Mercado do Voto
Trechos da gravação envolvem o governo na compra de deputados


14/05/97
Editoria: BRASIL
Página: 1-7


da Sucursal de Brasília

A Folha recebeu anteontem à noite novas gravações a respeito da venda de votos a favor da emenda da reeleição. Mais detalhadas, essas conversas envolvem agora integrantes do governo federal. Além do deputado Ronivon Santiago (PFL-AC), outro parlamentar conta a mesma história da venda de voto. É o deputado João Maia (PFL-AC).
A pessoa que realizou as gravações, identificado apenas como ''Senhor X'', forneceu à Folha todos os detalhes sobre as fitas. A reportagem sabe quando, como e em quais circunstâncias as fitas foram gravadas. Essas informações não serão divulgadas para preservar a identidade da pessoa. Como na reportagem de ontem, os trechos apresentados hoje também fazem parte de gravações realizadas ao longo de vários meses, em diversas oportunidades.
Essas conversas ocorreram todas depois da votação do primeiro turno da emenda da reeleição na Câmara dos Deputados, em 28 de janeiro passado. A seguir, a Folha selecionou os trechos mais relevantes das novas gravações, precedidos de uma breve explicação: (FERNANDO RODRIGUES)

Orleir busca prestígio
O governador do Acre, Orleir Cameli, queria deixar claro para o Palácio do Planalto que ele era o responsável pelos votos da bancada do Acre a favor da emenda da reeleição.
Por isso, houve um certo desconforto quando Amazonino Mendes, governador do Amazonas, disse que era melhor fazer os pagamentos em dinheiro, e não em cheque, segundo o relato de João Maia.
Orleir acabou aceitando, mas quis sempre deixar claro que sua atuação no convencimento dos deputados havia sido fundamental para garantir os votos da reeleição.
No trecho a seguir já aparece um nome do governo federal: ''Serjão''. Trata-se de Sérgio Motta, ministro das Comunicações, que teria, segundo João Maia, acertado ''uma coisa aí'' para os deputados:

Senhor X - O Orleir queria ganhar prestígio perante o Planalto no episódio da reeleição. Por isso fez do jeito que fez.
João Maia - Claro, claro. Ele, ele.... nós juntos com o Amazonino lá na Academia de Tênis. E o cara bravo. Não sabia nem quem era o Amazonino. Ou uma coisa aí, do próprio Serjão aí, quem sabe, ia dar um respaldozinho também para a gente. Mas ele disse 'não sei o quê, perepepê', quis dar uma de machão. Até que caiu nessa besteira de dar cheque. Disseram: aí foi de sacana. Ele, sinceramente, eu não tenho a impressão que foi sacana, não. Ele não tinha é dinheiro. Barganhado aquele cheque, aí, também, né?

Amazonino e Serjão
Neste trecho, começa a ficar mais clara a participação do governador Amazonino Mendes, do Amazonas, e do ministro das Comunicações, Sérgio Motta, de acordo com as gravações em poder da Folha.
Segundo João Maia, os deputados do Acre esperavam receber dois pagamentos pela reeleição. Um do governador do Acre, Orleir Cameli, e ''outro apoiamento a (sic) nível federal''.
Nesta parte da conversa, João Maia afirma que o dinheiro recebido pelos parlamentares acreanos, embora entregue por Orleir Cameli, foi providenciado por Amazonino Mendes e por Sérgio Motta:

Senhor X - Aquele cheque vocês devolveram?
Maia - É, mas ele, ele, ele cobriu, né?
Senhor X - Ele (Orleir) cobriu?
Maia - Cobriu. No meu caso, pelo menos, ele cobriu.
Senhor X - Ele cobriu? Mas acho que ele deu uma enroladinha em alguém por aí, não deu não?
Maia - Enrolou nós mesmos porque aquele dinheiro era o dinheiro do Amazonino. Que o Amazonino mandou trazer, por ordem do... do... menino aqui, do Serjão. Ele pegou emprestado do Amazonino e cobriu o cheque.
Senhor X - Ah, foi?
Maia - Esse dinheiro seria um outro apoiamento a (sic) nível federal, sabe? Porque aquilo ali, o Orleir é vivo também, né? Ele não é besta. Sabia que estava tudo reservado. E já estava o dinheiro aí, o dinheiro e coisa. E daí que chegou o Orleir andou sabendo e, quer dizer: 'Não admito isso, não sei o quê'. Mas o Amazonino, disse, olha: 'Ficou mais fácil para ele'. Pegou e emprestou o dinheiro para o Orleir, ele cobriu o cheque, aquele dinheiro mesmo, esse cheque não ficou nem algumas horas na mão...
Senhor X - Esse cheque foi o que o Eládio trouxe de Manaus?
Maia - Sim, sim, sim.

