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24/08/2003
-
00h58
da Folha de S. Paulo
O VLS é apenas um entre vários megaprojetos tecnológicos das Forças Armadas que sobrevivem precariamente com verbas limitadas. Outro bom exemplo é o submarino nuclear em lentíssimo desenvolvimento pela Marinha.
São heranças do regime militar (1964 a 1985) que foram sendo empurradas com a barriga pelos governos posteriores que não tiveram condições políticas de cancelá-las, com exceção da mais perigosa, o sonho de alguns militares de fazer a bomba atômica.
A história mais bem-sucedida foi a da construção aeronáutica. Ela surgiu por iniciativa da FAB, mas a estatal Embraer quase faliu. Privatizada, hoje é um sucesso mundial de vendas.
Sem verbas para comprar os novos veículos blindados que a empresa privada Engesa construía, como o moderníssimo carro de combate (tanque) Osório, o Exército não teve como continuar apoiando a indústria, e essa empresa faliu.
A construção naval também sofre. Uma corveta e um submarino ainda estão em lenta construção hoje, quando outros navios semelhantes foram construídos antes em bem menos tempo.
Volta e meia as forças armadas liberam recrutas parte do dia por falta do que acompanhar o arroz com feijão. E ao mesmo tempo elas tentam acompanhar o frenético ritmo de desenvolvimento da tecnologia bélica.
Como resultado da falta de verba, não conseguem nem alimentar os recrutas, nem desenvolver a tecnologia até o ponto de torná-la operacional.
Uma das fontes do problema é a excessiva autonomia das três forças, concordam os analistas.
Durante um recente encontro no Rio em que militares da FAB e da Marinha discutiam as operações ligadas à Guerra da Lagosta, o conflito pesqueiro com a França em 1963, concluiu-se que aviadores e marinheiros fizeram suas patrulhas sem a menor coordenação entre si.
As três Forças Armadas são historicamente "estanques", foi a conclusão dos presentes. Essa independência continua até hoje, apesar da criação de um Ministério da Defesa que deveria contribuir para integrá-las.
Isso significou que Exército, Marinha e Força Aérea iniciaram seus principais projetos ignorando as prioridades das outras forças. Durante a fase inicial, ainda no regime militar, a verba permitiu a criação de equipes e o início dos projetos.
Mas, quando os investimentos teriam de ser aumentados para os projetos deslancharem, eles secaram. Simplesmente não houve verba para tudo, e nenhuma força queria desistir dos seus.
Os vôos dos VLS deveriam ter acontecido na primeira metade da década de 90; o primeiro satélite brasileiro, que ele deveria ter lançado, foi ao espaço em 1993 em um veículo americano. O primeiro vôo, fracassado, acabou sendo apenas em 1997.
Previa-se que na primeira década do século 21 um submarino nuclear estaria sendo incorporado à esquadra. Faz anos que não se fala mais em datas como 2010 ou 2015. No ritmo atual e com as verbas de hoje, o submarino é coisa para 2030, se tanto.
Megaprojetos tecnológicos criam uma dinâmica própria e se tornam difíceis de serem cancelados, mesmo revelando problemas graves, e não só no Brasil.
Um dos melhores exemplos foi o desenvolvimento em Israel de um moderno caça supersônico, o Lavi. Era um avião tecnicamente magnífico, mas caro demais. Contrariando o desejo da Força Aérea, o governo israelense cancelou o projeto e optou por comprar mais caças F-16 dos EUA.
Mesmo nos EUA o Departamento de Defesa precisa decidir sobre o cancelamento de projetos e contrariar as Forças Armadas. Foi o caso, recente, do canhão autopropulsado Crusader, que o Exército queria com paixão.
Um dia, um ministro da Defesa brasileiro vai ter de decidir se cancela ou concede verbas. Ou se continua empurrando com a barriga projetos eternos.
