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de Voto
Governadores do Acre e Amazonas negociaram pagamento
a políticos
13/05/97
Editoria: BRASIL
Página: 1-7
da Sucursal de Brasília
As conversas do deputado Ronivon Santiago sobre a votação da emenda
da reeleição foram captadas ao longo de vários meses, em diversas
oportunidades. Essas conversas ocorreram todas depois da votação
do primeiro turno da emenda, em 28 de janeiro passado. Segundo as
gravações em posse da Folha, os governadores do Acre, Orleir
Cameli (sem partido), e do Amazonas, Amazonino Mendes (PFL), foram
os responsáveis pela compra dos votos de cinco deputados acreanos.
Para não despertar suspeitas, a pessoa que fez as gravações falou
sobre assuntos variados. São conversas pessoais, que se arrastam
às vezes por cerca de uma hora a respeito de assuntos sem interesse
público. Partes das gravações foram condensadas ou suprimidas. Isso
foi feito porque a divulgação completa dos diálogos poderia permitir
a identificação do interlocutor de Ronivon. A Folha vai preservar
o nome do interlocutor de Ronivon. Ele está identificado como ''Senhor
X''.
A reportagem teve acesso às fitas originais das conversas. As datas
e as circunstâncias em que se deram esses diálogos não serão reveladas
também para preservar a identidade da pessoa que se dispôs a fazer
as gravações.
A seguir, a Folha selecionou os trechos mais relevantes.
A ordem das declarações é cronológica. Como as conversas ocorreram
em dias diferentes, os assuntos muitas vezes se repetem:
(FERNANDO RODRIGUES)
O negócio
Neste trecho, Ronivon é indagado sobre um suposto pagamento que
o governador do Acre, Orleir Cameli, teria de fazer aos deputados
federais do Estado -com alguma ligação a aprovação de projetos no
Orçamento federal.
O deputado muda de assunto e diz que recebeu apenas R$ 100 mil ''agora
para a votação''. No final deste trecho, é possível identificar
que ''a votação'' era a da emenda da reeleição. Ronivon também explica
que recebeu R$ 100 mil em dinheiro. E mais R$ 100 mil lhe seriam
pagos por intermédio de uma empreiteira, a CM. Essa empresa teria
executado uma obra para o governo do Acre e lhe repassaria R$ 100
mil quando recebesse o pagamento do governador Orleir Cameli:
Senhor X - Ele (Orleir Cameli) não pagou nada daqueles do
Orçamento de 94, de 95?
Ronivon - Não. Ele me deu R$ 100 mil... R$ 100 mil agora
para a votação. Deu em cheque e em dinheiro. Me deu um cheque. Aí,
depois, me deu dinheiro. Eu devolvi o cheque. Me deu R$ 100 mil,
em dinheiro.
Senhor X - Para a votação?
Ronivon - É. Mas, dentro daquele negócio. Aí, eu fui e acertei
com ele. Eu digo, olha, faz o seguinte: aí tem uma nota para mim,
quando eu receber de 400 e poucos mil de um (trabalho) que a firma
fez, que é para poder me reter o meu dinheiro. Mas está lá para
pagar e até hoje não pagou esse dinheiro. E esse dinheiro que dá
para pagar todos esses pagamentos. Estou aguardando.
Senhor X - Mas, me diga uma coisa. Ele não deu 200 mil para
cada um?
Ronivon - Mas eu peguei só 100.
Senhor X - E quem foi que pegou?
Ronivon - Não, todo mundo pegou 200.
Senhor X - Todo mundo pegou 200... pela votação?
Ronivon - E eu peguei 100. Mas eu tinha um assunto meu. Que
ele ia me pagar isso aqui. Aí ficou pra CM. Aí, eu, né...? Ficou
pra CM, porque a empresa que está lá, pra faturar essa nota, que
é para poder me pagar tudo. Aí, ficou dentro os meus outros 100.
Tô pra receber, ele vai me pagar...
Senhor X - Orleir chegou a dizer a algumas pessoas lá no
Acre que os votos tinham sido pagos...
Ronivon - 200 paus.
Senhor X - 200 paus para cada um?
Ronivon - É.
Senhor X - E você, tirou 200?