Cheque pré-datado
Para entender a história da venda de votos reeleição, é importante saber que alguns cheques foram emitidos e depois rasgados.
Nesta conversa de Ronivon Santiago com o senhor X, o deputado explica que os cheques foram emitidos por Eládio Cameli, irmão do governador do Acre, Orleir Cameli.
Esses cheques, segundo Ronivon, eram da empreiteira Marmud Cameli, com sede em Manaus (AM), de propriedade da família Cameli:

Senhor X - O cheque era da Marmud Cameli ou do Eládio Cameli? Ronivon - Marmud Cameli, Banco do Amazonas. Marmud.
Senhor X - Vocês pensavam que Eládio já vinha trazendo o dinheiro em espécie ou...
Ronivon - Não. Ele (Orleir) avisou antes: 'O Eládio vem e vai dar um cheque. Tá chegando tal hora. Aí esse cheque na quinta-feira será transformado em dinheiro.
Senhor X - Mas quinta-feira já era depois da votação da reeleição. Ronivon - Na outra quinta, ainda.
Senhor X - Na outra quinta? Ronivon - Oito dias...
Senhor X - Ah.
Ronivon - Agora, parece que furou o negócio aí, aí o Amazonino ligou pra ele: 'Rapaz, tome esse cheque desse pessoal'.

A ciranda dos contatos
Neste trecho, o deputado João Maia explica com detalhes como era realizada a abordagem de parlamentares da região Norte na época da votação da reeleição, em janeiro passado.
Segundo Maia, tudo começava com um contato inicial feito pelo deputado Pauderney Avelino, na época do PPB-AM e hoje com entrada anunciada no PFL.
Se havia interesse por parte do parlamentar em negociar seu voto, diz João Maia, o passo seguinte era um contato com o então presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA).
Em seguida, sempre segundo João Maia, Luís Eduardo se incumbia de agendar um encontro do deputado interessado com o ministro das Comunicações, Sérgio Motta. De Motta, o parlamentar era encaminhado para o governador Amazonino Mendes, do Amazonas, que coordenava a votação da reeleição junto aos deputados da região Norte:

Senhor X - O Orleir se sentiu ferido com o Amazonino estar em Brasília coordenando o voto de vocês?
Maia - É. E coincidiu que exatamente ele estava... Tinha saído lá e estava lá no... conversando com o Amazonino. E já tinha sido o Sérgio Motta -isso aí aqui na Presidência, né? Luís Eduardo vai falar com o Sérgio Motta, Sérgio Motta fala com o Amazonino, só que seria um troço..., quer dizer, não teria nada a ver com Orleir pagar os atrasados dele. O filho da puta! Quer dizer, né? Também o Amazonino acabou entregando e participando, eu sei, ele, o Pauderney, que é outro sacana, aí. Esse dinheiro era para o Orleir ter que pagar as dívidas dele atrasadas, você entendeu? Mais esse, Serjão e Amazonino. Mas, o problema é o seguinte: naquela época, bicho, eu estou jogando muito em função da sobrevivência política, pessoal, familiar minha.
Senhor X - Claro, claro...
Maia - Não jogo com essa hipocrisia de dizer: não dá para perdoar o que eu estou fazendo ainda que pode, etc e tal.
Senhor X - Na realidade, o liberado foram 200? Do Orleir?
Maia - É, o Orleir, 200.
Senhor X - Aí não ficou devendo 100 a você e 100 ao Roni?
Maia - Não, não. Ele tinha de fato ... esses 200, ele pagou os dois, pra mim ele pagou os dois.
Senhor X - Mas você sabe que na cabeça dele ele pagou pelo voto da reeleição.
Maia - Sim, é claro. Mas é uma coisa que eu estou dizendo. Eu estou ali também, no fundo, esse pessoal é sacana, filho da puta. Na realidade, ele queria, mais uns outros daqui, Serjão e de Amazonino. O negócio cruzou aqueles troços. O Amazonino... Mas na última hora ...
Senhor X - O Pauderney em cima. O aliciamento começou com ele?
Maia - Pelo que eu sei bem é o seguinte: eram os 200 do Serjão, via Amazonino, que era a cota federal, aí do acordo... Ele falou, pra todo mundo, aí, meio mundo, aí. Eu falei com o Luís Eduardo. O Luís Eduardo marcou uma audiência com o Serjão. Daí, o Serjão marcou com o Amazonino. Acho que foi na quinta, à noite. E, depois, na segunda, fui lá falar com o Amazonino. Só que tinha chegado o Orleir, e nesse tempo o Orleir acabou pegando a gente lá.. Sabe? E volta de novo... E aí deu aquela coisa. Eu disse: 'Não senhor. São duas coisas distintas. Tem aí os nossos acertos, os nossos atrasados, e também tem essa coisa aqui que é federal'. Ele falou: 'Eu não acredito', não sei o quê. Eu disse para ele: 'Tem os atrasados'. E ele: 'Não, não sei o quê'. Daí ele mandou entregar. Isso foi na segunda de manhã. Não, foi na terça...

