Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
29/08/2002 - 08h01

Brasil pode recuar nas metas de energia

ELIANE CANTANHÊDE
CLAUDIO ANGELO
Enviados especiais da Folha de S.Paulo a Johannesburgo

O Brasil estava ontem perto de jogar a toalha na determinação de excluir grandes hidrelétricas da meta de 10% de energia renovável para todos os países do mundo. Essa meta é a principal proposta nacional na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10) e, para salvá-la, a delegação brasileira partiu para uma espécie de vale-tudo.

"Se não incluirmos as hidrelétricas, fica praticamente impossível falar em meta de energia", afirmou o ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, ao admitir o recuo brasileiro. O secretário de Estado de Meio Ambiente de São Paulo, José Goldemberg, concorda, mas com ressalvas.

Principal autor da proposta, ele defende que, caso as grandes hidrelétricas sejam incluídas, o texto final determine que isso só valerá para as que seguirem diretrizes ambientais internacionais.

A inclusão das hidrelétricas foi uma proposta capitaneada pela União Européia, com apoio da Rússia, China e Índia, além de países da África. O Brasil rejeitava a inclusão, sob o argumento de que, apesar de não produzirem CO2, elas destroem ou danificam os ecossistemas com inundações.

Além de negociar as hidrelétricas, o Brasil tenta também vencer as fortes resistências dos árabes produtores de petróleo à meta de 10%. O problema, portanto, deixa de ser entre países ricos e pobres para ser do próprio G-77, que reúne nações em desenvolvimento, como o Brasil e os árabes.

"Estamos no fio da navalha", disse ontem Carvalho, depois da reunião sobre energia em que muitos países radicalizaram posições. Ele conta, agora, com o apoio da Venezuela para a cota, apesar de esse país também produzir petróleo, como os árabes.

Para Carvalho, os árabes só estão preocupados com o próprio bolso: "A meta significa menos mercado de petróleo para eles, que estão colocando a lógica mercadológica acima da questão ambiental". O ministro do Itamaraty Everton Vargas, que participa ativamente das negociações, conversou ontem com um delegado da Arábia Saudita, Khaled Abu-Leif, e não saiu animado: "Eles estão com instruções extremamente rígidas do governo".

Para Goldemberg, o Brasil deve deixar a decisão final para os chefes de Estado, na próxima semana: "Minha impressão é de que estamos no começo do processo".

A estratégia de negociação se transformou numa barganha: o Brasil passou a jogar duro contra a proposta sobre biodiversidade atualmente na mesa, de fixar uma meta de redução de perdas de espécies até 2010. Ela foi apresentada pela União Européia (UE).

Como a UE lidera o movimento a favor dessa proposta, o Brasil tenta dizer implicitamente o seguinte: ou temos apoio na negociação da meta de energia, ou seremos um empecilho poderoso contra a de biodiversidade.

Repartição de benefícios
Outra barganha brasileira se dá entre as metas de biodiversidade e a confirmação do princípio da "repartição de benefícios", pelo qual países e comunidades locais têm direito a parte do lucro de empresas que desenvolvam produtos a partir de materiais genéticos colhidos em seus territórios.

"Como você vai se comprometer com metas sem a repartição de benefícios?", provocou o ministro do Meio Ambiente.

Ele também acusou os países ricos de fazerem "ouvido de mercador" para a proteção de conhecimentos tradicionais, que interessa sobretudo ao Brasil, porque significa uma espécie de direito de propriedade intelectual, ou de patentes, para sabedorias ancestrais. A patente é um direito individual, e o de conhecimentos tradicionais, coletivo.

O principal objetivo da delegação brasileira, agora, é conseguir consenso no G-77, que reúne 130 países e está muito rachado, para depois negociar com mais força com os países desenvolvidos.

É por isso que os líderes da delegação brasileira vêm tendo reuniões com os de México, Venezuela, Equador, República Dominicana e outros. O pretexto é preparar a reunião de países com megadiversidade do presidente Fernando Henrique Cardoso com os chefes de Estado, em Johannesburgo, como parte da Rio +10.

Os brasileiros distinguem a radicalização dos Estados Unidos e da União Européia em relação à meta de energia, por exemplo. Os norte-americanos rejeitam as metas, quaisquer metas, por princípio. Eles são considerados "juridicistas", como diz o embaixador Gelson Fonseca, e por isso rejeitam metas que depois possam ser objeto de questionamento jurídico internacional.

Já a União Européia tem uma posição mais pragmática e pontual, contra cláusulas e itens específicos, como o da inclusão das hidrelétricas na meta de 10% de energia renovável.

O Reino Unido é tido como o grande aliado do Brasil. Seu vice-premiê, John Prescott, deveria ter um encontro com a cúpula da delegação brasileira à Rio +10 entre ontem e hoje, para um balanço da conferência até aqui.

O jornalista Claudio Angelo viajou a convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia

Clique aqui e ouça o relato do enviado especial, Claudio Angelo.

Leia mais no especial Rio +10
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade