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19/02/2007 - 11h35

"Pai" de Dolly diz que clonagem foi superestimada

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CLAUDIO ANGELO
Editor de Ciência da Folha de S.Paulo

Em fevereiro de 1997, o embriologista inglês Keith Campbell protagonizou um dos feitos científicos mais notáveis de todos os tempos. No dia 27 daquele mês, a revista "Nature" publicava um artigo científico assinado por Campbell e outros quatro pesquisadores da equipe do geneticista Ian Wilmut detalhando a primeira clonagem de um animal a partir de uma célula adulta --a ovelha Dolly, nascida em 1996 na Escócia.

Dez anos depois da publicação, que chocou o planeta por abrir a possibilidade de reprodução sem a participação de dois pais --e escancarou para o público as portas do arsenal da biotecnologia, para o bem e para o mal--, o futuro da clonagem não parece tão brilhante. Várias empresas que apostavam na clonagem animal como forma de produzir remédios para seres humanos fecharam as portas. A mais ilustre delas foi a PPL Therapeutics, que co-patricinou a produção de Dolly.

O outro flanco da tecnologia, a produção de células-tronco embrionárias humanas sob medida (a chamada clonagem terapêutica), ainda tenta se recuperar do escândalo do caso Woo-Suk Hwang, o cientista coreano que fraudou resultados de pesquisas na área.

Divulgação
Keith Campbell, 52, criador da ovelha Dolly
Keith Campbell, 52, criador da ovelha Dolly
Campbell, 52, foi o criador da técnica da transferência nuclear (pela qual o núcleo de uma célula é fundido a um óvulo sem núcleo e "convencido" a se dividir como um embrião), que tornou a clonagem possível. Ele diz que a promessa da tecnologia de produzir terapias e novas drogas em um prazo curto "foi exagerada", mas que sua invenção tem um potencial enorme, ofuscado sobretudo nos EUA e na Europa pela resistência aos transgênicos. Nesses países, "o lobby antimodificação genética interrompeu o desenvolvimento de várias aplicações".

Em entrevista à Folha, concedida por telefone de sua sala na Universidade de Nottingham, Campbell defendeu sua área de pesquisa e falou de sua ovelha favorita.

FOLHA - A publicação da criação de Dolly completa uma década na semana que vem. A clonagem cumpriu sua promessa?

KEITH CAMPBELL - Sim e não. A clonagem de animais já foi aplicada a um amplo número de espécies. Nós já entendemos mais os fundamentos do processo. Mas a eficiência ainda é baixa. O problema é que nós nunca pensamos nisso como um método para produzir um grande número de animais. A idéia era introduzir mudanças genéticas nos animais, ou produzir um número pequeno de animais com um grande perfil genético. Eu acho que as aplicações têm sido objeto de politicagem sobre a imagem da indústria da biotecnologia. No final dos anos 1990, a indústria da biotecnologia teve dificuldades e várias empresas fecharam. A PPL Therapeutics [empresa que co-produziu Dolly] fechou. Isso é relevante na Europa e na América do Norte, onde o lobby antimodificação genética interrompeu o desenvolvimento de várias aplicações potencialmente úteis. Se você olhar para os países asiáticos e do Pacífico, eles estão realmente indo adiante nas aplicações da tecnologia da clonagem para proteínas humanas, resistência a doenças, melhoramento animal e transplante. A Europa e da América do Norte não utilizaram ao máximo as oportunidades.

FOLHA - Então, o fato de Europa e a América do Norte não aproveitarem as oportunidades da tecnologia se deve à resistência do público?

CAMPBELL - Minha opinião pessoal é que sim, em parte é a opinião do público contra a modificação genética, que foi alimentada pelo debate sobre os alimentos transgênicos. A Europa tem caminhado na direção da produção orgânica. Para ser sincero, eu acho que se nós pudermos fazer animais resistentes a doenças, nós não teremos de ter tantos antibióticos ou outros tratamentos. Os animais transgênicos, na prática, são um método de produção agrícola orgânico.

Divulgação
Ovelha Dolly, nascida em 1996 na Escócia
Ovelha Dolly, nascida em 1996 na Escócia
FOLHA - Um pesquisador de Harvard acaba de publicar um livro no qual afirma que as empresas de biotecnologia são tão perdedoras de dinheiro que ele não consegue entender como elas sobrevivem. O sr. concorda com esse argumento?

CAMPBELL - Até certo ponto, sim. Há duas questões aqui. Uma é a escala de tempo na qual as pessoas acreditavam que nós fôssemos conseguir um retorno. Isso jamais seria num prazo curto.

FOLHA - A promessa não foi um tanto exagerada?

CAMPBELL - Quanto à escala de tempo, sim, foi exagerada, talvez. As grandes farmacêuticas gastam fortunas para colocar novas drogas no mercado. mas a razão pela qual elas podem sobreviver é que elas já têm drogas no mercado. Assim, você ganha dinheiro e pode bancar o desenvolvimento de novas drogas. É por isso que a maior parte das novas drogas vem de grandes empresas. Para que empresas pequenas possam desenvolver novos produtos, elas precisam de muito tempo. Veja os animais transgênicos. Os animais transgênicos que produzem drogas no leite começaram a ser desenvolvidos na década de 1980. E o primeiro produto chegou ao mercado no ano passado.

