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26/08/2001 - 11h11

Livro de dinamarquês vai contra política de entidades ambientais

da Folha de S.Paulo

Desde os anos 70, quando os partidos verdes começaram a despontar na Europa e o Greenpeace surgiu para protestar contra testes nucleares, o movimento ambientalista nunca foi seriamente questionado em sua sacrossanta missão de salvar a Terra. Nem havia por quê: os dados da tragédia - florestas desaparecendo, espécies se extinguindo a rodo e os mares subindo devido ao efeito estufa- pipocam nos noticiários para dizer que a humanidade está destruindo o planeta. Ninguém em sã consciência (salvo um ou outro presidente dos EUA) poderia ser contra os cuidados com a combalida saúde global.

Nada mais normal, portanto, do que reagir com incredulidade a qualquer um que venha dizer que o planeta nunca esteve tão bem, obrigado, e que um futuro radiante aguarda a humanidade, mesmo depois de todos os seus pecados contra a Mãe Natureza. Mas é justamente disso que o dinamarquês Bjorn Lomborg tenta (e, até certo ponto, consegue) convencer o leitor em "The Skeptical Environmentalist". As coisas estão melhorando. E o fim do mundo não está próximo.

O livro de Lomborg cumpre a saudável tarefa de destoar de dessacralizar as ONGs ecológicas. Ao caracterizá-las -não sem um certo exagero- como mais um grupo de lobby brigando por verbas, o autor quebra um tabu e abre um debate que, para a maior parte das pessoas, ainda soa algo herético.

Para respaldar seus argumentos, Lomborg, um estatístico que foi sócio do Greenpeace durante a adolescência, recorre a uma extensa compilação de números. Quem se aventurar pelas 505 páginas e 2.928 notas de rodapé da obra vai se deparar com dados das Nações Unidas, do Banco Mundial e de uma série de publicações científicas, que mesmo um leitor atento terá dificuldade em contestar. O trabalho, aliás, sai pela Cambridge University Press, a mesma editora que publica os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática).

A mensagem central do livro é que a humanidade tem um montante limitado de recursos para resolver uma quantidade quase ilimitada de problemas. Portanto, decisões políticas têm de ser baseadas em fatos, não em mitos. E as idéias normalmente difundidas sobre o ambiente são, geralmente, exageradas -um conjunto de crenças que Lomborg chama de "ladainha" dos catastrofistas. Mitos gerados nas mentes supostamente doentias de gente como Lester Brown, o simpático fundador do Worldwatch Institute, e Paul Ehrlich, professor da Universidade Stanford, e difundidos por ONGs ávidas por recursos e uma imprensa sedenta de más notícias.

Visão parcial

Lomborg acusa o Worldwatch, uma das mais respeitadas organizações ambientais do planeta, de negligenciar tendências de longo prazo nas estatísticas ambientais e de ignorar informações importantes no seu diagnóstico anual sobre a saúde do planeta, o "Estado do Mundo". A edição de 1995, por exemplo, afirma que o consumo de fertilizantes estaria sendo reduzido a partir de 1990-indício de um breve colapso na agricultura mundial. Mas a razão dessa redução, contesta Lomborg, foi o colapso da União Soviética. A produção agrícola não chegou ao limite.

Longe disso. Apresentando dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), o livro argumenta que a humanidade nunca esteve tão bem nutrida e que a agricultura, graças à Revolução Verde, ainda tem muito pano para a manga. Especialmente porque o número de bocas para alimentar, ao contrário do que previu Paul Ehrlich em seu livro "A Bomba Populacional", de 1968, não vai crescer exponencialmente. "A taxa de crescimento da população mundial há muito passou do pico", escreve Lomborg.

O dinamarquês se deu ao trabalho de pesquisar a origem de muitos dos mitos ambientais. O resultado, às vezes, é de dar vergonha a qualquer jornalista. Uma estatística replicada a torto e a direito pelos ecoxiitas e atribuída a um relatório do Banco Mundial, por exemplo, afirma que 30 países, com 40% da população do planeta, enfrentam escassez de água para a agricultura e a indústria. Verificando junto ao próprio banco, Lomborg descobriu que a origem dos números é um "press release" mal escrito, cujo estudo de referência falava não em falta d'água, mas de acesso a água encanada e esgoto -em 80 países, não em 30. Aliás, por falar em água, o célebre relatório do Banco Mundial que gerou a expressão "guerra da água" não cita a palavra "guerra".

