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20/05/2001 - 10h06

Nasa projeta elevador cósmico para viagens espaciais

KARL ZIEMELIS
da "New Scientist"

Dizem que os cem primeiros quilômetros são os melhores. Momentos depois de a porta fechar, a aceleração começa a fazer efeito, empurrando você suavemente, mas com firmeza, sobre seu assento. A Terra mergulha rapidamente para fora de seu campo de visão, e seus órgãos internos gemem, solidários. A torre-base, deslizando diante da janela, parece ser interminável. E então você se vê no céu aberto, primeiro numa extensão azul aparentemente infinita, mas que pouco a pouco vai escurecendo até que apareça a Via Láctea em toda sua glória. Durante todo o tempo, o lago azul coruscante que é a Terra se curva e se afasta sob você, numa visão que, no passado, era restrita a pouquíssimos privilegiados.

Depois de um tempo que parece estender-se para sempre, mas na realidade dura pouco mais de dez minutos, a aceleração cede. Agora, avançando a 2.000 km/h, numa altitude de 150 quilômetros e ainda subindo, você começa a sentir-se desconfortavelmente leve no assento. Tentando manter a calma, você evita pensar demais no fato de que, pelas próximas 18 horas, a única coisa que vai impedi-lo de mergulhar de volta à Terra é algo que quase não passa de uma corda incrementada. É um cabo de cerca de 47 mil quilômetros de extensão, mas apenas alguns centímetros de largura, que se estende desde a superfície da Terra até sua órbita. Você está fazendo uma viagem no elevador espacial. Prepare-se para o passeio mais emocionante de sua vida.

Final do século A idéia de um elevador até o céu pode soar absurda, como uma versão atualizada da torre de Babel. Mas é uma proposta séria. Duas equipes independentes da Nasa (agência espacial dos EUA) recentemente estudaram os requisitos tecnológicos para um projeto desse tipo e concluíram que são viáveis. Extremamente difíceis de concretizar, mas viáveis. "É algo que podemos pensar seriamente em construir até o final deste século", diz David Smitherman, que liderou uma das equipes, do Centro Marshall de Vôos Espaciais da Nasa, em Huntsville, Alabama. A idéia do elevador espacial, por muito tempo relegada à lata de lixo das tecnologias que equivaliam a sonhos impossíveis, hoje já se configura como possibilidade real.

Por que se dar ao trabalho de construí-lo? A partir do momento que uma estrutura desse tipo estivesse funcionando, ela permitiria o acesso barato e fácil ao espaço. Passageiros e cargas poderiam subir e descer pelo cabo de maneira semelhante ao que é feito num elevador convencional -ou, com maior precisão, um teleférico-, viajando a uma fração da velocidade de escape. Cada quilo de carga que fosse colocado em órbita, que, num foguete, custa US$ 22 mil, custaria apenas US$ 1,48. E não seria preciso ser um astronauta em perfeitas condições físicas para fazer a viagem, o que abriria o espaço sideral para as massas -pelo menos as moderadamente abastadas.

A idéia do elevador espacial foi aventada pela primeira vez em 1960, pelo engenheiro russo Yuri Artsutanov, e discutida várias vezes nos anos seguintes. Mas ela passou em grande medida despercebida até 1979, quando Arthur C. Clarke a usou como base de seu livro "The Fountains of Paradise".

Como funciona o elevador? A melhor maneira de entender o conceito é usar uma ferramenta tradicional da física: a experiência mental. Comece por imaginar um satélite. O tempo que ele leva para orbitar a Terra é determinado pela força da gravidade, e essa varia segundo a distância em relação ao planeta: os satélites que voam a baixas altitudes completam cada órbita em pouco tempo, enquanto os mais distantes demoram mais tempo. Entre um extremo e outro, há uma distância especial -35.786 km- na qual o satélite leva exatamente um dia para completar um giro em volta da Terra. Se sua órbita estiver alinhada com o Equador, um satélite a essa distância vai flutuar acima do mesmo ponto na superfície da Terra, enquanto ele e a Terra giram juntos. Os satélites estacionados nessa órbita são denominados geoestacionários.

Para levar adiante a experiência mental, imagine que o satélite está sendo alongado para dentro, em direção à Terra, e, ao mesmo tempo, para fora, em direção ao espaço, de modo que seu centro de massa permanece em órbita geoestacionária (veja quadro à pág. 26). As partes do satélite que estão mais próximas da Terra vão se mover mais lentamente do que necessário para manter uma órbita estável e vão começar a sentir a atração gravitacional. Já as partes mais distantes estarão se deslocando rapidamente demais para a distância em que se encontram, de modo que, como uma pedra num estilingue, vão tentar se afastar do centro. Resultado: tensão. O satélite vira um cabo retesado em órbita.

