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15/11/2001 - 08h25

Opinião - Clonar ou não clonar, eis a questão

LYGIA DA VEIGA PEREIRA
especial para a Folha de S.Paulo

Alguns pseudocientistas vêm propondo, nos últimos meses, a geração de clones humanos. Com a realização de um seminário para juristas em Brasília, nesta semana, o assunto vem recebendo crescente atenção também das autoridades e do público brasileiro.

Governos de diversos países, incluindo os EUA, criaram leis proibindo a clonagem e o uso de embriões humanos para pesquisa. Em abril o assunto voltou à tona com a declaração de dois médicos -Severino Antinori e Panos Zavos- de que vão iniciar experiências de clonagem humana.

Essas declarações geraram diversos manifestos de repúdio por parte dos mais renomados cientistas do mundo, incluindo Ian Wilmut, criador da ovelha Dolly. A clonagem como forma de reprodução é comprovadamente um fracasso, e é consenso na comunidade científica que não deve ser realizada em seres humanos.

Mas os defensores da clonagem reprodutiva já estão causando um grande mal, pois geraram um medo da clonagem em geral, que corre o risco de ser totalmente proibida nos EUA. Temos de separar o joio do trigo. Existe uma distinção importante entre a clonagem reprodutiva, que visa à geração de um indivíduo inteiro a partir de uma célula por reprodução assexuada, e a clonagem terapêutica, conjunto de aplicações científicas e terapêuticas dessa mesma tecnologia.

No processo de clonagem, uma célula de identidade e função já definidas consegue ter acesso a toda a informação genética contida no seu núcleo. Se pudermos entender e controlar esse mecanismo, poderemos um dia regenerar órgãos e tecidos danificados. Afinal, as células de um fígado com cirrose ainda têm a receita para fazer um fígado saudável.

Nos últimos anos houve um enorme investimento na pesquisa com células-tronco. Em geral, célula-tronco (CT) é uma célula que tem a capacidade de se transformar em diferentes tipos de célula. Por exemplo, as CT do sangue, encontradas na medula óssea, produzem todos os tipos de célula sanguínea, como hemácias e leucócitos. No entanto, apesar de as CT serem fonte de diferentes tipos de células, ainda não se sabe se podem se diferenciar em qualquer tipo -como neurônios.

Uma classe especial de CT são as chamadas células-tronco embrionárias. Como o nome sugere, elas são derivadas de um embrião nos estágios iniciais do desenvolvimento. Nos primeiros cinco dias desse processo, as células do embrião ainda não decidiram se vão virar células de sangue, pele ou músculo. Por isso, ainda têm o potencial de se diferenciar em qualquer desses tipos celulares.

As CT embrionárias são derivadas desses embriões de cinco dias, multiplicadas em laboratório e podem ser induzidas a se transformar em células sanguíneas, musculares, de pele, secretoras de insulina e até neurônios. Elas têm um imenso potencial terapêutico.

O grande problema é que essas células são derivadas de embriões excedentes de processos de fertilização in vitro. Tais embriões, normalmente descartados com consentimento do casal, são destruídos para extrair as CT embrionárias. Para algumas pessoas, isso significa destruir uma vida, o que seria inaceitável.

Essa é uma questão delicada, que envolve aspectos morais, culturais e religiosos. Vale lembrar que estamos falando de um embrião de cinco dias, basicamente um conglomerado amorfo de células, que se fosse gerado no ventre de uma mulher teria somente 20% de chance de se desenvolver em um bebê. Uma coisa se pode garantir: aquele embrião excedente trará muito mais benefícios na forma de CT embrionárias do que numa lata de lixo.

Outro argumento contra o uso de células-tronco embrionárias é o medo de que seja criado um comércio de embriões. Seguindo essa argumentação, não deveriam ser permitidas transfusões de sangue nem doações de órgãos, pois isso também poderia degenerar em comércio desses.

A proibição cega invariavelmente leva ao atraso da ciência e da melhora da qualidade de vida. Precisamos, sim, de legislação e vigilância, para introduzir o desenvolvimento das células-tronco embrionárias no Brasil sem ferir direitos nem deveres.

Lygia da Veiga Pereira, 34, é professora doutora do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da USP
 

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