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05/09/2002 - 03h58

Cúpula mundial termina em decepção

CLAUDIO ANGELO
Enviado especial da Folha de S.Paulo em Johannesburgo

O previsível aconteceu. Depois de duas semanas de negociações, conchavos, avanços e recuos, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10) terminou em Johannesburgo sem grande plano algum para salvar o planeta e com acordos tidos por ONGs como "vergonhosos".

Enquanto os chefes de Estado presentes à cúpula pediam em seus discursos metas e prazos para a implementação da Agenda 21, seus negociadores produziam um plano de ação —o documento principal da conferência— que propõe justamente o contrário: não assumir compromissos muito definidos a longo prazo.

Os Estados Unidos de George W. Bush vêm sendo apontados como os principais responsáveis pela diluição das metas da Rio +10, adotadas por 190 países, ao lado de uma Declaração de Johannesburgo. Colin Powell, secretário de Estado dos EUA, foi vaiado em plenário.

Na questão da energia, um dos principais pontos de impasse da cúpula, os EUA —maior consumidor de petróleo e derivados do planeta— se aliaram a alguns países árabes para derrotar iniciativas do Brasil e da União Européia, que queriam metas para ampliar a participação das fontes renováveis na matriz global.

O ministro Everton Vargas, da Divisão de Meio Ambiente do Itamaraty, lamentou ontem na plenária, durante o encerramento da conferência, que a meta de 10% de renováveis proposta pelo Brasil não tenha passado. "Mas isso não significa um fracasso. Vamos continuar trabalhando com regiões que já têm metas."

A maior potência mundial ainda foi acusada de tentar retroceder em compromissos assinados durante a Eco-92 (como a destinação de 0,7% do PIB para ajuda oficial ao desenvolvimento) e em princípios como o das responsabilidades comuns, mas diferenciadas —segundo o qual o ônus da proteção ambiental recai mais sobre os países ricos. Também foi acusada de tentar submeter acordos ambientais multilaterais às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Vaias e protestos O secretário de Estado americano, Colin Powell, pareceu ignorar o clima anti-EUA que se formara no Sandton Centre, onde se realizou a Rio +10, e abriu o seu discurso de ontem na plenária com críticas ao governo de Robert Mugabe, do Zimbábue. Não bastasse isso, ainda atacou governos da África subsaariana por recusar doações humanitárias de milho transgênico, "que tem sido ingerido com segurança no mundo todo desde 1995". Foi vaiado.

A segurança teve de retirar 13 pessoas da plenária, que interromperam o discurso de Powell com gritos: "Que vergonha, Bush!" Um cartaz segurado pelos manifestantes dizia: "Traídos pelos governos".

Programada inicialmente para ser uma conferência de implementação dos planos para a sustentabilidade definidos na Eco-92, a Rio +10 acabou se transformando numa cúpula de salvamento da reunião do Rio.

Em maio, na Indonésia, uma reunião preparatória que deveria ter definido o plano de ação acabou em desastre, quando os países ricos —liderados pelos EUA— quiseram rever os compromissos de 1992.

"Os impasses sinalizam não só a falta de vontade política de dar um passo adiante, como também a vontade de dar um passo atrás", disse Rubens Born, do Fórum Brasileiro de ONGs.

O fato de não ter havido retrocesso nesses princípios foi comemorado como um avanço por países como o Brasil. "Não foi o que esperávamos, mas não saímos insatisfeitos", disse a diplomata Maria Luiza Ribeiro Viotti.

O texto de Johannesburgo tem poucos compromissos concretos. Das suas cinco prioridades (água e saneamento, energia, saúde, agricultura e biodiversidade), os alvos e as datas só foram garantidos em dois: saneamento —meta de reduzir pela metade o número de pessoas sem acesso a ele até 2015— e biodiversidade, com metas para reduzir extinções e recuperar estoques de peixe.

No capítulo energia, por exemplo, fala-se genericamente em, "com senso de urgência, aumentar substancialmente a fatia mundial de energias renováveis". No de clima, em "instar os países que ainda não o fizeram a ratificar o Protocolo de Kyoto".

Também foi recebida com júbilo a decisão de Johannesburgo de determinar a criação de um regime internacional para a repartição de benefícios auferidos pelos países ricos com a exploração da biodiversidade dos países pobres.

Ressalvas
Até mesmo os avanços foram relativizados. Ontem, durante sua declaração de encerramento, o secretário-assistente de Estado dos EUA, John Turner, disse que seu país mantinha ressalvas em relação a cinco tópicos.

Entre eles estão justamente a repartição de benefícios, a ajuda oficial de 0,7% do PIB e o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Com as ressalvas, o texto do plano de ação se enfraquece ainda mais.

"Mas nós aceitamos o texto, aceitamos duramente o texto", disse Turner. Para ele, o plano de ação de Johannesburgo é uma reafirmação dos princípios da rodada ministerial da OMC em Doha (no ano passado) e da conferência de Monterrey sobre ajuda ao desenvolvimento.

"Estou muito feliz. Nós chegamos a um acordo muito significativo", disse. "Estou feliz que, nesta cúpula, tantos delegados tenham agradecido aos EUA por serem uma força positiva e criativa. A maioria dos documentos foi trabalhada com ajuda dos EUA."

A resistência americana a ratificar o Protocolo de Kyoto —segundo o qual os países industrializados devem reduzir suas emissões de gases do efeito estufa—, no entanto, mostra que a prática é outra no governo de George W. Bush, que nem ao menos compareceu à Rio +10.

O grande golpe que a cúpula deu na administração americana foi o anúncio de que Rússia, China e Canadá ratificariam o acordo, deixando Bush mais isolado em sua política ambiental.

Mesmo assim, as ONGs ambientalistas que deixaram vazio o centro de convenções de Sandton ontem acham que o planeta vai precisar esperar mais dez anos.

"A sigla WSSD [World Summit on Sustainable Development, em inglês] deveria significar 'World Summit on Shameful Deals' [Cúpula Mundial sobre Acordos Vergonhosos]", disse Jennifer Morgan, do WWF (Fundo Mundial para a Natureza).

Com agências internacionais

O jornalista Claudio Angelo viajou a Johannesburgo a convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia


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