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31/12/2002
-
09h45
da Folha de S.Paulo
Uma cientista brasileira que havia viajado aos Estados Unidos a convite de uma instituição de pesquisa americana foi detida por 12 horas no aeroporto de Nova York e mandada de volta para o Brasil no último dia 16, sob acusação de tráfico de mulheres. A suposta vítima, que também foi expulsa do país, nega a acusação.
O caso está provocando revolta na comunidade científica brasileira e pode prejudicar projetos de cooperação entre Brasil e Estados Unidos, como o LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia), que depende de viagens de pesquisadores norte-americanos ao Brasil e vice-versa.
A bióloga Vera Lúcia Reis, 49, consultora ambiental no Tocantins, havia acabado de concluir o doutorado na USP de São Carlos. Ela recebeu um convite do WHRC (Woods Hole Research Center), instituição de pesquisa no Estado de Massachusetts, para passar alguns dias nos EUA e transformar sua tese -sobre os impactos ambientais da usina hidrelétrica de Lajeado, no Tocantins- em uma série de artigos.
Ao desembarcar em Nova York, na manhã do dia 16, foi detida por agentes do INS (Serviço de Naturalização e Imigração, na sigla em inglês) e levada a interrogatório. Segundo os agentes, ela teria recebido dinheiro para levar aos EUA uma jovem de Goiânia, Halana Cristina Martins Pereira.
Em depoimento dado à Polícia Federal e lavrado em cartório, Pereira negou que conhecesse a cientista. A jovem, que havia ido aos EUA em busca de emprego, disse ter sido "tratada de maneira humilhante, com agressão verbal e psicológica", algemada e pressionada a confessar que tinha relações prévias com Reis.
"Acho que tenho um biotipo que me condena: sou mulata e tenho cabelo armado. Deviam estar procurando alguém com o meu perfil, aí me acharam."
O cônsul-geral dos EUA em Brasília, Peter Kaestner, pediu desculpas em nome do governo do país ao orientador de Reis no WHRC (e seu namorado), Foster Brown. Procurada pela Folha, a embaixada americana em Brasília afirmou que ainda está investigando o caso.
Sem telefonemas
Segundo Vera Reis, ela e Pereira tinham se conhecido no aeroporto do Rio de Janeiro, na hora do embarque, e conversavam na fila da imigração quando foram chamadas a guichês diferentes. Depois, a bióloga foi levada a uma sala e submetida a interrogatório.
"Disseram que eu estava [sendo] acusada de tráfico de mulheres e que tinham evidências suficientes para me prender. Disseram que haviam sido informados pela Polícia Federal brasileira de que eu já tinha levado duas pessoas para lá antes", afirmou.
Ela afirma ter sido tratada de forma arbitrária pelos agentes do INS, que lhe negaram telefonemas para o WHRC ou para o Brasil e se recusaram a ver a carta do instituto convidando-a para a visita. "Eles gritavam comigo e riam", disse Reis à Folha. Também teriam ameaçado mandá-la para uma prisão, no Estado da Pensilvânia, onde ficaria seis meses aguardando julgamento.
Segundo Brown, o serviço de imigração também ignorou ligações dele e da direção do instituto. "Ninguém se preocupa com o fato de ela ter sido parada e questionada. O problema é a falta de profissionalismo e o desrespeito a direitos humanos básicos", disse o pesquisador americano.
A bióloga afirma que tentou explicar que estava indo fazer pesquisa para o doutorado. Em vão. "Perguntavam como é que eu podia ser doutora sendo traficante."
Acordo
Ao final do interrogatório, segundo Reis, depois de terem sido contatados por Brown e pelo consulado brasileiro em Nova York, os agentes de imigração propuseram um acordo: ela poderia assinar uma declaração para voltar voluntariamente ao Brasil ou ser algemada, deportada e entregue à Polícia Federal.
"Depois de 12 horas de pressão eu assinei. Não me deixaram ler [o documento]. Disseram que meu visto não seria cancelado, mas ele foi", contou.
"Também mentiram quando disseram [à Polícia Federal brasileira] que a menina tinha me acusado frente a frente. Pedi para ser posta frente a frente com ela e eles negaram", disse a bióloga. De volta ao Brasil, Reis apresentou queixa à PF e ao departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Reciprocidade
O coordenador do LBA, Carlos Nobre, que conhece Reis e Brown, se disse ofendido com o caso. "Como membro da comunidade científica, me senti atacado. Há o problema da reciprocidade: o Brasil já concedeu mais de 200 vistos para americanos fazerem pesquisa de campo aqui."
Em carta ao cônsul-geral dos EUA, Nobre se disse preocupado com o fato de o incidente poder representar "uma tendência mais geral, ainda que recente", nos Estados Unidos. "Eu estou realmente preocupado com o futuro da nossa cooperação científica bilateral se essa tendência permanecer sem correção."
