 21% das pessoas.

Pelos cálculos da equipe, nenhuma conjunção de fatores aleatórios poderia explicar essa predominância. Só uma enorme vantagem evolutiva conferida pelas variantes, possivelmente um cérebro maior e mais inteligente, teria como produzir tal resultado.

Trata-se de uma correlação, contudo, não de prova. Lahn não tem idéia dos processos em que tais genes podem estar envolvidos, no cérebro ou fora dele. Por exemplo, poderiam também estar associados com uma audição melhor, ou pernas mais ligeiras. Mas os artigos trazem especulações ainda mais perturbadoras, se bem que cuidadosas.

Fora da África

Primeiro, seus autores associam as idades prováveis de surgimentos dessas variantes bem-dotadas dos genes -- 37 mil anos para o MCPH1 e 5.800 anos para o ASPM -- com dois eventos marcantes da humanidade. No primeiro caso, a chegada de humanos anatomicamente modernos (Homo sapiens) à Europa, mais ou menos contemporânea do surgimento das primeiras pinturas rupestres, por volta de 40 mil anos atrás. No segundo, o surgimento da agricultura e das cidades, entre 10 mil e 5.000 anos atrás.

Lahn não parou por aí. Investigou a ocorrência dessas versões de genes em mais de mil indivíduos de todas as partes do globo e descobriu que elas têm suas mais baixas incidências em populações da África Subsaariana. Numa palavra, negros.

Sua explicação para isso é genético-demográfica: as mutações criadoras das variantes só teriam ocorrido depois da saída dos humanos da África. Mas outra leitura é que os africanos de hoje, em geral, são desprovidos das versões de genes que Lahn associa com revoluções tecnológicas determinantes da condição humana.

Surpreendentemente, a questão racial não recebeu atenção, em setembro, quando os artigos da "Science" tiveram grande repercussão. O periódico científico e a imprensa leiga destacaram o fato de genes associados com o cérebro ainda se encontrarem em plena evolução. Lahn disse à Folha, na época, que o aspecto racial estava sendo abordado de modo "muito amigável".

"Podemos sempre dizer que há muitos outros genes", afirma, delineando sua linha de defesa. "Vai ser [um debate] espinhoso. Vamos tentar dar um aspecto positivo a isso." Lahn lança mão de sua própria origem étnica para defender-se da suspeita de racismo, indicando que as freqüências das variantes vantajosas são baixas no leste da Ásia e altas entre habitantes de Papua-Nova Guiné.

"Não se supõe que a vida seja justa. Eu não nasci para ser um jogador de basquete", argumenta, lamentando que as pessoas não queiram ouvir falar de diferenças. "Quando se olha para camundongos ou moscas, não se supõe automaticamente que sejam iguais."

No final do resumo do primeiro artigo, Lahn oferece uma pista vaga sobre a continuidade de suas pesquisas nessa área: o gene MCPH1 seria também "um candidato atraente a sítio para estudo da genética da variação humana em fenótipos relacionados com o cérebro". A linguagem algo cifrada permite pensar em estudos que busquem correlacionar a presença dessas variantes genéticas em populações com seu desempenho em testes cognitivos, mas Lahn não comenta essa possibilidade com jornalistas.

Se conseguir correlacionar ausência dos genes favoráveis em populações africanas com menor desempenho cognitivo, dificilmente conseguirá publicar os resultados num periódico de primeira linha, como "Science". É politicamente incorreto demais para esse gênero de publicação. Em especial depois da tormenta que a revista enfrenta com o questionamento dos estudos de Woo-Suk Hwang sobre células-tronco embrionárias humanas.

Macacos transgênicos

Lahn também se dedica a esse ramo, aliás. Quer aprofundar a compreensão dos processos de diferenciação dessas células-curinga -- a mais nova esperança da biomedicina -- com a produção de clones de macacos e primatas transgênicos no recém-criado Centro para Biologia de Células-Tronco e Engenharia de Tecidos, em Cantão, no sul da China. O centro é dirigido por Peng Xiang, um antigo estudante de pós-doutorado no laboratório de Lahn e seu estreito colaborador.

Uma das idéias da dupla é usar organismos de macacos para tentar cultivar órgãos "humanizados" para transplante, construindo-os a partir de células-tronco humanas. Lahn explica que na China é mais fácil ter acesso a óvulos, embriões e tecidos fetais, além de ser possível fazer manipulações difíceis de aprovar nos EUA. Em poucas palavras, tomar partido da "permissividade social" e dos baixos custos chineses.

Como diz Lahn, ele prefere abandonar as trilhas mais batidas. E avançar rápido. Em qualquer estrada, porém, alta velocidade pode ser fatal. Hwang que o diga.
 

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