A partir desse ponto, fica fácil levar a experiência mental a sua conclusão lógica, na qual o ponto mais para dentro do satélite toca o chão -ou, o que seria mais provável, se conecta a uma torre alta. O resultado é uma estrutura contínua que se estende desde o Equador até o espaço. Na ponta terrestre há a estação de base, um complexo maciço com todos as instalações adicionais de um grande aeroporto internacional -hotéis, restaurantes, lojas "duty free" e assim por diante. Ergue-se acima do complexo a plataforma de lançamento, algo como a torre Eiffel, mas com dezenas de quilômetros de altura. Depois disso vem o cabo: 47 mil quilômetros de comprimento, ininterrupto exceto pela estação espacial no ponto geoestacionário. Ela atuaria como centro de massa da estrutura, além de abrigar laboratórios, um parque empresarial e um resort com gravidade nula. Mais adiante haveria um contrapeso, possivelmente um pequeno asteróide amarrado ao fim do cabo.

A experiência mental já deu o que tinha de dar. Será que uma coisa dessas poderia realmente ser construída? A resposta, segundo a Nasa, é um "sim" cauteloso -depois que se tornar possível superar alguns obstáculos tecnológicos.

De longe o maior desafio de todos é o próprio cabo. O simples peso da estrutura dependurada da órbita geoestacionária exigiria muito do material usado para fazê-la. Que espécie de material possui a força tênsil necessária para suportar seu próprio peso, numa extensão tão grande? Surpreendentemente, qualquer coisa funcionaria em princípio, desde que fosse adequadamente afilada, ficando mais larga na órbita geoestacionária, onde a tensão é maior, e mais estreita nas extremidades.

Mas possível não é a mesma coisa que praticável. Um cabo de aço de um milímetro de largura no nível do chão teria de ter 40 bilhões de quilômetros de diâmetro no ponto de órbita geoestacionária -o equivalente a construir uma montanha maior do que o Sistema Solar, de ponta-cabeça. Mesmo kevlar, material que é mais forte e mais leve do que o aço, teria de se alargar para 16 metros, de modo que seria preciso dispor de duas gigatoneladas do material. Para piorar as coisas, o cabo precisaria ter diâmetro mínimo mais próximo de dez centímetros e não de um milímetro.

Nanotubos Para construir um cabo de dimensões praticáveis, seria preciso um material dotado de enorme força tênsil. As estimativas da Nasa sugerem o número mágico de 62,5 gigapascais -ou seja, 30 vezes mais forte do que o aço e 17 vezes mais forte do que o kevlar. Até pouco tempo atrás, a inexistência de tal material negou toda e qualquer credibilidade à idéia do elevador espacial. Os entusiastas eram obrigados a fazer sugestões desvairadamente exóticas: fibras de hidrogênio cristalino, ou mesmo antimatéria. Agora, porém, parece que mesmo um elemento tão comum quanto o carbono pode conter a chave para chegar ao céu.

Não constitui surpresa real saber que o material escolhido é o carbono. Sob a forma de diamante, o carbono manifesta propriedades mecânicas recordes. O diamante não pode ser tecido para formar filamentos, mas existe uma forma de carbono que reúne força e comprimento: os nanotubos. Esses minúsculos cilindros vazios feitos de lâminas de átomos de carbono dispostos em forma hexagonal superam a força tênsil do aço em pelo menos cem vezes. Mesmo as estimativas conservadoras avaliam sua força em 130 gigapascais, o que supera o número mágico por uma margem cômoda.

Então qual é o porém (e sempre há um porém...)? Para começar, os nanotubos custam caríssimo: nada menos do que US$ 500 por grama. Outro problema: estão em falta. Mesmo os melhores métodos de síntese existentes rendem tubos com pouco mais do que alguns micrômetros. Bradley Edwards, do Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México, que liderou a outra equipe da Nasa, já calculou o comprimento que os nanotubos teriam de ter para formar um material composto viável. O número que encontrou foi quatro milímetros.

Mas há esperanças. Segundo Dan Colbert, da Carbon Nanotechnologies, empresa saída da Universidade Rice, no Texas, o custo da fabricação de nanotubos vai cair. No momento, eles são produzidos por meio da vaporização a laser de grafite, um processo que rende pequenos lotes de produto puro, perfeito para uso em laboratório, mas caro demais para ser usado na construção civil -muito menos na construção de um elevador espacial. Mas a Carbon Nanotechnologies tem um novo processo de produção chamado "deposição de monóxido de carbono a alta pressão", ou HiPCO (iniciais do processo, em inglês), que promete ser adaptável para diferentes escalas, de modo que as unidades de produção poderiam ter as dimensões que se quisesse -e maior significa mais barato. Colbert calcula que, dentro de sete anos, a HiPCO terá reduzido o custo dos nanotubos para poucos centavos de dólar cada grama.