Ronivon - Só um. Mas eu tenho... vou receber. Está negociado.
Senhor X - O João Maia também recebeu os 200?
Ronivon - Recebeu.
Senhor X - Os 200?
Ronivon - Todo mundo... Osmir, Zila...
Senhor X - Então quer dizer que, nesse caso, na reeleição,
tudo o que se votou, isso? Hein? O Inocêncio não lhe arrumou nada
de dinheiro, não?
Ronivon - Não. Inocêncio, não.
O cheque sustado
Neste trecho, o deputado explica que a primeira tentativa do governador
Orleir Cameli teria sido pagar em cheque. Depois, houve a troca
por dinheiro. O dinheiro só foi entregue na medida em que os deputados
se apresentavam e rasgavam o cheque recebido anteriormente:
Senhor X - E aquele cheque? Foi pago?
Ronivon - Foi. Só que veio em dinheiro.
Senhor X - O cheque não foi descontado, não?
Ronivon - Não. Rasgou.
Senhor X - Você rasgou?
Ronivon - Rasguei. Não só o meu, como o do Osmir, da Zila,
de todo mundo.
Senhor X - Eu pensava que naquele episódio da reeleição você
tinha arrumado mais...
Ronivon - Não. O que tem de mais aí ficou acertado. Ele ligou
na minha frente para fazer a nota de 400 e poucos paus. Está lá,
está feito. Está autorizado lá, está tudo prontinho lá. Saiu, aí
eu pego. É meu. Então, eu não briguei por uns 100 real porque estou
vendo que está embutido. A hora que sair a firma me dá, sem problema
nenhum.
Senhor X - Quer dizer que o acerto eram 200?
Ronivon - 200 para todo mundo.
Senhor X - E por que que ele desconfiou daquele cheque que
eles deram...?
Ronivon - Não, porque ali foi uma jogada. O Amazonino: ''Você
é tão infantil, rapaz? Vai dar esse cheque para esse pessoal? Pega
um dinheiro e leva''. Aí, ele pegou todo mundo e deu a todo mundo
em dinheiro. Eu e com o Orleir, nós fizemos um acerto lá que...
Senhor X - Mas esse cheque não foi dado na véspera da votação?
Ronivon - Mas no outro dia ele deu em dinheiro.
Senhor X - Deu em dinheiro?
Ronivon - De manhã, antes da votação aqui à tarde.
Senhor X - Arrumaram esse dinheiro como, hein?
Ronivon - Sei não. Aí você me enrolou (risos).
As dívidas (1)
Aqui o deputado fala um pouco das suas dívidas bancárias. O assunto
é recorrente nas conversas.
Neste trecho, são citados o Banco do Brasil e o Banacre:
Senhor X - Mas, Rôni, aquele episódio da reeleição... Você,
de qualquer maneira, diminuiu um pouco o seu sufoco, não diminuiu?
Pagou os seus negócios de banco, já?
Ronivon - No Banco do Brasil. Todinho, total, não devo nada.
Tenho só R$ 10 mil para o dia 10.
Senhor X - E lá no Banacre? Acertou?
Ronivon - No Banacre eu tenho lá, mandei resumir, dá tudinho
dá 132. Eu recebi essa nota, entra, já tá autorizado para descontar.
Eu negociei através da nota.
O acerto da empreiteira
Aqui, neste trecho, fica mais evidente que parte do pagamento do
voto da reeleição seria por meio de uma empreiteira, a CM:
Senhor X - Mas quer dizer que essa nota faz parte...
Ronivon - Faz parte do acerto da CM.
Senhor X - Da CM e dos 100 que faltou lá do acerto lá da
reeleição, é?
Ronivon - É. Eu vou até esperar para receber...
Senhor X - Na semana anterior da votação, já tinha ficado
acertado que ia ser R$ 200 mil para cada um?
Ronivon - Levei R$ 100 mil só dele. Só isso. Entregou aqui
de manhã. Pro cheque, por aquele cheque.
Senhor X - Quer dizer que os outros R$ 100 mil...
Ronivon - Tá dentro do que eu vou receber ainda.
Senhor X - Os R$ 100 mil do voto?