FOLHA - E a clonagem terapêutica?

CAMPBELL - Isso ainda não funcionou. Se pudermos fazer funcionar, será ótimo. Mas o problema é que há muito poucos óvulos humanos disponíveis. Então eu não acho que será viável produzir células-tronco embrionárias para todo mundo no mundo por meio da clonagem terapêutica, porque não haverá óvulos humanos o suficiente. E ainda por cima há essas pequenas objeções éticas e religiosas à produção dos embriões e à sua destruição para a produção de células-tronco.

FOLHA - Desde o surgimento de Dolly nós temos visto vários lunáticos anunciando a clonagem reprodutiva humana. Quando o sr. vê essas notícias, o sr. pensa algo como "Deus do céu, o que foi que eu fiz?"

CAMPBELL - Não é o que eu fiz. O que me aborrece é que as pessoas dão corda a essas visões, porque isso vende jornal. Então, as pessoas podem dizer o que elas quiserem e, infelizmente, isso acaba traduzido em reportagens sérias. [A seita dos] raelianos... sabe, sem prova científica nenhuma! Eles não tinham nem mesmo a capacidade de entender aquilo que estavam anunciando.

FOLHA - O sr. acha que a clonagem reprodutiva humana virá a ser feita?

CAMPBELL - Seria um equívoco completo, dado o que sabemos sobre a clonagem animal e as anormalidades com as quais precisamos lidar. Os animais só vivem 15 ou 20 anos. Mesmo que achássemos que resolvemos os problemas da clonagem animal, não saberíamos quais seriam os potenciais efeitos no longo prazo em seres humanos.

FOLHA - A fraude envolvendo o coreano Woo-Suk Hwang levou a clonagem de volta à estaca zero?

CAMPBELL - Não acho que tenha feito regredir ao zero. Eu acho que teve um grande efeito na clonagem terapêutica humana, mas acho que o episódio fez as pessoas pararem por um momento para pensar sobre a biologia do processo. Espero que não seja um efeito duradouro.

FOLHA - O quão ruim é a reputação da biotecnologia e em especial da clonagem na cabeça do público?

CAMPBELL - Há dois problemas com o público. Um é ignorância. Eles não foram educados sobre quais são os potenciais benefícios da clonagem. E há tantos benefícios que eu acho que nós temos de continuar. Mesmo que seja só como uma ferramenta de pesquisa, para entender o que dá errado em embriões normais.

FOLHA - O sr. então vê mais benefício na clonagem como ferramenta de pesquisa que terapia?

CAMPBELL - As duas coisas. A FDA recentemente relatou que não há nenhum problema em comer clones ou as crias de clones. A clonagem nos dá a habilidade de reter animais de grande mérito genético e disseminar essa genética mais amplamente do que nunca. Além disso, há várias outras aplicações, como preservar animais de criação raros. Há o potencial em várias outras espécies para produzir animais que modelem doenças humanas, porque hoje nós só temos camundongos para fazer esses estudos e, você sabe, os camundongos são uma criatura muito pequena e não muito parecida com humanos. Podemos usar modificação genética em porcos para simular doenças humanas e buscar novos tratamentos. Podemos produzir células-tronco embrionárias de pessoas com doenças genéticas raras e usá-las para testar drogas.

FOLHA - No que o sr. está trabalhando no momento?

CAMPBELL - Estamos tentando obter células-tronco embrionárias de animais de criação, para usá-las na modelagem de terapias humanas ou mesmo terapias para animais. A terapia celular com células-tronco embrionárias pode não ser aplicável somente a humanos. Ela pode ter usos em animais, como a produção de osso e cartilagem em cavalos de corrida com perna quebrada, por exemplo.

FOLHA - Que avanços foram feitos para resolver os problemas de regulação genética que adoeceram Dolly no fim da vida?

CAMPBELL - Dolly não estava doente no fim da vida. Ela não morreu de alguma conseqüência da clonagem. Dolly morreu de uma infecção viral, que causa em ovelhas o equivalente ao câncer de pulmão.

FOLHA - Mas ela teve atrite.

CAMPBELL - Ela teve artrite, mas não se sabe se isso se deveu à clonagem, a algum problema genético ou ao fato de que ela se apoiava muito nas patas traseiras para pedir comida. Ou, como um amigo meu disse uma vez, se eu passasse seis anos num celeiro na Escócia, eu também teria artrite (risos). É frio e úmido!

FOLHA - Quais são as suas lembranças de Dolly? Parece que ela tinha uma queda por câmeras...

CAMPBELL - Ela gostava de câmeras porque as associava a comida. Todo mundo dava comida para fazê-la chegar perto, para que pudesse ser fotografada. Ela gostava de gente e de comida. Era uma ovelha muito sociável, de personalidade.

FOLHA - Ian Wilmut disse no ano passado num tribunal que ele não tinha feito Dolly e que 66% do crédito era do sr. Como está essa questão?

CAMPBELL - Nada mudou muito. Fazer Dolly foi um trabalho de equipe. Mas eu fui a pessoa que colocou as idéias científicas nesse trabalho. Eu fui o inventor da tecnologia, mas trabalhei dentro da equipe de Wilmut.

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