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26/08/2001 - 10h58

Para especialista, Protocolo de Kyoto é desperdício de dinheiro

CLAUDIO ANGELO
Editor-assistente de Ciência
da Folha de S.Paulo

"O Protocolo de Kyoto é um desperdício de dinheiro." Apesar de dita num inglês impecável e sem sotaque, a frase não vem de nenhum executivo norte-americano da indústria do petróleo, nem de um dos assessores do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Vem, por estranho que pareça, de alguém que se diz ambientalista: o estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg, 36, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Aarhus.

Lomborg publica nesta quinta-feira, no Reino Unido, o livro "The Skeptical Environmentalist - Measuring the Real State of The World" ("O Ambientalista Cético - Medindo o Estado Real do Mundo", previsto para sair no Brasil em setembro), onde defende, para a fúria de ecoxiitas de toda a Terra, que a saúde do planeta está melhorando, que o efeito estufa não vai ser nem de longe a catástrofe vaticinada pelos cientistas e que muitas das visões correntes sobre o ambiente são baseadas em mitos apocalípticos -que ele chama de "ladainha" ambientalista-, construídos por ONGs como o Greenpeace e o WWF e replicados irresponsavelmente pela imprensa. "O fim do mundo não está próximo. Nós vamos conseguir", diz, baseando suas afirmações em vastos dados estatísticos, coletados e esquadrinhados minuciosamente durante quatro anos.

O próprio subtítulo da obra já é uma provocação. Lomborg alude ao "Estado do Mundo", a bíblia do ambientalismo, publicada anualmente pelo Worldwatch Institute, cujo fundador, Lester Brown, é crucificado pelo dinamarquês como uma espécie de Jim Jones da seita dos profetas do apocalipse.

A resposta dos verdes à declaração de guerra não tardou. Em carta ao jornal americano "The New York Times", o presidente do Worldwatch, Christopher Flavin, afirmou: "A visão sanguínea de Lomborg sobre as tendências ambientais é baseada em uns poucos anos de interpretações erradas e mau uso de dados de numerosas áreas e agências, em contradizer as conclusões de levantamentos científicos revisados e em descaracterizar o trabalho das organizações de pesquisa".

De sua casa em Copenhague, Lomborg concedeu a seguinte entrevista:

Parafraseando George W. Bush, o ambientalismo tem "falhas fatais"?
(Pausa.) Não. Acho que é bom que nós nos preocupemos com o ambiente. Acho importante que haja um movimento ambientalista mesmo hoje, porque é importante que haja gente para falar contra o poder e o dinheiro. Então é bom que haja Greenpeaces, que vão dizer: "Espera um pouco, não tem um problema aqui?" Mas nós não devemos tomar o movimento ambientalista como o único mensageiro da verdade. O movimento ambientalista é um grupo de lobby, como o são as empresas, que dizem: "Oh, não se preocupe com o ambiente". Mas, enquanto nós sabemos que devemos ser céticos com as empresas, também devemos ter cuidado com os movimentos ambientalistas, porque eles também querem nos fazer tomar decisões específicas e gastar mais dinheiro na área ambiental do que em outras áreas.

No seu livro, o sr. nega o papel da "ladainha" na resolução de várias questões ambientais. Mas no Brasil, por exemplo, se houve progressos quanto ao desmatamento, foi graças à pressão de ambientalistas...
Eu não estou dizendo que [a "ladainha"] não está de forma alguma relacionada a avanços no ambiente. Isso seria ridículo. Claro, o fato de que nos preocupamos com o ambiente significa que temos um ambiente melhor. Se você gastar um bilhão de dólares em alguma coisa, você vai ter resultado. A questão é quanto resultado você vai ter. E meu argumento é que a maioria das coisas boas para o ambiente que nós identificamos... Veja a redução da poluição do ar em Londres: ela não se deve primariamente ao fato de termos nos preocupado com a poluição. Outras coisas aconteceram. Não estou dizendo que não queremos fazer legislação ambiental. Mas devemos considerar isso não na base do "oh, meu Deus, estamos morrendo!" [com voz fina], mas pensar se essa é a melhor forma de gastarmos nossos limitados recursos. Às vezes é, às vezes, não.

O sr. diz no último capítulo do livro que a "ladainha" não só é ineficiente, como também ajuda a criar uma estrutura social onde menos pessoas sobrevivem. Como assim?
Muita gente vai lhe dizer: "Seguro morreu de velho". Se há um risco com pesticidas, por exemplo, nós provavelmente deveríamos regulá-los, só para garantir. Talvez você salve só um par de vidas, mas, ei, uma dessas vidas pode ser a sua filha. Então vale a pena. O problema, aqui, é que, se você reduz riscos em uma área, geralmente aumenta em outra. E meu argumento sobre o uso de pesticidas foi que, se você reduzi-los, claro, menos pessoas vão se contaminar com resíduos. Mas frutas e verduras vão subir de preço dramaticamente. E elas são uma das melhores maneiras de evitar o câncer. Nos EUA, por exemplo, se você eliminar completamente os pesticidas, você salva 22 vidas, mas isso vai te custar cerca de 26 mil vidas. Além de US$ 100 bilhões por ano. Então você tem de se perguntar: será que isso é bom negócio?