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Pesquisadora brasileira é expulsa dos EUA
CLAUDIO ANGELOda Folha de S.Paulo
Uma cientista brasileira que havia viajado aos Estados Unidos a convite de uma instituição de pesquisa americana foi detida por 12 horas no aeroporto de Nova York e mandada de volta para o Brasil no último dia 16, sob acusação de tráfico de mulheres. A suposta vítima, que também foi expulsa do país, nega a acusação.
O caso está provocando revolta na comunidade científica brasileira e pode prejudicar projetos de cooperação entre Brasil e Estados Unidos, como o LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia), que depende de viagens de pesquisadores norte-americanos ao Brasil e vice-versa.
A bióloga Vera Lúcia Reis, 49, consultora ambiental no Tocantins, havia acabado de concluir o doutorado na USP de São Carlos. Ela recebeu um convite do WHRC (Woods Hole Research Center), instituição de pesquisa no Estado de Massachusetts, para passar alguns dias nos EUA e transformar sua tese -sobre os impactos ambientais da usina hidrelétrica de Lajeado, no Tocantins- em uma série de artigos.
Ao desembarcar em Nova York, na manhã do dia 16, foi detida por agentes do INS (Serviço de Naturalização e Imigração, na sigla em inglês) e levada a interrogatório. Segundo os agentes, ela teria recebido dinheiro para levar aos EUA uma jovem de Goiânia, Halana Cristina Martins Pereira.
Em depoimento dado à Polícia Federal e lavrado em cartório, Pereira negou que conhecesse a cientista. A jovem, que havia ido aos EUA em busca de emprego, disse ter sido "tratada de maneira humilhante, com agressão verbal e psicológica", algemada e pressionada a confessar que tinha relações prévias com Reis.
"Acho que tenho um biotipo que me condena: sou mulata e tenho cabelo armado. Deviam estar procurando alguém com o meu perfil, aí me acharam."
O cônsul-geral dos EUA em Brasília, Peter Kaestner, pediu desculpas em nome do governo do país ao orientador de Reis no WHRC (e seu namorado), Foster Brown. Procurada pela Folha, a embaixada americana em Brasília afirmou que ainda está investigando o caso.
Sem telefonemas
Segundo Vera Reis, ela e Pereira tinham se conhecido no aeroporto do Rio de Janeiro, na hora do embarque, e conversavam na fila da imigração quando foram chamadas a guichês diferentes. Depois, a bióloga foi levada a uma sala e submetida a interrogatório.
"Disseram que eu estava [sendo] acusada de tráfico de mulheres e que tinham evidências suficientes para me prender. Disseram que haviam sido informados pela Polícia Federal brasileira de que eu já tinha levado duas pessoas para lá antes", afirmou.
Ela afirma ter sido tratada de forma arbitrária pelos agentes do INS, que lhe negaram telefonemas para o WHRC ou para o Brasil e se recusaram a ver a carta do instituto convidando-a para a visita. "Eles gritavam comigo e riam", disse Reis à Folha. Também teriam ameaçado mandá-la para uma prisão, no Estado da Pensilvânia, onde ficaria seis meses aguardando julgamento.
Segundo Brown, o serviço de imigração também ignorou ligações dele e da direção do instituto. "Ninguém se preocupa com o fato de ela ter sido parada e questionada. O problema é a falta de profissionalismo e o desrespeito a direitos humanos básicos", disse o pesquisador americano.
A bióloga afirma que tentou explicar que estava indo fazer pesquisa para o doutorado. Em vão. "Perguntavam como é que eu podia ser doutora sendo traficante."
Acordo
Ao final do interrogatório, segundo Reis, depois de terem sido contatados por Brown e pelo consulado brasileiro em Nova York, os agentes de imigração propuseram um acordo: ela poderia assinar uma declaração para voltar voluntariamente ao Brasil ou ser algemada, deportada e entregue à Polícia Federal.
"Depois de 12 horas de pressão eu assinei. Não me deixaram ler [o documento]. Disseram que meu visto não seria cancelado, mas ele foi", contou.
"Também mentiram quando disseram [à Polícia Federal brasileira] que a menina tinha me acusado frente a frente. Pedi para ser posta frente a frente com ela e eles negaram", disse a bióloga. De volta ao Brasil, Reis apresentou queixa à PF e ao departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Reciprocidade
O coordenador do LBA, Carlos Nobre, que conhece Reis e Brown, se disse ofendido com o caso. "Como membro da comunidade científica, me senti atacado. Há o problema da reciprocidade: o Brasil já concedeu mais de 200 vistos para americanos fazerem pesquisa de campo aqui."
Em carta ao cônsul-geral dos EUA, Nobre se disse preocupado com o fato de o incidente poder representar "uma tendência mais geral, ainda que recente", nos Estados Unidos. "Eu estou realmente preocupado com o futuro da nossa cooperação científica bilateral se essa tendência permanecer sem correção."
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