Como fica o problema do comprimento? Talvez as coisas não estejam tão ruins do jeito que estão. Os nanotubos têm tendência a ficarem grudados lado a lado, e as forças de coesão entre eles parecem ser fortes. Isso é bom. Mas os nanotubos grudados como cordas também têm o hábito de deslizar e escorregar uns contra os outros de uma maneira que não se entende. Até agora ninguém mediu a força de uma corda feita de nanotubos, mas os primeiros indícios são de que a força tênsil é reduzida em pelo menos três vezes, colocando-a justamente no limite da resistência necessária para um elevador.

Talvez a solução mais simples seja encontrar uma maneira de incorporar nanotubos num material composto, como a fibra de vidro. A desvantagem dessa abordagem é que qualquer material que seja usado para amarrar os nanotubos pode diluir sua força. A solução mais elegante seria produzir nanotubos contínuos que se estendam por toda a extensão do cabo. No momento, ninguém sabe como unir nanotubos individuais para formar moléculas mais longas.

Amarrando o cabo Agora que se dispõe de um cabo dependurado desde um ponto distante no espaço, precisamos de alguma coisa à qual prendê-lo. Seria possível, é claro, estendê-lo até o nível do mar e amarrá-lo no lugar desejado. Mas lembre-se do problema do afilamento: à medida que ascende, o cabo precisa se alargar para poder sustentar seu próprio peso. E a seção inferior precisa ter uma certa espessura mínima, que, por sua vez, determina o diâmetro do cabo no ponto de órbita geoestacionária e, portanto, a massa e o custo da estrutura como um todo. Eleve o fundo do cabo e você poupará muito material na extremidade superior. O ideal, portanto, é prender o cabo em algo muito alto.

Uma montanha bem situada, próxima do Equador, seria um bom ponto de partida, mas existem preocupações de segurança em tudo isso. Se o cabo rompesse, uma grande quantidade de destroços cairia no chão. Assim, não surpreende que a opção preferida seja uma torre gigantesca erguida numa plataforma em alto mar.

A torre teria de ter dezenas de quilômetros de altura, mas, comparada ao trabalho de pendurar um cabo desde o espaço, em órbita, construí-la seria uma brincadeira de criança. O mais alto edifício que se sustenta sozinho existente no mundo hoje é a CN Tower, de 553 metros de altura, em Toronto, que não chega nem perto do limite teórico. Com os métodos de construção existentes hoje seria possível erguer uma torre de 20 quilômetros de altura, mais do que suficiente para a estação de base do elevador.

Com o cabo e a torre instalados, já se teria o esqueleto de um elevador espacial. Ficaria faltando apenas uma maneira de subir pelo elevador. Os meios mecânicos tradicionais -cabos, rodas e polias- não serviriam. Em vista das estupendas distâncias envolvidas, um sistema de transporte viável teria de satisfazer dois requisitos básicos: pouquíssima manutenção e velocidades muito altas. A levitação e a propulsão magnética contêm as chaves para ambos.

Ao usar forças magnéticas propulsivas para manter o veículo fora de contato direto com o cabo, a levitação magnética elimina o desgaste que afeta a maioria dos sistemas de transporte. O veículo pode acelerar para vários milhares de quilômetros por hora.

Será que tudo já foi coberto? Nem tudo. O espaço é um lugar cheio de perigos. O ambiente próximo à Terra é repleto de partículas energéticas, todas esperando para erodir qualquer material com o qual porventura entrem em contato. Há projéteis que poderiam cortar o cabo, incluindo meteoritos e lixo espacial. Mas esses obstáculos são superáveis. Basta olhar o êxito das viagens à Lua, das sondas interplanetárias e, mais recentemente, da Estação Espacial Internacional, as quais tiveram de enfrentar problemas semelhantes.

Se tudo correr bem, quando poderá ser construída uma estrutura como a descrita? Certa vez fizeram essa pergunta a Arthur C. Clarke, e ele respondeu: "O elevador espacial será construído cerca de 50 anos depois que todo mundo parar de rir da idéia". Acabaram de parar.

Karl Ziemelis é editor de ciências físicas da revista "Nature"

Tradução de Clara Allain
 

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