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21/02/2006 - 09h50

Sítios pré-históricos seqüestram carbono

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REINALDO JOSÉ LOPES
Enviado especial da Folha de S.Paulo a St. Louis

Ninguém ainda tem certeza sobre como ela surgiu ou por que mantém sua fertilidade fora de série, mas a chamada terra preta da Amazônia, um solo escuro, rico e ideal para a agricultura, definitivamente está capturando a imaginação dos cientistas dentro e fora do Brasil. Para um pesquisador, a terra preta pode até virar um aliado na luta contra o aquecimento global, além de desempenhar papel importante na conservação dos nutrientes do solo.

Antes de conseguir esse objetivo ambicioso, porém, é preciso entender como esse solo nasceu, e esse foi o tema da apresentação do arqueólogo brasileiro Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, durante o encontro da AAAS em Saint Louis. Neves resumiu os últimos achados de seu trabalho nas vizinhanças de Manaus.

Está claro, segundo ele, que as manchas de terra preta --pequenos pedaços de solo fértil em meio à terra pobre e ácida que domina grande parte da Amazônia-- acompanham o curso dos rios e são um resultado mais ou menos acidental do aumento da ocupação humana na região. Isso porque esse tipo de solo muito provavelmente se formou a partir do acúmulo de matéria orgânica (lixo doméstico e agrícola) dos assentamentos amazônicos.

A terra preta seria um subproduto da criação de aldeias com população relativamente densa na Amazônia Central a partir de uns 2.500 anos atrás. "Isso pode significar que a agricultura talvez nem fosse tão importante para essas aldeias. Os recursos dos rios e a caça talvez fossem mais fundamentais para eles", diz Neves. Só mais tarde é que outras populações indígenas, bem mais perto do presente, passaram a usar a terra preta como um recurso importante para suas plantações.

O esquisito nisso tudo é que, mais de um milênio depois de sua formação, a terra preta retém fertilidade e características originais. "É um troço que não deveria estar lá, na verdade", resume William Woods, da Universidade do Kansas (EUA), que também estuda a questão. Os pesquisadores estão só começando a entender os fatores que fazem da terra preta uma espécie de "solo Duracell", mas uma das pistas parece ser a presença em grandes quantidades de carvão vegetal.

Essa é a teoria de Johannes Lehmann, da Universidade Cornell (Estado de Nova York). Em sua fala, Lehmann propôs que esse material, queimado a temperaturas relativamente baixas (entre 300ºC e 500ºC) e de forma "molhada" (ou seja, folhas e galhos que não foram ressecados previamente), seria capaz de reter uma quantidade extraordinária de matéria orgânica no solo.

"Claro que a terra preta não é uma poção mágica, mas ela representa oportunidades muito interessantes nesse sentido", diz Lehmann. Para começo de conversa, argumenta ele, o método de "queima fria e molhada" retém cerca de 50% do carbono que originalmente fazia parte da composição das plantas no solo.

Em comparação, o tradicional método da coivara, que consiste em queimar totalmente a floresta tropical antes de fazer uma plantação, só retém 3% do carbono no chão. Se a vegetação for apenas derrubada e deixada para se decompor no solo, a porcentagem sobe apenas para algo entre 10% e 20% do carbono original.

Para Lehmann, reproduzir esse processo em solos agrícolas contemporâneos, além de melhorar a fertilidade do solo (outros nutrientes, como nitrogênio e fósforo, também são retidos no chão), também ajudaria no balanço de carbono da atmosfera.

Isso porque, segundo seus cálculos, uma versão "simulada" atual da terra preta arqueológica manteria o carbono "seqüestrado" no solo, evitando que ele contribuísse para a intensificação do aquecimento global. Esse elemento, na forma do gás dióxido de carbono, é o mais importante na retenção do calor da Terra na atmosfera, o efeito estufa.

Todos os pesquisadores, no entanto, deixam claro que ainda falta muito para uma simulação realmente convincente da terra preta. Woods, por exemplo, cita evidências de que ela é capaz, de alguma forma, de se auto-renovar. "Isso pode ter algo a ver com a comunidade de micróbios que vive nela", especula.

Já Neves argumenta que parte das propriedades desse solo tem a ver com a interação entre a matéria orgânica e a própria ocupação humana. "Você vê que a terra preta está cheia de fragmentos de cerâmica. Isso mantém a estrutura do solo, impede que ele seja facilmente degradado ou lavado", diz. Seja lá qual for o segredo, parece que vale a pena procurá-lo.

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