Ronivon - Na semana que vem. Vem dentro do outro, dos 400
e poucos. É só entrar lá, aí desconta tudo, vou descontar meu negócio
do Banacre.
Os interlocutores
Ronivon explica agora que houve muita confusão na negociação dos
votos. Os governadores do Acre, Orleir Cameli, e do Amazonas, Amazonino
Mendes, tiveram participação ativa na montagem da operação, segundo
o deputado:
Senhor X - Esse foi um assunto (reeleição) que foi tratado
direto com o Orleir?
Ronivon - O caso é o seguinte. Deixa eu te contar. Houve
um rolo do caralho. O Amazonino tinha uma jogada aí, pro lado do
governo. Finalmente, apareceu o Amazonino. Você está me entendendo?
Amazonino, você sabe que é assim, né? Eu, muito vivo, eu fui na
hora da reunião -estava o Osmir, estava a Zila, estava todo mundo-
eu disse, olha: Amazonino, eu não sabia que era com você a reunião,
pra mim era com o pessoal do governo. Mas, já que é você que vai
acertar, eu não tenho acerto nenhum com você. Eu tenho com o Orleir
Cameli, porque sou fiel a ele até o final. E aqui, o resto da conversa
com o Orleir eu fiquei de fora. E fui embora. Ficou Zila lá... Ele
chegou... Aí foi um rolo doido: Zila, Osmir... e eu lá fora.
Senhor X - Agora, aquele cheque...
Ronivon - Para todo mundo.
Senhor X - Se vocês não tivessem trocado o cheque por dinheiro,
estariam sem receber até hoje?
Ronivon - Estava. Ah, estava. Tranquilo. Não, mas eu acho
que não. O Osmir disse que recebeu. Ele disse que pegou o dele.
Senhor X - E o dele foi quanto?
Ronivon - 200. O meu também foi 200.
Senhor X - E João Maia?
Ronivon - 200. Todo mundo foi 200. Só que eu só peguei 100
porque eu tenho um negócio aí. Eu falei pra ele: eu tenho lá para
receber que ele vai me fazer (...) para ele passar com os 100 lá
dentro.
Dinheiro de Amazonino
Segundo Ronivon, o dinheiro da compra de seu voto teria sido providenciado
pelo governador Amazonino Mendes. Aqui, o seu relato:
Ronivon - Mas aí, deixa eu te contar. Quem deu o dinheiro
para ele (Orleir Cameli) lá foi o Amazonino. Ele não trouxe nem
dinheiro. O problema é o seguinte: o Amazonino marcou dinheiro para
dar 200 para mim, 200 pro João Maia, 200 pra Zila e 200 pro Osmir.
Você está me entendendo? Então ele foi e passou pro Almir, tsk,
pro Orleir. Só que ele foi... Mas no dia anterior ele parece que
precisou dar 100, parece que foi pro Chicão, e só deu 100 pra mim.
Senhor X - Ah, Chicão também pegou? Ronivon - Peeegouuu!
Eu não sei de nada. Pelo amor de Deus. Não sei se foi 200. Eu sei
que parece que ele prometeu lá... Eu sei que ele tinha de dar 200
pra Zila, 200 por Osmir, 200 pro João Maia e 200 pra não sei quem,
e, no finalmente, ele só me deu 100 porque ele teve de deixar 100...
Cheques rasgados
Neste trecho é relatado o episódio em que os cheques de R$ 200 mil
foram devolvidos rasgados em troca de dinheiro vivo:
Senhor X - Mas naquela altura vocês já estavam com o cheque...
E o cheque era de quem?
Ronivon - Do Eládio (Cameli, irmão de Orleir). Da firma do
Eládio lá no Banco do Amazonas.
Senhor X - Mas, quer dizer que
o cheque foi cancelado?
Ronivon - Rasgou.
Senhor X - Rasgaram?
Ronivon - Na hora. Aí, eu sei
que eu soube depois, já a posteriori, porque ele não me deu, porque
eu cheguei por último. Então, ele foi deu... ele tinha acertado
um negócio com o Chicão, parece...
Senhor X - Quer dizer que o
Orleir quando veio naquele dia, ele não trouxe o dinheiro?
Ronivon - Ele não tinha, não.