O seu trabalho vai contra anos de pesquisas científicas submetidas ao crivo de outros cientistas. O sr. acha que a ciência, na questão ambiental, é guiada por mitos?
É importante dizer que algumas pesquisas, mesmo que tenham "peer review" [revisão por outros cientistas", estão erradas. Mas, basicamente, eu aceito essas pesquisas. Acho que a maioria dos cientistas ambientais está fazendo um grande trabalho. Eu acho, no entanto, que eles tendem a olhar muito estreitamente para alguns temas. Tome, por exemplo, a questão dos pesticidas. Saber que alguma coisa dá câncer não é informação suficiente para dizer: "Ah, tá, então vamos eliminá-la". Temos de nos perguntar quanto bem essas coisas fazem e quanto custa bani-las, o que nós ganhamos com isso. Mas, nesse sentido, é claro, existe uma tendência universal a achar que a nossa pesquisa é sempre a mais importante do mundo, não importa o que seja. Acho que esse sentimento é compreensível, mas não é a melhor maneira de tomar uma decisão política. E, nesse sentido, sim, acho que eles são guiados um pouco por mitos.

Muitos dos seus argumentos vêm de campos onde há muita incerteza científica, como o aquecimento global. O sr. não acha que essa incerteza enfraquece os seus argumentos tanto quanto os dos ambientalistas que critica?
Eu não acho que você possa dizer nada sobre isso em geral. Tem de olhar caso a caso. Pegue o aquecimento global. Claramente, há uma grande incerteza sobre quanto isso vai afetar o clima global. Mesmo que haja incerteza sobre quanto isso vai ser prejudicial, essa incerteza é exatamente replicada no quanto nós podemos realmente mudar o clima, se não adotarmos Kyoto ou algo parecido. E isso é o que todas as análises de custo-benefício, não importa quais valores você ponha nos modelos, mostram que não cobre o custo. Algo como Kyoto ou mesmo regulações mais estritas são uma forma muito ruim de gastar recursos. Nesse sentido, você pode dizer que, não importa o quanto você corte a incerteza, você vai ter um resultado que mostra que não vale a pena.

Por falar em decisões políticas, o sr. acha que George W. Bush agiu certo ao rejeitar o Protocolo de Kyoto?
(Risos.) Eu acho que ele está certo! Está certo, provavelmente pelas razões erradas. Estou falando isso como pessoa, não como pesquisador. Ele está basicamente motivado pelos seus companheiros da indústria do petróleo, que financiaram parte de sua campanha. Então eu acho que ele está provavelmente errado em suas razões para rejeitar o protocolo. Mas meu argumento é que o protocolo é um mau investimento para o mundo. Podemos gastar esse dinheiro muito, muito melhor. Se nós quisermos ajudar o Terceiro Mundo, então vamos fazer isso direito, em vez de fazer algo que só parece bom.

Eu gostaria de voltar ao ponto da Amazônia e das florestas. O sr. diz que o desmatamento na Amazônia foi de "apenas" 14%, mas esses 14% equivalem, em área, a 70% da área de floresta da Indonésia, que é o segundo país do mundo com mais floresta tropical. Ou 16 Dinamarcas, se quiser. O sr. não acha que isso é um uso pelo menos parcial da estatística?
(Pausa.) Não sei o que dizer sobre isso. Sim, nós realmente perdemos muita floresta tropical, provavelmente 20%, e provavelmente não devêssemos ter deixado isso acontecer. Mas nenhuma dessas coisas que andamos ouvindo sobre a velocidade com que as florestas estão sendo cortadas é verdade. Estamos, sim, derrubando as florestas. Mas a um ritmo de 0,5% ao ano. É primariamente um problema estético: não estamos perdendo muita biodiversidade, estamos perdendo alguma, mas não em quantidades dramáticas. É uma questão de saber se nós gostaríamos que houvesse muita floresta. Eu, pessoalmente, gostaria. E, já que somos tão ricos, podemos pagar por isso. Poderíamos pagar ao Brasil para que mantivesse mais florestas. Mas eu concordo que só apresentar essa parte do gráfico é uma coisa parcial.

O sr. não tem medo de que o livro seja entendido pelo público como uma mensagem para não nos preocuparmos com o ambiente? Isso não é perigoso?
Não pode ser perigoso entender melhor onde estão e onde não estão os problemas. No entanto, com a mídia trazendo a maioria das informações -e, encaremos os fatos, a maioria não vai ler meu livro-, há uma tendência a simplificar a mensagem para um "não se preocupe" e, sim, isso seria incorreto. O que eu digo é: preocupe-se com as coisas certas e saiba que nós estamos indo na direção correta.

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