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31/08/2002 - 08h09

União Européia agora atrasa negociação na Rio +10

ELIANE CANTANHÊDE
CLAUDIO ANGELO
Enviados especiais da Folha de S.Paulo a Johannesburgo

A União Européia radicalizou suas posições, ameaçando abandonar as comissões técnicas e jogar as negociações diretamente para o nível ministerial, ontem, no quinto dia da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10). A UE passou a ser considerada pelo Brasil, em alguns casos, um adversário até maior do que os Estados Unidos.

O principal ponto da discórdia é a exigência dos europeus de ampliar o princípio da precaução, que permite não aceitar produtos de outros países sem a garantia prévia de que não apresentam riscos aos consumidores. O Brasil, entre outros, teme que isso sirva de pretexto para novas barreiras não-tarifárias a produtos de países subdesenvolvidos.

O ministro Celso Lafer (Itamaraty), que chegou ontem a Johannesburgo, disse que essa posição da UE "inspira preocupação, pois pode dar margem a medidas protecionistas". Os países ricos vêm sendo criticados por criarem subsídios internos e barreiras externas, favorecendo seus próprios produtos e prejudicando os dos parceiros comerciais.

O ministro citou um exemplo concreto: ao rejeitar a carne brasileira no ano passado, o Canadá argumentou que havia a epidemia da "vaca louca" no Reino Unido e reivindicou o princípio da precaução contra o Brasil.

"Foi uma aplicação injustificada, arbitrária", disse Lafer, que ontem mesmo ouviu relatos dos diplomatas brasileiros que participam das negociações e expressou a discordância do Brasil em relação à posição européia.

Sem consenso
A discussão sobre precaução durou cerca de cinco horas e varou a madrugada, encerrando-se apenas às 3h de ontem. A UE chegou a ameaçar "um locaute", nas palavras de um diplomata, retirando-se das negociações e delegando o processo para um nível superior, dos ministros do Ambiente dos países.

A ministra da Venezuela, Ana Elisa Osorio, foi quem melhor manifestou a indignação dos países do G-77, que reúne os pobres ou em desenvolvimento, como o Brasil. Conforme a Folha apurou, ela foi dura: "Nós, ministros, não viemos para cá escrever textos!"

Segundo o embaixador brasileiro na ONU, Gelson Fonseca, os países europeus também apresentaram uma lista de 14 itens sem consenso, que, para ele, "representam praticamente toda a conferência".

Desses, a UE está radicalizando principalmente em três: além do princípio da precaução, também na questão dos subsídios agrícolas e na exigência de inclusão de grandes hidrelétricas para efeito de contabilização da meta —proposta pelo Brasil— de 10% de energia renovável em cada país.

"De certa maneira, os europeus estão sendo mais radicais do que os EUA", disse Fonseca, acrescentando que, em relação ao princípio da precaução, a posição brasileira e do próprio G-77 está mais próxima da americana, que quer incluir uma ressalva: "precaução sempre que possível".

Reunidos ontem à tarde, no plenário do Sandton Centre, os ministros do Ambiente ratificaram a posição de que não vão queimar etapas e exigiram que o grupo técnico prosseguisse com as negociações.

No entanto, o abismo entre União Européia e G-77 ficou um pouco menor depois da reunião de ontem à tarde. A UE aceitou discutir a manutenção do chamado princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas —um compromisso firmado no Rio de Janeiro em 1992.

Em troca, o bloco dos países pobres aceitou debater metas para água, saneamento e energia —a última, uma proposta brasileira que tem dividido o grupo e enfrentado fortes reações dos árabes produtores de petróleo e resistências da UE e dos EUA.

A negociação, segundo o ministro brasileiro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, "foi a primeira aproximação da União Européia com o G-77".

Metas regionais
Lafer, que ontem conversou com o vice-primeiro-ministro do Reino Unido, John Prescott, entre outros, defendeu o direito dos países de questionarem metas globais para situações em geral diferentes, particulares.

Citou como exemplo a meta de energia e a de padrão de produção e consumo, que são interligadas, porque quanto mais produzem e consomem, mais os países gastam também energia.

"Cada região tem suas potencialidades e necessidades, há realidades diferentes e talvez a meta regionalizada seja mais eficaz do que a global", disse o ministro, comparando com o próprio Brasil, onde as realidades da Amazônia e do Sul-Sudeste, por exemplo, são bastante diferentes.

"A regionalização, portanto, é um dado a ser levado em conta", disse Lafer. Ao seu lado, a ministra do Itamaraty Maria Luiza Viotti, vice-presidente do Comitê de Organização da Rio +10, tratou de explicar: "Mas não abrimos mão disso. Vamos até o fim com a meta [de energia]".

O jornalista Claudio Angelo viajou a Johannesburgo a convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia

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