Zerado. Não. Ele ligou e mandou chamar o Eládio: ''Você vem aqui
que eu quero acertar uns negócios aqui (...). Você sabe que eu não
posso tirar dinheiro. Não posso fazer isso. Você sabe que lá no
Acre é difícil. Vou mandar meu irmão, é pessoal. Vocês vão depositar
os cheques de 200 paus e vão retirar. Ou, então, vou mandar o Eládio
trocar no dia tal''.
Senhor X- E o Eládio veio com
o cheque?
Ronivon - Veio. Aí o Eládio
veio com o cheque e voltou.
Senhor X - O Eládio veio de
Manaus para cá só para entregar o cheque?
Ronivon - Foi.
Senhor X - Aí, saiu cada um com seu cheque na mão?
Ronivon - Cada um com seu cheque
na mão.
Senhor X - Aí, quando foi à
noite, disseram: ''O cheque não presta''?
Ronivon - É... Aí, de manhã
cedo ele ligou pra todo mundo e mandou ir lá. Eu fui o único que
não cheguei. E ele já tinha conversado com Chicão às 7h30. Mas aí
chegou o Osmir, tava lá com a sacola assim... (risos) João Maia
com a outra. Aí o Orleir: ''Êpa, melhorou esse negócio!'' Aí, ele
me chamou lá dentro. ''Não, não. Tu leva só esses 100 aqui porque
depois eu te dou os 100 dentro daquele acerto que tu tem. Aí eu
pago tudo dentro daquele pra você tem por lá. Aí, tô aí. O meu foi
assim.
As dívidas (2)
De novo, Ronivon fala a respeito de suas dívidas bancárias. Aqui,
entra em alguns detalhes. Relata que liquidou dívidas no valor total
de R$ 196 mil. É importante notar que esse valor citado pelo deputado
(''196 pau'') não se refere apenas ao Banco do Brasil.
A pergunta do interlocutor inclui o Banco do Brasil, mas Ronivon
faz um corte abrupto -isso é perceptível na fita de áudio- para
dizer que pagou todas as suas contas:
Senhor X - E João Maia? Pagou também todas as contas?
Ronivon - Não sei. Aí, eu não
sei. Eu só fiquei a Caixa um pouquinho.. Ah, eu tô no BRB também,
mas é pouquinho.
Senhor X - Mas você pagou, você pagou, o Banco do Brasil...
Ronivon - Numa porrada só.
Senhor X - Logo? Na mesma hora?
Ronivon - Não... Na semana passada...
Na semana passada (risos). Sou leso? Não, isso foi tudo na semana
passada... Deixei assentar a poeira. Fui lá e negociei. Paguei 196
paus.
Senhor X - 196?
Ronivon - Pau! Os meus cheques
sem-fundos tudinho. Eu tive que arrecadar esses cheques tudinho.
Paguei, só de cheques aí deu 46 mil de cheques. Em Rio Branco tinha
seis.
Senhor X - A reeleição lhe salvou, né?
Ronivon - Ôô!
Senhor X - A reeleição.
Ronivon - Eu me protejo, rapaz...
Os pagamentos
A seguir, mais detalhes sobre os pagamentos pela reeleição e quem
seriam os deputados que receberam, segundo Ronivon Santiago. É curioso
que em um trecho anterior Ronivon diz ter sido o único a receber
apenas R$ 100 mil. Os outros colegas do Acre teriam embolsado R$
200 mil. Nesta parte da conversa, entretanto, ele afirma que o deputado
João Maia (PFL) também teria recebido só R$ 100 mil:
Senhor X - Na véspera da reeleição...
aquele dinheiro que foi chegando lá e seus colegas estavam saindo
com ele na sacola, ali tinha R$ 800 mil. Eram R$ 200, R$ 200, R$
200, R$ 200. E na hora 'H' saiu R$ 200, R$ 200, R$ 200, R$ 100 e
R$ 100. Você e o João Maia que receberam R$ 100?
Ronivon - João Maia só pegou R$ 100 também.
Senhor X - E ele já completou
os outros R$ 100?
Ronivon - O João Maia, não.
Senhor X- Também não?
Ronivon - Eu acho que não, não sei. Não perguntei. Só vi
o meu... Eu não sei. Eu sei o meu.
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