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30/01/2006 - 09h41

"Pais" de mamíferos tinham sangue quente

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REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Qualquer um que já tenha posto um termômetro debaixo do braço sabe que, salvo em caso de doença, a temperatura do corpo é sempre a mesma. Se fosse possível usar o mesmo termômetro em alguns dos mais antigos ancestrais do homem e dos outros mamíferos, que viveram há mais de 230 milhões de anos, a situação seria mais ou menos igual: eles provavelmente já teriam sangue quente.

É isso o que sugere um estudo de pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), que usaram os mesmos tomógrafos normalmente utilizados para investigar lesões cerebrais em pessoas. Só que os "pacientes" foram os crânios de seis espécies de cinodontes --nome dado ao grupo de répteis que é o precursor de todos os mamíferos, vivos ou extintos.

A tomografia permitiu enxergar em detalhes a parte dianteira do focinho dos bichos. É ela que aloja um detalhe anatômico aparentemente insignificante, mas que pode ser o indício mais confiável de que eles eram capazes de manter constante a temperatura de seus corpos. São pequenas cristas ósseas as quais, quando os animais estavam vivos, abrigavam uma espécie de radiador biológico, os chamados maxiloturbinais.

"Eles estão mecanicamente relacionados à endotermia [a manutenção ativa da temperatura do corpo]", explica o biólogo Pablo Gusmão Rodrigues, 28, que acaba de concluir seu mestrado na UFRGS sobre o tema. Orientado pelos paleontólogos Cesar Leandro Schultz e Marina Bento Soares, o pesquisador não só flagrou as cristas dos turbinais nas seis espécies como também demonstrou que a estrutura interna do focinho é praticamente indistinguível da dos mamíferos de hoje.

Indireto pelo direto

Até agora, o grande problema da maioria das tentativas de atribuir sangue quente aos cinodontes é que elas dependiam de pistas indiretas. "Algumas pessoas falavam da postura reta de certas espécies, o que indicaria uma locomoção mais ágil" e, portanto, um metabolismo mais rápido que a alimentasse, à maneira dos bichos endotérmicos de hoje, diz Rodrigues. Além disso, certos cinodontes têm, em seu crânio, marcas ósseas da presença de pêlos.

Mas tais traços geralmente estão ligados às vibrissas (os "bigodes" de gatos ou roedores), que são pêlos usados como sensores, e não para manter o corpo aquecido.

A presença de turbinais, por outro lado, é um sinal direto de endotermia. Em bichos vivos, as cristas estão cobertas de tecido destinado a regular as trocas de calor e umidade entre o ar e o organismo. O ar inalado é aquecido e umedecido ali antes de ir para os pulmões, enquanto o ar que sai perde calor e água nos turbinais.

Algumas análises cranianas de cinodontes já haviam indicado a presença de cristas antes, mas com pouca comparação entre as várias espécies do grupo. Rodrigues e seus colegas investigaram uma boa variedade de espécies sul-americanas. Elas vão desde o Massetnogathus, um herbívoro de uns 50 cm que viveu no Triássico Médio (entre 245 e 230 milhões de anos), passando pelo também comedor de plantas Exaeretodon, que podia chegar a 90 kg e viveu no Triássico Superior (há uns 210 milhões de anos), e chegando aos pequenos carnívoros Brasilitherium e Brasilodon, do tamanho de roedores.

As cristas (que aparentemente ainda estavam começando a se tornar ósseas) foram achadas em todos os bichos, mas Rodrigues considera que esse não foi o dado mais importante. Além dos turbinais, a razão entre a ponta do focinho e o resto do osso nasal é um indicativo importante da endotermia de um bicho. É só com um bom espaço na cavidade nasal que os turbinais funcionam.

Ora, ao comparar estatisticamente os dados dos cinodontes com os dos mamíferos modernos, os pesquisadores gaúchos descobriram que a razão entre a ponta e o resto do focinho entre os fósseis e os animais modernos era igual. "O que a gente pôde comprovar é que desde o início eles seguem um padrão bem mamaliano", conta Rodrigues.

Isso pode significar que a capacidade de manter o calor corporal apareceu relativamente cedo e rápido na linhagem dos cinodontes. Os dados também sugerem que algumas das hipóteses para explicar o traço provavelmente não valem: a postura mais ereta dos membros, por exemplo, parece não ter nada a ver com a história, já que cinodontes de andar "espalhado", como o de um crocodilo, também seriam endotérmicos.

Outros pesquisadores chegaram a ligar a endotermia à diminuição de tamanho que se vê nos cinodontes --bichos muito pequenos perdem calor muito rápido e, portanto, seria interessante criar mecanismos para retê-lo. Mas o grandalhão Exaeretodon parece ser tão endotérmico quanto seus primos nanicos.

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