A cota federal
Aqui, o ''Senhor X'' pergunta de novo a João Maia sobre a participação do governo federal no esquema.
João Maia responde que o dinheiro recebido pela reeleição fazia parte de uma certa ''cota federal''.
Essa expressão, que já apareceu no trecho anterior, serve para definir a contribuição do governo federal no esquema de compra e venda de votos da reeleição, segundo João Maia.
Também neste trecho, João Maia volta a citar uns tais ''atrasados'' que os deputados acreanos tinham para receber do governador Orleir Cameli.
O deputado não explica o que são esses atrasados. Mas na gravação João Maia diz que isso acabou não sendo pago, pois os deputados só receberam os tais R$ 200 mil para votar a favor da reeleição.
Também é importante notar que, nas últimas frases deste trecho, João maia acusa o deputado Pauderney Avelino de ter anunciado nos corredores do Congresso a compra de votos por R$ 200 mil, ''via Serjão'':

Senhor X - De onde veio esse dinheiro para pagar os votos da reeleição?
Maia - O dinheiro, no dia seguinte, era um dinheiro que o Amazonino tinha mandado trazer. Esse era um dinheiro que nós íamos receber da cota federal, digamos, do negócio.
Senhor X - Ah, era assim?
Maia - A gente queria barganhar que o Orleir deveria pagar os atrasados desse troço. E que esse dinheiro do Amazonino era o dinheiro que já estava aí. Você entendeu? Que o Serjão já tinha acertado. Mas, como ele soube, quer dizer, acabou pegando o dinheiro do Amazonino para pagar o cheque dele. Quer dizer, no fundo, a gente dançou em 200 paus aí nessa brincadeira.
Senhor X - Aaah...
Maia - O Orleir só teve esse dinheiro por que o Amazonino se desincumbiu. Porque ele teve... deu aquela encrenca com ele de manhã, não sei o quê, perepepê. E deu o cheque à tarde e, no dia seguinte, pegou o dinheiro do Amazonino, que tinha chegado na segunda, à tarde, à tardinha, não é? Com o secretário, isso ele falou na nossa presença, com o secretário da Fazenda dele para trazer o dinheiro.
Senhor X - Quem ligou?
Maia - O Amazonino, lá na Academia de Tênis, na minha presença e do Ronivon, ligou para o secretário da Fazenda dele que ele precisava de 400. Daí, até o Amazonino, colocou mais um, assim, trouxe 500. À noite chegou esse dinheiro aqui, na segunda-feira. Aquela hora daquele almoço, você entendeu, eu estava com o cheque no bolso. De lá eu saí e fui para lá. E lá ele entregou o dinheiro. Ele resgatou o cheque. Eu contei direitinho 100 mil. Esse dinheiro é do Amazonino. Promessa do Pauderney aqui. No nosso corredor aqui, falou em 200 paus. Via Serjão. E como o Orleir acabou sabendo da coisa, então...

Origem do dinheiro
O ''Senhor X'' insiste, agora com o deputado Ronivon Santiago, perguntando sobre a origem dos R$ 200 mil pagos pelo voto a favor da emenda da reeleição.
Ronivon, assim como João Maia, identifica o dinheiro como um pagamento realizado por Amazonino Mendes. Mas ressalta que ''veio do outro lado''.
Esse outro lado, segundo Ronivon, diz achar ser o ministro das Comunicações, Sérgio Motta:

Senhor X - Onde é que Orleir pegou os R$ 200 mil para os deputados federais?
Ronivon Santiago - Ah, ele não tinha, não.
Senhor X - Hein?
Ronivon - O dinheiro não foi dele não, ué. Foi dinheiro que veio do outro lado.
Senhor X - Você acha que veio de onde?
Ronivon - Amazonino...
Senhor X - Hein?
Ronivon - Mandou... mas quem deu foi o Sérgio Motta ao Amazonino, parece.
Senhor X - Foi quem?
Ronivon - Sérgio Motta, eu acho, sei lá.
Senhor X - Rapaz...
Ronivon - Eu tô sabendo que aquele negócio ali foi muita gente. Todo mundo pegou na faixa de 200, 300... Todo mundo pegou... Teve gente que negociou pagamento de banco, negociou todo deputado aí... Todo mundo.
Senhor X - Todo mundo?
Ronivon - É uma barbárie isso aí.
Senhor X - E governadores negociaram os bolões?
Ronivon - Eram.
Senhor X - Liberações altas...
Ronivon - Era deputado toda hora ligando, era senador ligando, era ministro ligando, era num sei o quê pedindo pra conversar ''qual era o problema''. Hein? Todo mundo tinha os seus problemas...


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