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22/06/2003
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02h39
Editor de Ciência da Folha de S.Paulo
O rosto grafitado nesta página pertence ao camaleão Bill Joy, talvez o mais famoso dos "digeratti" (algo como "literatos digitais"). Aparece estampado numa série de anúncios publicados em revistas norte-americanas, na qual figuram ainda outras sete personalidades tidas como inovadoras, entre elas a cantora K.D. Lang e o arquiteto Daniel Libeskind. O de Joy é o único que surge coberto de signos, segundo reportagem do jornal "The New York Times".
Decerto não foi só por ter inventado a linguagem de programação de computadores Java, nem só por ser o pesquisador-chefe da empresa Sun Microsystems, que Joy despontou entre os eleitos. Não seria muito arriscado dizer que isso deve ter algo a ver com sua face mais famosa, a do arauto de um apocalipse nanodigital que lançou a profecia da meleca cinza ("gray goo") num falado artigo de abril de 2000 para a revista "Wired" (www.wired.com/wired/archive/8.04/joy_pr.html), "Por que o Futuro Não Precisa de Nós".
Apesar de militar profissionalmente no campo da alta tecnologia, Joy declara-se alarmado com seus efeitos não-pretendidos. Tira seu sono, por exemplo, a perspectiva de nanotecnólogos criarem robôs minúsculos, na escala do milionésimo de milímetro, para realizar trabalhos moleculares, como o "reparo" de tecidos humanos com defeito. Se esses nanorrobôs forem capazes de se reproduzir por conta própria, e calhar de escaparem ao controle humano, raciocina Joy, cobririam em pouco tempo a superfície da Terra com uma pasta cinza de artefatos invisíveis para o olho humano.
Note que a palavra "goo" está bem destacada na pintura facial, ainda que não tanto quanto "Java" ou (Carl?) "Sagan". Logo à esquerda aparece a sigla "GNR", que no idioma particular de Joy significa "genética, nanotecnologia, robótica", a tríade do apocalipse possível. Para o infoprofeta, as três tecnologias preocupam porque, de um lado, envolvem a propriedade perturbadora da auto-replicação e, de outro, não se encontram sob controle governamental -diferentemente da tríade maléfica anterior, nuclear, biológica e química ("NBC", em inglês).
À esquerda de "GNR", quase invisível, está "KMD" ("knowledge-enabled mass destruction", ou destruição em massa com base no conhecimento). Para alguém que vive dele, uma frase e tanto.
Pelo que disse Joy ao "Times", a idéia dos grafites autobiográficos e sua execução foram da fotógrafa Peggy Sirota, não suas. Emprestou-lhes a cara, porém, e o fato de que enfeitem uma peça publicitária do carro de luxo A8 pode ser lido, nas entrelinhas, como um efeito não-pretendido de auto-ironia.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
Graças e desgraças de Bill Joy
MARCELO LEITEEditor de Ciência da Folha de S.Paulo
O rosto grafitado nesta página pertence ao camaleão Bill Joy, talvez o mais famoso dos "digeratti" (algo como "literatos digitais"). Aparece estampado numa série de anúncios publicados em revistas norte-americanas, na qual figuram ainda outras sete personalidades tidas como inovadoras, entre elas a cantora K.D. Lang e o arquiteto Daniel Libeskind. O de Joy é o único que surge coberto de signos, segundo reportagem do jornal "The New York Times".
Decerto não foi só por ter inventado a linguagem de programação de computadores Java, nem só por ser o pesquisador-chefe da empresa Sun Microsystems, que Joy despontou entre os eleitos. Não seria muito arriscado dizer que isso deve ter algo a ver com sua face mais famosa, a do arauto de um apocalipse nanodigital que lançou a profecia da meleca cinza ("gray goo") num falado artigo de abril de 2000 para a revista "Wired" (www.wired.com/wired/archive/8.04/joy_pr.html), "Por que o Futuro Não Precisa de Nós".
Apesar de militar profissionalmente no campo da alta tecnologia, Joy declara-se alarmado com seus efeitos não-pretendidos. Tira seu sono, por exemplo, a perspectiva de nanotecnólogos criarem robôs minúsculos, na escala do milionésimo de milímetro, para realizar trabalhos moleculares, como o "reparo" de tecidos humanos com defeito. Se esses nanorrobôs forem capazes de se reproduzir por conta própria, e calhar de escaparem ao controle humano, raciocina Joy, cobririam em pouco tempo a superfície da Terra com uma pasta cinza de artefatos invisíveis para o olho humano.
Note que a palavra "goo" está bem destacada na pintura facial, ainda que não tanto quanto "Java" ou (Carl?) "Sagan". Logo à esquerda aparece a sigla "GNR", que no idioma particular de Joy significa "genética, nanotecnologia, robótica", a tríade do apocalipse possível. Para o infoprofeta, as três tecnologias preocupam porque, de um lado, envolvem a propriedade perturbadora da auto-replicação e, de outro, não se encontram sob controle governamental -diferentemente da tríade maléfica anterior, nuclear, biológica e química ("NBC", em inglês).
À esquerda de "GNR", quase invisível, está "KMD" ("knowledge-enabled mass destruction", ou destruição em massa com base no conhecimento). Para alguém que vive dele, uma frase e tanto.
Pelo que disse Joy ao "Times", a idéia dos grafites autobiográficos e sua execução foram da fotógrafa Peggy Sirota, não suas. Emprestou-lhes a cara, porém, e o fato de que enfeitem uma peça publicitária do carro de luxo A8 pode ser lido, nas entrelinhas, como um efeito não-pretendido de auto-ironia.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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