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Projetos herdados do regime militar recebem verbas insuficientes
RICARDO BONALUME NETOda Folha de S. Paulo
O VLS é apenas um entre vários megaprojetos tecnológicos das Forças Armadas que sobrevivem precariamente com verbas limitadas. Outro bom exemplo é o submarino nuclear em lentíssimo desenvolvimento pela Marinha.
São heranças do regime militar (1964 a 1985) que foram sendo empurradas com a barriga pelos governos posteriores que não tiveram condições políticas de cancelá-las, com exceção da mais perigosa, o sonho de alguns militares de fazer a bomba atômica.
A história mais bem-sucedida foi a da construção aeronáutica. Ela surgiu por iniciativa da FAB, mas a estatal Embraer quase faliu. Privatizada, hoje é um sucesso mundial de vendas.
Sem verbas para comprar os novos veículos blindados que a empresa privada Engesa construía, como o moderníssimo carro de combate (tanque) Osório, o Exército não teve como continuar apoiando a indústria, e essa empresa faliu.
A construção naval também sofre. Uma corveta e um submarino ainda estão em lenta construção hoje, quando outros navios semelhantes foram construídos antes em bem menos tempo.
Volta e meia as forças armadas liberam recrutas parte do dia por falta do que acompanhar o arroz com feijão. E ao mesmo tempo elas tentam acompanhar o frenético ritmo de desenvolvimento da tecnologia bélica.
Como resultado da falta de verba, não conseguem nem alimentar os recrutas, nem desenvolver a tecnologia até o ponto de torná-la operacional.
Uma das fontes do problema é a excessiva autonomia das três forças, concordam os analistas.
Durante um recente encontro no Rio em que militares da FAB e da Marinha discutiam as operações ligadas à Guerra da Lagosta, o conflito pesqueiro com a França em 1963, concluiu-se que aviadores e marinheiros fizeram suas patrulhas sem a menor coordenação entre si.
As três Forças Armadas são historicamente "estanques", foi a conclusão dos presentes. Essa independência continua até hoje, apesar da criação de um Ministério da Defesa que deveria contribuir para integrá-las.
Isso significou que Exército, Marinha e Força Aérea iniciaram seus principais projetos ignorando as prioridades das outras forças. Durante a fase inicial, ainda no regime militar, a verba permitiu a criação de equipes e o início dos projetos.
Mas, quando os investimentos teriam de ser aumentados para os projetos deslancharem, eles secaram. Simplesmente não houve verba para tudo, e nenhuma força queria desistir dos seus.
Os vôos dos VLS deveriam ter acontecido na primeira metade da década de 90; o primeiro satélite brasileiro, que ele deveria ter lançado, foi ao espaço em 1993 em um veículo americano. O primeiro vôo, fracassado, acabou sendo apenas em 1997.
Previa-se que na primeira década do século 21 um submarino nuclear estaria sendo incorporado à esquadra. Faz anos que não se fala mais em datas como 2010 ou 2015. No ritmo atual e com as verbas de hoje, o submarino é coisa para 2030, se tanto.
Megaprojetos tecnológicos criam uma dinâmica própria e se tornam difíceis de serem cancelados, mesmo revelando problemas graves, e não só no Brasil.
Um dos melhores exemplos foi o desenvolvimento em Israel de um moderno caça supersônico, o Lavi. Era um avião tecnicamente magnífico, mas caro demais. Contrariando o desejo da Força Aérea, o governo israelense cancelou o projeto e optou por comprar mais caças F-16 dos EUA.
Mesmo nos EUA o Departamento de Defesa precisa decidir sobre o cancelamento de projetos e contrariar as Forças Armadas. Foi o caso, recente, do canhão autopropulsado Crusader, que o Exército queria com paixão.
Um dia, um ministro da Defesa brasileiro vai ter de decidir se cancela ou concede verbas. Ou se continua empurrando com a barriga projetos eternos.
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