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14/02/2010 - 08h52

Doping genético virá, afirma especialista

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RICARDO MIOTO
da Folha de S.Paulo

Em pouco tempo, atletas começarão a usar a manipulação genética como doping para aumentar desde os seus músculos até a sua velocidade. Quem diz isso é Mark Frankel, especialista em modificação genética e bioética da Associação Americana para o Avanço da Ciência. As técnicas que interessam aos esportistas são uma forma de geneterapia. Com a ajuda de um vírus, por exemplo, insere-se no genoma de um indivíduo DNA que não é dele. A ideia é colocar genes normais no lugar de genes defeituosos em portadores de doenças genéticas.

Mas Frankel alerta que os atletas podem querer fazer mau uso da geneterapia. Eles estão saudáveis, mas podem querer utilizar as técnicas para melhorar o seu desempenho artificialmente --usando, digamos, um trecho de DNA que traga a receita para fabricar hormônios que turbinem seus músculos, ou outro que provoque um aumento nos glóbulos vermelhos do sangue.

Para ele, a Olimpíada do Rio, em 2016, corre sério risco de ficar marcada por esse tipo de doping. Os atletas, dispostos a ignorar os riscos para a saúde de um procedimento ainda experimental, já procuram cientistas para saber quando poderão usar as novas técnicas, diz.

Frankel publicou com dois colegas, um deles Theodore Friedman, da Agência Mundial Antidoping (Wada), um artigo recente no periódico "Science" alertando para o fato. Ele diz que ainda não existem testes para detectar o doping genético, embora a Wada esteja se esforçando. Frankel critica ainda os cientistas, que "nunca sequer pensaram" nas implicações dos seus trabalhos em áreas como o esporte.

Folha - O doping do futuro é genético?
Mark Frankel - Sim. Nós sabemos agora que existem genes com impacto na velocidade, nos músculos, na resistência. Acho que, nos próximos anos, vamos saber cada vez mais sobre eles e sobre outros genes. Mas ainda temos muito a aprender sobre o que os genes controlam no corpo humano. Além disso, existem outros fatores que importam no desempenho de um atleta, como o tipo de vida que ele tem, o seu treinamento. Mas a comunidade olímpica precisa estar preparada para o próximo grande passo do doping, que envolve os genes. Até onde sabemos, o doping genético ainda não aconteceu, mas vai. É inevitável.

Folha - Mas quão perto está de acontecer? Como o senhor imagina que será, por exemplo, a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, com relação a esse assunto?
Frankel - É muito difícil dizer quando vai acontecer, mas a ciência caminha muito rápido. E, conforme a geneterapia vai se desenvolvendo, e estamos tendo cada vez mais sucesso com ela, as chances de que atletas e seus técnicos a queiram utilizar como doping vão crescendo. Toda forma de geneterapia no mundo ainda está em testes clínicos. Você não pode ir a um médico e pedir o tratamento. Mas acho que muita coisa vai estar pronta para ser utilizada no Brasil, talvez até em Londres [em 2012]. Eu ficaria muito surpreso se não acontecesse uma intensa movimentação em torno do doping genético na Olimpíada do Brasil.

Folha - Mas a geneterapia ainda parecer estar envolta em riscos.
Frankel- Sim. E, além dos muitos riscos que nós já sabemos que existem, devem existir vários dos quais não temos ideia ainda. A medicina está tentando utilizar essas terapias para curar doenças, mas no processo elas levam os pacientes a problemas muito sérios, como a leucemia. Temos de ter cuidado com o que nós inserimos nos genes. Mas estamos fazendo mais e mais progresso com a geneterapia e, assim, mais e mais atletas e técnicos vão se interessando por isso, porque eles estão sempre procurando uma maneira nova de melhorar o seu desempenho.

Folha - Já existe algum tipo de assédio aos cientistas por parte de atléticas e técnicos em busca de doping genético?
Frankel- Sim. Deixe-me contar uma pequena história. Há um pesquisador na Universidade da Pensilvânia que, alguns anos atrás, estava fazendo pesquisas com camundongos. O esforço dele era para aprender a aumentar a massa muscular dos bichos de maneira segura, para poder utilizar isso, um dia, em idosos humanos. Ele, então, publicou a pesquisa e ela apareceu em jornais. Poucos dias depois, ele recebeu ligações de atletas e técnicos querendo informações, querendo saber se aquilo estava disponível para eles usarem. Ele disse "não, eu trabalho com camundongos! Não está pronto para seres humanos". Então perguntaram a ele quando estaria pronto, e ele disse que demoraria, porque primeiro teria de passar por testes clínicos para saber se seria seguro. Então ele escutou: "Mas tem como alguns dos meus atletas participarem desses testes?". Mas atletas não são pessoas doentes, são saudáveis! E existem vários outros exemplos de casos assim.

Folha - Eles não se importam muito com os riscos, então.
Frankel - Frequentemente não. Atletas e técnicos são muito competitivos, querem ganhar, e por isso aceitam riscos desconhecidos que o resto das pessoas evita. O nosso medo é que eles tentem utilizar algo e acabem se machucando de maneira muito séria assim. E eles têm de pensar que esse tipo de manipulação nos genes pode até afetar a próxima geração, os seus filhos. O doping genético tem efeitos a longo prazo que nenhum doping atual tem. Eu acho que podemos convencer a maioria dos atletas de que não vale a pena. Veja a quantidade de atletas que ganham medalhas, sobre os quais os testes nunca indicaram que estivessem usando substâncias ilegais. Não é fácil para um atleta enganar o sistema, nós os testamos muito, embora muitos tentem e alguns consigam. No final, algum sempre tentará passar por cima das regras.

Folha - Se os atletas quisessem, teriam acesso hoje a esse doping?*
Frankel- Você poderia entrar na internet agora e comprar tudo de que você necessita para fazer geneterapia. É onde as universidades compram. Não é como esteroides, que são ilegais em muitos lugares. O material utilizado para geneterapia não é restrito. Não sabemos de ninguém que tenha tentado, mas existem pouquíssimos obstáculos para tentar, especialmente se você não se importa com os efeitos colaterais.

Folha - Mas, se algum atleta utilizasse doping genético hoje, seria possível saber por meio de testes?
Frankel - Não, muito provavelmente não. Mas a Wada está desenvolvendo técnicas para conseguir detectar essas modificações genéticas. Eles ainda não conseguiram, mas estão colocando muito dinheiro para pesquisar o assunto. Existe um tipo de batalha entre as pessoas do doping e as pessoas do antidoping. Quem trabalha com antidoping sempre quer estar um pouco à frente de quem trabalha com doping, mas existem pessoas muito inteligentes e altamente esforçadas dos dois lados da batalha.

Folha - Os cientistas se preocupam com os impactos que as suas descobertas podem ter no esporte?
Frankel - A grande maioria dos cientistas trabalhando na área nunca sequer pensou em como o seu trabalho pode ser usado nos esportes. Eles deveriam ser mais claros sobre os potenciais riscos da geneterapia, sobre como ainda existem coisas que não sabemos sobre essas técnicas. É algo que sempre deveria ser parte dos artigos científicos que eles escrevem e de todas as entrevistas que eles dão. Não acho que os cientistas estejam fazendo o suficiente.

 

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