Segredos
do Poder
Saiba como foram obtidas as fitas do grampo no BNDES
25/05/1999
Editoria: BRASIL
Página: 1-8
da Redação
A Folha publica nas próximas cinco páginas os principais
diálogos encontrados nas 46 fitas a que o jornal teve acesso. Não
é possível identificar a ordem exata das conversas, pois as fitas
estavam sem identificação.
Os repórteres da Folha Fernando Rodrigues e Elvira Lobato
passaram vários dias ouvindo as gravações e as organizaram segundo
o que seria a ordem cronológica mais provável. A transcrição dos
diálogos é publicada nessa ordem.
Para facilitar o entendimento, os diálogos foram parcialmente editados,
com a eliminação de interjeições e outros sons que prejudicam a
compreensão do material impresso. Mas a Folha divulga a versão
sonora dessas conversas no site do Universo Online (www.uol.com.br)
a partir de hoje.
A Folha tentou obter a totalidade das fitas do grampo do
BNDES desde quando o caso se tornou público, em novembro do ano
passado. Dezenas de políticos e empresários do setor de telecomunicações
foram abordados sobre o tema pela reportagem do jornal. Neste mês
de maio, a Folha obteve as fitas, com o compromisso de que
a fonte do material fosse mantida em sigilo.
As 46 fitas são nitidamente cópias de outras gravações. É possível
perceber isso, pois há várias repetições de conversas entre os diversos
cassetes. Não é possível, portanto, saber a ordem exata e a data
de todos os diálogos.
Como são fitas com 90 minutos de duração cada uma, a escuta do material
completo foi trabalhosa e lenta. Alguns trechos tiveram de ser ouvidos
mais de uma vez para total interpretação dos fatos a que se referem.
A Folha considerou necessário transcrever primeiramente todos
os trechos que pudessem conter alguma informação relevante para
o entendimento da privatização das teles.
As 46 fitas de 90 minutos resultam em 4.140 minutos de gravação,
ou 69 horas. Há muitos trechos em silêncio ou em branco (cerca de
30% das fitas, pelo menos). Muitos trechos foram descartados pela
reportagem por conterem conversas irrelevantes ou de caráter unicamente
pessoal.
Não é possível saber em quais telefones foram feitos os grampos.
É certo que os ramais da presidência do BNDES foram grampeados.
Mais de uma centena de diálogos começam com as secretárias do BNDES
atendendo o telefone.
Há também várias conversas gravadas no telefone da casa de Elena
Landau _ex-diretora de Desestatização do BNDES e funcionária do
Banco Opportunity na época do leilão das teles. Quem forneceu as
fitas à Folha não quis dizer ou não sabia o período exato
das gravações. Disse apenas que a parte principal seria referente
ao período de 15 de julho a 15 de agosto do ano passado.
Ao ouvir minuciosamente as 46 fitas, entretanto, vê-se que o grampo
foi mantido por um período muito mais longo. É possível perceber
isso, por exemplo, quando uma secretária recebe um telefonema a
cobrar do Canadá, país onde seus pais estavam em férias.
Nessa conversa particular da secretária, ela pergunta ao pai se
ele soubera que Romário havia sido cortado da seleção brasileira
naqueles dias. O jogador Romário foi cortado da equipe que representou
o Brasil na Copa do Mundo em 2 de junho do ano passado.
Em outro trecho, secretárias do BNDES falam sobre uma passagem do
presidente Fernando Henrique Cardoso pelo Rio de Janeiro. FHC estava
na cidade para o lançamento no fim-de-semana do livro "O Mundo em
Português - Um Diálogo" (357 págs., ed. Paz e Terra), no qual dá
uma entrevista ao ex-presidente de Portugal Mário Soares. Esse livro
foi lançado no Rio no dia 19 de setembro.
A qualidade das gravações varia muito entre as 46 fitas. A Folha
escolheu sempre o diálogo mais nítido (porque há muitas conversas
repetidas) para fazer a transcrição. Isso possibilitou ao jornal
reproduzir agora, com correção, trechos já publicados antes na imprensa.
Às vezes, não são detalhes muito relevantes para a compreensão da
história, mas as conversas são reproduzidas pela Folha da
forma mais fiel possível aos diálogos captados pelo grampo.
Em um trecho das conversas estão FHC e o então ministro Mendonça
de Barros (Comunicações). O assunto é o valor total que o leilão
das teles poderia atingir. O ministro prevê uma receita próxima
de R$ 16 bilhões. Nas reproduções dos diálogos feitas pela imprensa,
depois que Mendonça de Barros cita os R$ 16 bilhões, FHC aparece
dizendo "ajuda, né? (risos). Ajuda na dívida" (revista "Época" de
23 de novembro) ou "ajuda, né, as reservas" (revista "Veja" de 18
de novembro e "Carta Capital" de 25 de novembro).
Na realidade, conforme as fitas em posse da Folha, fica claro
que a frase de FHC é diferente das publicadas. O presidente disse
o seguinte: "Ajuda, né? (risos) Para quem está na miséria".
O caso mais relevante é o que mostra a participação de FHC na montagem
da operação para favorecer o banco Opportunity e a empresa italiana
Stet.
Até agora, apenas a revista quinzenal "Carta Capital" (edição de
25 de novembro do ano passado) havia mencionado que FHC aparecia
nos grampos falando diretamente sobre a operação. Mas a revista
não teve, aparentemente, acesso à conversa completa.
A única frase de FHC sobre o assunto é a seguinte: "Precisamos convencer
a Previ". Essa afirmação do presidente, segundo a "Carta Capital",
estaria em um diálogo com o então presidente do BNDES, André Lara
Resende.
Pela descrição da "Carta Capital" é o mesmo diálogo a que a Folha
teve acesso completo. FHC não diz "precisamos convencer a Previ".
Vai mais fundo. Quando André Lara pergunta se pode "usá-lo" para
pressionar o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil,
o presidente diz: "Não tenha dúvida. Não tenha dúvida".
Além dos trechos inéditos que são revelados hoje, há dezenas de
correções como essas nos diálogos já conhecidos.
Trata-se de um cuidadoso trabalho de reconstituição histórica dos
bastidores da maior privatização que o país já teve. Quando foram
vendidas as "jóias da coroa", como costumava se referir à Telebras
Sérgio Motta, que foi ministro das Comunicações e morreu em abril
do ano passado.
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