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12/02/2001 - 08h13

Análise - Sequenciamento abala a noção de gene

MARCELO LEITE
Editor de Ciência
da Folha de S.Paulo

Apenas uma leitura superficial dos dois artigos com a sequência do genoma humano na "Nature" e na "Science", além das dezenas de comentários, revela uma tendência paradoxal: o genoma vai bem e os genes vão mal. Mais precisamente: quanto mais se conhece a sequência do código genético humano, menos parece sustentável, ou útil, a noção de gene.

Quem diz é o próprio Craig Venter, que acelerou todo o processo de sequenciamento: "A noção de que um gene é igual a uma doença, ou de que um gene produz uma proteína-chave, está saindo pela janela".

A idéia de gene surgiu há cerca de um século, antes mesmo de se saber que a substância portadora da hereditariedade era o ácido desoxirribonucléico (DNA) ou que ele tinha a estrutura de escada torcida que se tornaria um ícone, a hélice dupla. Gene seria o suporte físico-químico de cada traço hereditário, a unidade discreta transmitida de geração para geração.

Mais tarde, o gene seria definido como o trecho de DNA contendo o código para uma determinada proteína. Ocorre que essas sequências nunca existiram como entidades físicas, sempre foram uma construção teórica.

Já se sabia, antes de completado o genoma, que seus elementos significativos (éxons) vinham interrompidos na longa cadeia do DNA por sequências aparentemente inúteis (íntrons). O código para a fabricação da proteína só era montado na hora, num processo conhecido como "splicing" (que descartava os íntrons).

Agora, com uma visão mais panorâmica do genoma, vai ficando claro que aquilo que deveria ser único e unívoco -o gene- pode dar origem a inúmeras proteínas, ou seja, há muitas formas alternativas de editar a informação.

Paradoxalmente, a decifração do genoma tem como efeito deixar mais evidente que se sabe muito pouco sobre os processos que regulam essas "escolhas" dentro da célula. Ou seja, o que determina que tais e tais pedaços de DNA sejam transcritos, na hora de produzir uma proteína.

Fim do determinismo
Eis aqui um novo paradoxo: o processo de regulação é realizado por proteínas da célula, que por sua vez reagem aos estímulos do ambiente interno (o organismo) e externo. As proteínas, portanto, determinam aquilo que deveria determiná-las (os genes).

"A pesquisa de ora em diante deve ir mais além na investigação da função do DNA repetitivo, da regulação da expressão (leitura) gênica, das interações entre proteínas, da sinalização, dos efeitos do ambiente e de outros mecanismos que possam contribuir para a complexidade de um organismo", escreveu na "Science" a editora Barbara Jasny, que cuidou da publicação do artigo de Venter.

Se os fatores externos ao genoma são tão importantes para especificar o que dele será lido e utilizado, na vida concreta das células, a sequência em si perde um pouco de importância. Um abalo evidente para um campo de pesquisa que punha todas as suas fichas em identificar uma ou poucas unidades discretas responsáveis por características ou doenças -"o" gene do câncer de próstata, ou do mal de Alzheimer.

Começa assim a ruir o arranha-céu de determinismo e reducionismo que tão bem serviu aos projetos genoma na hora de angariar os bilhões que os transformariam no substituto "Big Science" dos projetos espaciais.

Mais uma vez, as palavras são do próprio Venter: "Há duas falácias a serem evitadas: determinismo, a idéia de que todas as características de uma pessoa estão "impressas" no genoma; e o reducionismo, (a idéia) de que, agora que a sequência humana é conhecida por completo, será apenas uma questão de tempo até que nossa compreensão das funções e das interações dos genes forneça uma descrição causal completa da variabilidade humana".

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