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06/06/2003 - 10h37

Técnica imita a vida para criar "nanocaixa"

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Projetar embalagens para CDs e fitas cassete é uma tarefa complexa (a julgar pelos resultados), mas construir cápsulas para uma dúzia de átomos é muito pior. Após anos de soluções problemáticas, um grupo de pesquisadores japoneses decidiu seguir 3 bilhões de anos de experiência da natureza e usar proteínas, obtendo os melhores resultados já vistos no encapsulamento de nanopartículas.

Esse procedimento pode parecer inútil à primeira vista, mas, segundo os cientistas, é muito importante: com o encapsulamento, é possível evitar que as nanopartículas soltas se aglomerem, perdendo justamente as propriedades que as tornam especiais, em razão do seu tamanho.

A nanotecnologia envolve manipulação e uso de processos e sistemas na escala nanométrica (medida em milionésimos de milímetro). É nessas dimensões que os átomos e as moléculas costumam interagir.

No experimento, os pesquisadores se apropriaram de proteínas fabricadas por dois microrganismos, a famosa Escherichia coli (um dos organismos-modelo dos biólogos) e a bactéria Thermus thermophilus.

As proteínas usadas, chamadas chaperoninas, têm diversas funções em células vivas, como ajudar na montagem (enovelamento) de outras proteínas e organizar a formação dos microtúbulos (estruturas que servem como rodovias dentro da célula para o transporte de nutrientes e lixo). Seu nome vem de "chaperone", que em inglês significa algo como "acompanhante" --uma maneira de assinalar sua condição de auxiliar de outras proteínas.

Eficiência de 75%

No experimento japonês, sua função foi bem simples: a de um caixote. A equipe de Takuzo Aida, da Universidade de Tóquio, conseguiu uma taxa de encapsulamento de partículas de CdS (sulfeto de cádmio) nas chaperoninas de até 75%. Cada bolinha de CdS tinha diâmetro de 2 a 4 nanômetros (milionésimos de milímetro).

"Hoje em dia, com os métodos usuais, se você conseguir um rendimento de 50%, pode considerar muito bom", diz Edson Leite, pesquisador que trabalha com nanoparticulados na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

Essas técnicas tradicionais de encapsulamento envolvem o uso de polímeros (moléculas feitas a partir de uma longa cadeia repetitiva contendo carbono) ou a manipulação das nanopartículas a partir de cargas elétricas, mas não imitam nada da biologia.

Já os resultados com proteínas fabricadas por organismos foram excelentes. O grupo de Aida não só conseguiu capturar as partículas de CdS como também promoveu sua liberação de forma controlada, dando às chaperoninas uma dose de ATP (molécula que atua como a "moeda" energética no interior da célula).

"É um excelente exemplo de biomimética, ou seja, copiar o que acontece num organismo vivo com a finalidade de estender a funcionalidade de componentes feitos pelo homem", diz Hércules Neves, pesquisador brasileiro que atualmente trabalha na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). "Essas são ferramentas que, ao serem dominadas, nos abrirão uma série de novas possibilidades. Só o tempo dirá o que é possível fazer com elas."

"É o encontro da nanotecnologia com a biotecnologia", afirma Leite. "Estamos numa área muito interdisciplinar, e essa nova pesquisa abre um filão."

Uso milenar

Embora as aplicações dessa nova área da ciência e da tecnologia estejam emergindo só nos últimos anos, o uso de nanopartículas é milenar, diz Neves. "O "negro-de-fumo", em inglês "carbon black", vem sendo usado há milhares de anos como pigmento."

"Entretanto, em grande parte das aplicações é importante fazer com que as nanopartículas não se aglutinem, pois isso faria com que perdessem algumas de suas propriedades", argumenta Neves.

O trabalho de Aida e seus colegas oferece justamente uma forma de evitar a aglutinação, além de criar uma interface compatível com aplicações da nanotecnologia não só em engenharia de materiais como em células vivas.

Versatilidade

Os nanoparticulados são mesmo versáteis, afirma Neves. "Aplicações recentes vão desde a produção de filtros solares na indústria de cosméticos até o tratamento de câncer", diz. "Mais precisamente, no combate ao câncer, uma das técnicas que têm se destacado é a hipertemia assistida por nanopartículas."

Esse método envolve a injeção de um conjunto de nanopartículas que é absorvido seletivamente pelos tecidos cancerosos. Ao aplicar um campo eletromagnético externo ao paciente, essas partículas se aquecem --ficam tipicamente entre 41ºC e 46ºC-- e reforçam o efeito de tratamentos por radioterapia e quimioterapia. "Com isso, o tratamento é mais localizado e possibilita redução nas doses de radiação", diz Neves.

No estudo japonês, publicado na última edição da revista "Nature" (www.nature.com), o material particulado foi o CdS, mas, segundo Neves, "ele é aplicável a outros tipos de nanopartícula".
 

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