Nem mesmo o Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, escapou do escrutínio. Em seu relatório de 2000, o Pnuma afirma que 15 milhões de crianças menores de cinco anos morrem anualmente por causa de água poluída. Mas o número total de mortes de crianças menores de cinco anos, segundo a Organização Mundial da Saúde -também da ONU-, é 10 milhões. A "ladainha" não resiste à verificação. "Quando apresentamos um argumento, nunca há tempo suficiente para incluir todos os dados. Em certa medida, todo argumento se fia em metáforas e atalhos retóricos. No entanto, devemos ser sempre cautelosos para não deixar a retórica encobrir a realidade", diz.

Casa de ferreiro, espeto de pau

O problema de Lomborg é que ele mesmo acaba cedendo aos "atalhos retóricos" e visões parciais dos números que tanto critica nos profetas do apocalipse. No capítulo dedicado a demonstrar quanto é boa a situação das florestas, por exemplo, critica o WWF (Fundo Mundial para a Natureza) sobre números da devastação na Amazônia. "Talvez uma informação mais importante seja que a perda total de floresta na Amazônia desde a chegada do homem foi de apenas 14%."
Dito assim, a seco, o número parece mesmo justificar o advérbio -especialmente para o leitor europeu, pouco familiarizado com grandes dimensões. Mas 14% da Amazônia correspondem a cerca de 700 mil km2, o equivalente a 70% da área de selva da Indonésia, o país com maior cobertura de floresta tropical depois do Brasil. Ou 16 Dinamarcas. Em entrevista à Folha, Lomborg admite que esse foi um uso "parcial" da informação estatística.

Em sua carta ao "The New York Times", Christopher Flavin, do Worldwatch, observa ainda que Lomborg se contradiz com os dados disponíveis ao dizer que, desde 1950, as florestas não estão desaparecendo. "Para fazer essa afirmação, ele usa uma série de dados que as Nações Unidas interromperam em 1994, devido a imprecisões."

Mais adiante, no capítulo sobre a água, o dinamarquês cita um estudo de 2000 feito pelo russo Igor Shiklomanov, a pedido da Unesco, para dizer que a humanidade só utiliza 17% do total de água doce disponível no planeta. Por alguma razão, não menciona que a principal conclusão do relatório é que 45% da humanidade enfrentará escassez de água em 2025, por razões físicas ou econômicas.

Entre uma boa análise e outra de crenças ambientais sem fundamento -como o da perda anunciada de 50% das espécies até o ano 2025, quando a taxa real de extinção é de 0,7% ao ano-, o livro entrega-se a exercícios de pura futurologia. Ao dizer, por exemplo, que a poluição do ar em Londres foi combatida não devido a preocupações ambientais, mas sim ao crescimento econômico, Lomborg arrisca-se a dizer que "não há razões decisivas para pensar que o mesmo desenvolvimento não vá ocorrer no Terceiro Mundo" que, segundo ele, estará tão rico em 80 anos quanto os países da Europa Central estão hoje.

Pelo mesmo motivo, assegura, não é preciso se preocupar com o Protocolo de Kyoto: o custo da redução das emissões de gases-estufa prevista no acordo é maior que o custo estimado dos danos a serem provocados pelo aquecimento em cem anos. E, como os países pobres serão ricos por essa época, é melhor gastar o dinheiro -algo em torno de US$ 107 trilhões- em coisas mais prioritárias. Um raciocínio plausível, talvez, para o Chile. Mas não para Serra Leoa.

Mesmo assim, "The Skeptical Environmentalist" é uma leitura obrigatória para todo ambientalista que se preze. O livro mostra, e mais, demonstra, que os verdes não são acionistas majoritários da verdade, e que informações sobre o estado do mundo devem ser lidas sempre com cuidado. O que não quer dizer que tabelas e gráficos sejam tão verdadeiros e objetivos quanto querem fazer crer os estatísticos. (CLAUDIO ANGELO)

Leia mais

  • Para especialista, Protocolo de Kyoto é desperdício de dinheiro


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    The Skeptical Environmentalist - Measuring the Real State of the World
    de Bjorn Lomborg
    505 págs., Cambridge
    University Press, Reino Unido

     

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